Análise: All in Abyss: Judge the Fake não é Balatro nem Danganronpa, mas sabe jogar com suas cartas

Embora sofra com repetições e falta de mais polimento audiovisual, este título mescla muito bem visual novel, RPG e pôquer.


All in Abyss: Judge the Fake
é um jogo desenvolvido por ACQUIRE que chama a atenção por sua proposta inusitada: misturar visual novel, elementos de RPG e pôquer, o que lhe rendeu a alcunha de “Balantropa” por algumas pessoas no Steam. No entanto, diferentemente de Balatro e Danganronpa, a experiência se sustenta por si só, mesmo que com alguns tropeços em sua execução.

O de cima sobe e o de baixo desce

All in Abyss: Judge the Fake nos apresenta a uma cidade conhecida apenas como The City, um local corroído pela corrupção e onde a hierarquia social é ditada não por força ou dinheiro, mas pela habilidade nas apostas. No topo dessa sociedade estão as chamadas Bruxas, pessoas poderosas e carismáticas que mantêm seu domínio manipulando partidas de pôquer, usando trapaças tão refinadas que se tornam praticamente impossíveis de detectar.

É neste cenário que conhecemos Asuha Senahara, uma jovem que se autoproclama um gênio do pôquer e da leitura de pessoas. Seu objetivo inicial é simples: desafiar e derrotar as Bruxas para expor suas fraudes e reivindicar seu lugar de direito entre os maiores jogadores da cidade; no entanto, logo na sua primeira tentativa, Asuha sofre uma derrota humilhante contra Ulu Amamino, uma das Bruxas mais temidas de The City, e percebe que o desafio será muito maior do que imaginava.


Determinada a não apenas vingar sua derrota, mas também a mudar o próprio sistema injusto que rege a cidade, Asuha embarca numa jornada de julgamentos e jogos mentais, na qual nem sempre a mão mais forte vence, bem como as apostas envolvem muito mais do que apenas fichas. Neste contexto, nossa protagonista deve desmascarar mentiras e encontrar brechas no jogo de oponentes que dominam a arte do blefe em níveis sobre-humanos.

A narrativa de All in Abyss combina muito bem a tensão típica de histórias de apostas com uma estrutura que remete a julgamentos de visual novels mais tradicionais, quase em um nível tão insano quanto o de Kakegurui. É verdade que o jogo traz uma trama linear sem muitas surpresas, um tanto quanto arrastada e com um ritmo não muito satisfatório na maioria das vezes, mas, dentro de sua proposta, temos um produto satisfatório — cada Bruxa apresenta um estilo único de jogo e um conjunto próprio de fraudes que precisam ser desvendadas, o que mantém a progressão interessante ao longo da campanha.

Ainda assim, é importante destacar que o desenvolvimento de personagens secundários pode ser superficial em alguns casos, com motivações que, às vezes, soam simplistas demais perto da complexidade que o universo propõe. Em contrapartida, Asuha é uma protagonista que facilmente conquista simpatia: sarcástica, obstinada e humana em suas falhas, carregando boa parte da história nas costas e deixando sua jornada pessoal muito mais envolvente do que apenas seu desejo de se tornar o “gênio das apostas”.

Nem só de apostas se vive no abismo

Ainda que o enredo principal se concentre nos jogos de poder e nas apostas, All in Abyss não se limita a uma narrativa convencional, explorando temas mais extremos e provocativos que revelam o lado mais sombrio dos seus personagens.

O jogo não hesita em colocar o desconforto emocional e físico no centro da experiência. Sadismo, traços menhera (termo em japonês que engloba personagens emocionalmente instáveis com tendências autodestrutivas) e yandere (demonstração de amor ou afeição intensa, por vezes obsessiva, possessiva e violenta), além de episódios de violência que beiram o grotesco, surgem de maneira recorrente durante os julgamentos e confrontos narrativos.


Derrotas humilhantes, ameaças veladas e explosões de agressividade são usadas não apenas para chocar, mas para construir a tensão psicológica necessária para que as apostas soem como algo verdadeiramente de vida ou morte. All in Abyss incorpora todos esses elementos para reforçar a instabilidade emocional dos seus personagens; no entanto, aqui o desconforto é mais seco, direto e cruel.

O subtexto girls love, embora discreto, permeia certas relações entre Asuha e algumas de suas rivais, criando momentos de tensão íntima que flertam com a obsessão e o desejo. Nada disso se concretiza de maneira aberta, mas essa ambiguidade emocional contribui para reforçar o caráter autodestrutivo das conexões formadas em The City.

Esses elementos, embora possam afastar quem busca uma experiência mais leve ou convencional, são fundamentais para a construção do mundo decadente do jogo. De todo modo, a falta de um aviso acaba quanto a esse gore velado é um ponto contra, infelizmente.

Blefando até o último suspiro

A estrutura de All in Abyss gira em torno de partidas de pôquer no estilo Texas Hold 'Em, e é difícil não reconhecer o quanto a fórmula se torna quase viciante. Embora eu, pessoalmente, deteste esse termo, é impossível negar que a tensão crescente de cada mão jogada torna difícil largar o controle.

Cada duelo funciona como um combate, com o HP dos personagens representando suas fichas. O dano sofrido ou causado depende tanto da força da mão quanto do tamanho da aposta — e o jogo incentiva riscos cada vez maiores. A opção de All In, por exemplo, dispara o modificador de dano para níveis absurdos, podendo decidir julgamentos inteiros em uma única jogada.


Asuha também conta com habilidades que enriquecem a jogabilidade, permitindo manipular cartas, forçar erros ou proteger-se contra modificadores, sempre limitadas por um sistema de energia (chamado de Luck) que exige planejamento. Essas habilidades, no entanto, não anulam completamente a influência do acaso: é comum ver oponentes escolhendo a opção Fold em momentos crítico ou até se beneficiar de cartas manipuladas, algo que, embora reflita a natureza imprevisível do pôquer, pode gerar frustração no contexto da narrativa.

Infelizmente, alguns confrontos, especialmente contra as Bruxas, pecam pelo excesso: oponentes com HP absurdamente elevado e modificadores de dano ínfimos tornam as partidas arrastadas, mais pela necessidade de desgaste do que por complexidade tática. Em vez de testar nossa inteligência, esses momentos acabam testando nossa paciência.


Fora das mesas, a progressão exige reunir pistas para expor as trapaças das Bruxas. A ideia é interessante, mas rapidamente se torna repetitiva. Nos capítulos 3 e 4, em especial, o jogo exige um grinding excessivo de créditos, nos forçando a vencer diversas partidas paralelas para avançar. Além disso, o confronto final de cada capítulo só é liberado quando todas as pistas são obtidas, o que transforma a antecipação em cansaço em boa parte da trama.

O jogo ainda apresenta o modo Poker Royale, uma sequência de combates opcionais que oferecem prêmios que permitem que Asuha possa usar mais habilidades nas partidas. Apesar da recompensa interessante, o modo é maçante, com duelos extremamente genéricos, e acaba soando mais como um inflador artificial de conteúdo do que uma adição realmente relevante à experiência principal.

Ao menos, o excesso de partidas garante uma boa quantidade de SP, usados para desbloquear e aprimorar as habilidades da protagonista, o que traz benefícios tangíveis para o restante da campanha, embora não justifique completamente o ritmo arrastado que o grind impõe. Mas, se você não se importar com esse grinding excessivo, vai acabar como eu, presa em partidas viciantes de Texas Hold ‘Em difíceis de largar.

Uma aparência que engana

Visualmente, All in Abyss entrega uma apresentação audiovisual mista. O design dos personagens principais, como Asuha e as Bruxas, é um dos pontos altos, com ilustrações detalhadas e CGs de excelente qualidade que capturam bem o tom sombrio e exagerado do jogo. No entanto, o mesmo cuidado não se estende a todo o restante da experiência.

As artes de fundo e os NPCs apresentam pouca variedade e são, em sua maioria, repetitivos e pouco memoráveis. Essa limitação visual acaba prejudicando a imersão, especialmente nos trechos em que a narrativa exige mais movimentação ou interação com múltiplos personagens. As músicas, embora cumpram seu papel básico de criar atmosfera, também são pouco variadas e dificilmente deixam alguma impressão duradoura.


Por outro lado, o jogo oferece uma galeria que permite revisitar as principais CGs conquistadas durante a campanha, incluindo não apenas as belas ilustrações de momentos-chave da história, mas também as cenas de punições. Embora a repetição pese contra a experiência geral, essa galeria funciona como um bom incentivo para quem busca apreciar o que o jogo tem de melhor em termos de arte.

Também quero salientar que, no Switch, o jogo apresenta alguns engasgos durante transições de cenas, mas, felizmente, nada que comprometa a jogabilidade em si.

All In ou fold? Você escolhe

All in Abyss: Judge the Fake entrega uma proposta original ao unir pôquer, blefe e tensão psicológica em uma estrutura de visual novel. O sistema de combate é envolvente, o design dos personagens principais é ótimo e a atmosfera pesada é bem-construída, mas problemas de ritmo, repetição visual e sonora, além do grinding excessivo em certos capítulos, acabam pesando negativamente sobre a experiência.

Mesmo assim, para quem aprecia partidas de pôquer e busca uma experiência com a intensidade e o caos emocional de Kakegurui, este título oferece experiências intensas e um universo moralmente cinzento, cheio de dilemas e obsessões. Reforçando o que já apontei no título, está longe de ser Balatro ou Danganronpa, mas, com sua proposta própria, consegue capturar e prender a atenção do jogador de forma surpreendentemente eficaz.

Prós

  • Sistema de pôquer (Texas Hold 'Em) viciante, que consegue nos prender mesmo em partidas prolongadas;
  • As habilidades da Asuha adicionam mais estratégia às partidas, exigindo planejamento e leitura de jogo;
  • História com temática sombria e personagens principais bem-desenvolvidos, com destaque para a personalidade carismática de Asuha e a construção das Bruxas;
  • Exploração de temas pesados como sadismo, menhera e yandere de forma provocativa, reforçando o tom decadente de The City;
  • Design de personagens e CGs de alta qualidade, com destaque visual para os momentos principais da trama;
  • Existência de galeria para rever CGs e as punições (tanto de Asuha quanto das Bruxas).

Contras

  • Progressão travada por grinding excessivo de créditos e coleta repetitiva de pistas, especialmente nos capítulos intermediários;
  • Alguns confrontos, especialmente contra chefes, tornam-se arrastados devido a HP absurdo e modificadores de dano ínfimos;
  • O Poker Royale, apesar das recompensas, soa como inflador artificial de conteúdo e não agrega muito à experiência principal;
  • Repetição visual e sonora com fundos, NPCs e músicas pouco variados, prejudicando a imersão em longas sessões;
  • Engasgos pontuais nas transições de cena no Switch, ainda que sem impacto direto na jogabilidade.
All in Abyss: Judge the Fake — PC/PS5/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Capa: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida por Alliance Arts
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Juliana Paiva Zapparoli
Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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