Uma história de reviravoltas
Em The Hundred Line, um grupo de indivíduos jovens se vê forçado a assumir a posição de defensores da humanidade. Levados para o prédio de um colégio especial, eles estão sob o comando do misterioso robô Sirei e precisarão proteger o lugar do ataque de invasores.Detentores do poder sanguíneo especial da “hemoanima”, eles se transformam em guerreiros capazes e terão que lidar com as hordas de inimigos custe o que custar. Agora, resta ao grupo se unir e encarar os desafios em 100 dias de lutas intensas.
Porém, em se tratando de uma obra com Kazutaka Kodaka (Danganronpa) e Kotaro Uchikoshi (Zero Escape) como membros criativos, é óbvio que as coisas não são nada simples. Recheada de mistérios e reviravoltas, a trama mantém o jogador no escuro sobre vários detalhes durante boa parte do seu desenvolvimento.Sem entrar em detalhes para evitar spoilers, de forma geral, a trama é bem interessante, trazendo elementos de ficção científica e detalhes fascinantes. Porém, o foco em choque dá um tom artificial à progressão. A estrutura será bem familiar para quem jogou Danganronpa, embora seja possível dizer que ela é um pouco menos engessada por não depender de mortes por capítulo.
Porém, o ponto mais verdadeiramente incômodo é a estrutura dos diálogos. Assim como outras obras do Kodaka, a maior parte das conversas acaba sendo composta por piadas, muitas delas de cunho sexual, que são feitas para causar espanto no jogador pelo absurdo que é falado e depois elas são repetidas à exaustão.Hora de treinar na escola
Ao longo dos 100 dias, os personagens estão livres para fazer o que quiserem enquanto não estiverem sob ameaça dos invasores. Assim, podemos gastar um tempo conversando com os personagens, treinando e explorando o mundo externo para poder coletar recursos.Conforme a história avança, liberamos mais áreas da escola e podemos assim acessar mais opções do que fazemos nesses momentos de calmaria. Conforme nos aproximamos de um aliado, seja passando tempo com eles ou lhes dando presentes obtidos na Gift-o-Matic, melhoramos um atributo em particular do protagonista.
Embora o jogo seja vendido como um “SRPG”, a participação em batalha dos nossos aliados pouco importa na prática para a sua evolução. Só é possível melhorar as habilidades em combate deles através da mesa de melhorias nos momentos livres (embora não consumam tempo), gastando o BP que pode ser obtido na exploração, nas batalhas de história e no treinamento na máquina VR da escola.
Uma restrição importante para se ter em mente é que só é possível desbloquear novos golpes e upgrades caso o jogador tenha um determinado valor mínimo de atributos. Assim, quanto mais interagimos com um personagem, mais fácil é desbloquear suas melhorias.
O melhor método para evoluir os atributos é através do sistema de presentes, que depende de materiais para a sua produção. A obtenção desses recursos exige que o jogador saia da escola e explore o mundo exterior, que é apresentado como uma espécie de tabuleiro que podemos vasculhar livremente até os personagens morrerem ou o jogador decidir voltar para casa.
No tabuleiro, temos duas cartas a cada rodada para escolher quantas casas vamos andar. Ao pararmos em uma área que conta com um símbolo específico, teremos que batalhar ou tomar uma decisão de como interagir com o evento. As escolhas podem render itens, causar dano aos aliados, recuperar HP, aumentar a chance de obtenção de certos materiais, mudar a posição do jogador no tabuleiro etc.De forma geral, há uma boa variedade de coisas para fazer no tempo livre. Vale destacar que o jogo também não exige o investimento nos sistemas de upgrade, embora eles aumentem consideravelmente o leque de opções estratégicas do jogador durante o combate.
No campo de batalha
Em termos dos combates, as missões de história envolvem um foco na defesa da barreira da academia. Cabe ao jogador concluir o seu objetivo (em geral, eliminar todos os inimigos ou o chefe deles) antes que as forças do oponente eliminem totalmente essa proteção.A cada momento da história, temos personagens diferentes à nossa disposição, com eles tendo posicionamentos definidos pelo próprio jogo para iniciar o combate. Com isso, a estrutura de comando muitas vezes gira em torno mais de avaliar o desafio e conceber uma estratégia de acordo com a forma com que as peças já estão colocadas, como em um quebra cabeças.
Cada personagem possui vantagens inerentes e golpes com valores de força e alcance completamente diferentes. Dependendo de como os inimigos estão posicionados e as suas propriedades (como produção de escudos ou contra-ataque), vai ser mais vantajoso usar um indivíduo em vez do outro.Um detalhe que diferencia significativamente o jogo de outros títulos táticos é o fato de que os pontos de ação por turno são compartilhados e cada aliado pode agir várias vezes seguidas. Embora seja possível abusar desse sistema repetindo o uso do mesmo personagem várias vezes, os ataques causam fadiga, reduzindo a capacidade de movimentação pelo território apenas às adjacências.
Dominar todas as especificidades dos personagens, especialmente quando eles já possuem pelo menos todos os golpes básicos liberados, é fundamental para fazer com que os turnos rendam. Cada vez que um inimigo de grande porte é destruído, também ganhamos pontos de ação, fazendo com que o jogador tenha formas de fazer um turno render muito mais do que pode parecer inicialmente.
Além de tudo isso, ainda temos o sistema de voltagem, pontos obtidos ao usar os golpes, que permite desbloquear ataques especiais devastadores que deixam o personagem paralizado no próximo turno. Outra opção é usar os pontos para ganhar uma ação extra e eliminar a fadiga de um personagem ou aumentar o seu ataque em um ponto para o resto da batalha.Outro fator que aumenta a voltagem é a morte dos personagens, que também é tratada de uma forma única em The Hundred Line. Caso o HP de um aliado esteja próximo do fim em um combate, é possível ativar um especial ao custo da vida dele, uma medida desesperada que é recompensada pelo jogo com mais BP.
Para quem preferir jogar de forma mais defensiva, todos os personagens podem ficar parados e ativar um sistema de defesa que cria um escudo temporário para reduzir o dano dos inimigos. Um dos personagens inclusive é inteiramente focado em defesa, utilizando um sistema baseado em chamar a atenção dos inimigos e causar dano de contra-ataque. Há ainda outros recursos limitados, como armadilhas, barreiras e poções, que são desbloqueados a partir de um certo ponto.Infelizmente, algumas informações do combate não são transmitidas de forma clara e podem atrapalhar um pouco os jogadores. Passei por isso, por exemplo, ao utilizar dois personagens para dar boosts de ataque aos seus aliados e descobrir só depois que eles não acumularam. Outro fator que pode ser negativo é que o design de ambientes dos combates acaba não tendo grande variedade, mas os formatos de waves e os padrões dos chefões compensam esse fator.
Uma combinação instigante
The Hundred Line: Last Defense Academy consegue combinar uma aventura textual cheia de mistérios com um jogo tático com opções estratégicas interessantes. O resultado final possui ressalvas e acaba dando a ver um pouco das limitações da escrita do Kodaka, mas definitivamente compensa no longo prazo.
Prós
- Combate tático com um sistema de turnos que permite ao jogador escolher entre usar vários personagens ou até mesmo abusar da repetição;
- Personagens com habilidades, forças e alcances bem diferentes;
- Até mesmo a morte dos personagens em combate pode ser usada de forma estratégica;
- Os elementos de ficção científica por trás da trama são bem interessantes;
- Boa variedade de opções do que fazer durante os momentos de calmaria.
Contras
- Algumas informações importantes do combate não são transmitidas satisfatoriamente;
- A trama excessivamente recheada de piadas e conduzida na base de “plot twists chocantes” pode não agradar alguns jogadores;
- Pouca variedade de design de ambientes para as sequências táticas;
- Para um RPG, a ausência de sistema de experiência pode incomodar jogadores em busca de uma experiência mais tradicional.
The Hundred Line: Last Defense Academy — Switch/PC — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela XSEED Games