Era novembro de 2023 quando a Nintendo surpreendeu a todos com o anúncio da adaptação para os cinemas de The Legend of Zelda. Através de um tweet, foi revelado que Shigeru Miyamoto, criador da franquia, estava há alguns anos trabalhando num filme baseado na franquia de jogos. Em abril do mesmo ano, Super Mario Bros. O Filme havia estreado nos cinemas e feito um sucesso estrondoso, tornando-se uma das maiores bilheterias de animação da história. O próximo passo lógico seria um filme de Zelda. Porém, um detalhe deixou todos os fãs da franquia paralisados como se um ReDead tivesse berrado em seus ouvidos: a adaptação não seria animada, como muitos fãs desejavam, mas sim em live-action.
Mais de um ano depois, ainda há poucas informações sobre o projeto. Sabe-se que o filme chega em 26 de março de 2027, com filmagens provavelmente na Nova Zelândia, e será produzido em parceria entre a Nintendo e a Sony Pictures, além do envolvimento do famigerado produtor Avi Arad. Em meio a isso, temos uma informação crucial: o diretor escolhido para a adaptação é Wes Ball. Mas quem é Wes Ball?
O portfólio de Wes Ball
![]() |
Filmes de Wes Ball em ordem de lançamento, com a avaliação da crítica |
Wes Ball entrou para a indústria do cinema blockbuster com a trilogia Maze Runner: Correr ou Morrer (2014), Prova de Fogo (2015) e A Cura Mortal (2018), adaptados dos livros de James Dashner. Os filmes tiveram recepção mista: no Rotten Tomatoes, o primeiro filme tem 66% de aprovação da crítica e 68% do público, enquanto o último ficou com 43% e 58%, respectivamente. Após Maze Runner, Ball dirigiu Planeta dos Macacos: O Reinado (2024), o quarto capítulo da série reboot. O filme foi um sucesso de bilheteria e crítica, com 80% de aprovação da crítica e 77% do público. A continuação tinha a responsabilidade de suceder a excelente trilogia estrelada por Andy Serkis no papel de César.
Tanto Maze Runner quanto Planeta dos Macacos são distopias adaptadas de obras literárias e enfatizam o impacto da natureza no mundo. Ambos, porém, colocam o próprio ser humano como o principal agente da destruição da civilização. Embora Maze Runner não seja lembrado como uma grande franquia nos mesmos termos de obras similares, é impressionante como Ball conseguiu adaptar todos os livros da série original, concluindo sua história nos cinemas. Nos anos 2010, foram várias as tentativas de transformar livros juvenis de distopia em franquias cinematográficas, e a maioria delas morreu pelo caminho. Ball conseguiu entregar uma adaptação completa, e de qualidade considerável.
O diretor sabe como trabalhar com estúdios grandes e lidar com as expectativas que cercam blockbusters. Ao contrário de diretores muito autorais que se perdem completamente quando colocados num filme de grande orçamento (como Shyamalan e seu traumatizante O Último Mestre do Ar de 2010), Wes Ball demonstra saber entregar um produto que equilibra as expectativas dos executivos e dos fãs. Ele pode não ser um diretor considerado autoral, mas tem qualidades que o destacam, especialmente em efeitos visuais. Para isso, precisamos voltar um pouco antes de Maze Runner.
O artista de efeitos visuais
Antes de ser diretor, Wes Ball era um artista gráfico 3D e um especialista em VFX. Seu conhecimento nessa área foi fundamental para garantir sua direção em Planeta dos Macacos, filme que faz uso extensivo de captura de movimentos (mocap), tecnologia que permite a criação de personagens digitais a partir da performance real de atores, que atuam diretamente no set em live-action. A tecnologia foi utilizada amplamente em filmes como O Senhor dos Anéis (no personagem Gollum, interpretado por Andy Serkis), Piratas do Caribe (o Davy Jones de Bill Nighy) e recentemente em Better Man (2024), cinebiografia de Robbie Williams. Talvez um dos exemplos mais notáveis seja a franquia Avatar de James Cameron, em que todos os Na’vi e avatares são criados com uso do mocap.
Wes Ball é declaradamente entusiasta da tecnologia. O diretor demonstrou sua paixão em seus projetos independentes: RUIN (2014), um curta de ficção científica ambientado em um mundo pós-apocalíptico, e Mouse Guard (2019), um teste demo para uma possível adaptação das HQs Pequenos Guardiões. Ambos foram feitos com atores em mocap interagindo com um mundo totalmente digital (pense em O Expresso Polar, de Robert Zemeckis). Mouse Guard, em especial, utilizou a Unreal Engine para gerar seus cenários e demais efeitos visuais em tempo real.
![]() |
Andy Serkis no set de Planeta dos Macacos |
Esses projetos revelam algumas de suas marcas registradas: habilidade na construção de mundos expansivos, narrativa imersiva e uma forte influência da fantasia clássica. Ball é um grande contador de histórias. O Reinado, seu último filme, mergulha o público em realidade alternativa rica em detalhes. Entre as ruínas de cidades tomadas pela natureza, os diferentes clãs de macacos, a densa mitologia construída em torno de César e do que aconteceu com a humanidade, Ball consegue transformar o filme num épico imersivo e deslumbrante. Enquanto os filmes anteriores da franquia focavam no suspense e na ação, O Reinado é uma aventura aos moldes dos clássicos de fantasia.
Talvez seja essa habilidade de construir mundos e contar histórias envolventes que deu a Ball o sonho de dirigir um filme baseado em sua franquia de games favorita: The Legend of Zelda. Em 2010, o diretor tuitou que sonhava que o próximo filme com captura de movimento aos moldes de Avatar fosse uma adaptação de Zelda. Isso significa que o filme de 2027 será um filme animado 3D? Provavelmente não.
Um live-action do Studio Ghibli
![]() |
O Castelo no Céu (1986) |
Existe muita discussão se um filme em mocap deve ser considerado um live-action ou uma animação 3D. Avatar: O Caminho da Água (2023) é apenas 25% live-action, e ainda assim não é considerado uma animação. Apesar de seu histórico com a tecnologia, Ball afirmou em entrevistas recentes que um filme totalmente em mocap não é sua atual escolha para Zelda. Segundo ele, a adaptação precisa ser mais firmada na realidade. Falando ao ComicBook em maio de 2024, o diretor destacou que vê o filme como uma “incrível fantasia de aventura, mas que não é como O Senhor dos Anéis, e sim sua própria coisa”.
The Legend of Zelda recebeu influências da obra de Tolkien desde sua concepção, mas se distanciou com os anos para criar sua própria visão de fantasia. Em meio a influências culturais japonesas, uma que se destaca são os filmes do Studio Ghibli. Não à toa, o desejo de muitos fãs da franquia era uma animação de Zelda no estilo único dos filmes de Hayao Miyazaki. São várias as obras de fãs na internet que retratam o mundo de Zelda com o visual de filmes clássicos como O Castelo Animado (2004) e O Serviço de Entregas da Kiki (1989).
![]() |
Fanarts imaginando Zelda no estilo Ghibli |
Curiosamente, Wes Ball afirmou que sua visão para o filme de Zelda se baseia nas obras do Studio Ghibli. Para ele, a adaptação deve ter o mesmo sentimento de uma “versão live-action de Miyazaki”. O filme precisa transmitir a mesma sensação de deslumbramento e maravilhamento. Miyazaki, que já ganhou o Oscar duas vezes, faz filmes que retratam a alegria de se viver. Suas obras retratam as aventuras e descobertas da infância, mas também as dores e tristezas que vêm com o amadurecimento. São filmes recheados de subtexto, formados no relacionamento do homem com a natureza, do mundo natural com o espiritual, e que também espiam as mazelas humanas ao retratarem a guerra e a ambição dos homens e das civilizações. Se Ball conseguir traduzir isso para o live-action, Zelda pode se tornar um marco para o gênero.
O que esperar do filme de Zelda?
Não é dessa vez que teremos uma animação de Zelda pelas mãos do Studio Ghibli. Ainda não sabemos se Wes Ball conseguirá transformar Zelda em um clássico do cinema. Ainda assim, o livro Duna (1965), de Frank Herbert, era considerado inadaptável, e isso não impediu Denis Villeneuve de fazer dois dos melhores filmes de ficção científica da década. Peter Jackson só tinha feito filmes de terror trash pouco conhecidos antes de adaptar a monumental obra de Tolkien, mas tinha uma paixão e uma visão específica para o projeto.
É muito cedo para se ter qualquer ideia de como será o filme de Zelda. A visão de Wes Ball será respeitada? Mais do que isso, ele terá capacidade de a transmitir na tela? As qualidades estão ali, mas são muitas peças que precisam dar certo além do próprio diretor. A Nintendo e Miyamoto estão acompanhando de perto a produção do filme. Talvez estejamos prestes a ver o maior desafio da carreira de Ball — talvez seu maior triunfo.
Revisão: Vitor Tibério