Se perguntarmos a qualquer jogador um exemplo de protagonista silencioso, com certeza ele se lembrará de vários deles. Isso porque esse tipo de personagem é — podemos dizer — quase tão antigo quanto os videogames.
Esse silêncio nasceu da criatividade dos designers diante do desafio dos limites técnicos das primeiras gerações de consoles, para se tornar uma característica narrativa intensa e que é fundamental em muitos títulos.
A ponte para a imersão
Nos videogames, os protagonistas silenciosos sempre tiveram um papel fundamental na forma como os jogadores interagem com as histórias e com diversos títulos. Esse tipo de personagem, que se comunica pouco ou nada, é uma escolha deliberada de design que pode aumentar a imersão e permitir uma conexão mais direta entre o jogador e o jogo.
A Nintendo, ao longo das décadas, tem sido uma das principais empresas a explorar esse conceito, utilizando protagonistas mudos ou de poucas palavras para criar experiências memoráveis. E muitos justamente o silêncio se tornou uma característica da identidade de muitos personagens, como Link, Pokémon Trainer, entre tantos outros.
Henry Jenkins, teórico de Mídias e Comunicação, defende que os videogames são uma das mídias mais interativas já criadas, pois oferecem ao jogador um papel ativo na construção da narrativa. Diferente do cinema ou da literatura, onde o espectador segue uma jornada pré-determinada, incluindo emocionalmente.
Os jogos permitem que exploremos, descubramos e interpretemos os eventos pela nossa experiência, em suma, nos projetamos dentro do jogo. O protagonista silencioso, nesse contexto, torna-se uma ponte direta entre o jogador e o universo do jogo, permitindo um mergulho mais profundo na jornada proposta.
O que define um protagonista silencioso?
Um protagonista silencioso não significa necessariamente um personagem sem personalidade ou história. Temos Samus e seu jeitão badass para provar isso.
A ausência de falas é um recurso narrativo que permite que o jogador projete suas próprias emoções no protagonista. Esse tipo de personagem geralmente se expressa por meio de gestos, expressões faciais ou pequenas interações com outros personagens, deixando que o mundo ao seu redor conte a história.
Sabe quando ficamos emocionalmente investidos em uma aventura, mesmo encarando o silêncio de nosso protagonista? Pois bem, isso é proporcionado quando essa característica é utilizada como um recurso imersivo. Como o protagonista não possui falas definidas, a experiência do jogador se torna mais subjetiva e aberta a diferentes interpretações. Essa abordagem permite que cada jogador desenvolva uma conexão única com o personagem e o universo do jogo.
O importante é como a narrativa se adapta a essa escolha. Em vários títulos, os NPCs comentam sobre o silêncio do protagonista, criando um diálogo indireto que reforça a identidade do personagem sem quebrar a imersão. Isso pode ser visto, por exemplo, em The Legend of Zelda: Breath of the Wild, onde Zelda menciona a natureza reservada de Link, justificando sua falta de falas dentro do próprio enredo. Assim como em Echoes of Wisdom a resposta para o silêncio de Link seja apresentado de outra forma.
Criando conexão emocional pela quietude
Diferente dos RPGs tradicionais (de mesa) onde conseguimos criar personagens do zero e, como o próprio nome sugere, realmente os interpretar, interagindo de forma mais vivaz e orgânica, nos games isso se torna um pouco mais complicado. Apesar de muitos títulos, em especial do gênero RPG, tentarem simular essa experiência através de ferramentas de construção de personagem e escolhas de linhas de diálogo, mesmo assim, a liberdade é mais limitada.
A ausência de voz em um protagonista pode aumentar a imersão do jogador, pois elimina barreiras entre quem joga e o mundo virtual. Quando um personagem não tem uma voz própria, o jogador tende a preenchê-la com sua própria identidade, tornando-se parte ativa da história ao invés de apenas um observador. Esse subterfúgio permite uma aproximação da proposta interpretativa que faz dos RPGs tradicionais tão ricos em sua capacidade de envolver.
Em Breath of the Wild, por exemplo, Link é um herói silencioso que recupera suas memórias ao longo do jogo. No final de Breath of the Wild, quando Zelda pergunta a Link se ele se lembra dela, não há uma resposta direta, mas o jogador compreende o impacto desse momento porque passou a jornada inteira recuperando memórias. Esse silêncio não é vazio; ele carrega significado e reforça a experiência do jogador.
Outro exemplo é Animal Crossing, onde o protagonista não fala, mas suas interações são moldadas pelo comportamento do jogador. As conversas com os aldeões e a forma como o mundo reage às ações do jogador criam uma experiência única para cada pessoa, permitindo uma imersão profunda sem a necessidade de um personagem com voz ativa.
Menos papo, mais ação e expressão
O silêncio de um protagonista pode ser um recurso poderoso para contar histórias sem depender de diálogos expositivos. Em muitos jogos da Nintendo, essa ausência de fala é preenchida pelo ambiente, pelos NPCs e até mesmo pela trilha sonora, que comunica emoções e mudanças na narrativa de forma sutil.
Em Metroid Dread, Samus Aran mantém seu silêncio, mas sua linguagem corporal e reações demonstram muito sobre sua personalidade. Em momentos-chave, a forma como Samus encara inimigos ou reage a eventos críticos substitui qualquer necessidade de diálogo, criando uma narrativa visual impactante.
No entanto, há uma exceção marcante: em determinado momento, Samus fala uma única frase, quebrando seu silêncio de forma significativa. Esse momento não apenas reforça sua evolução ao longo da história, mas adiciona um peso emocional a sua jornada, mostrando que o silêncio, quando interrompido estrategicamente, pode ser uma poderosa ferramenta narrativa.
Equilibrando a narrativa e a jogabilidade
Na abordagem da Nintendo, a história é frequentemente contada através do ambiente e da interação com NPCs, ou do próprio design do mundo/mapas. Isso permite que o jogador explore e descubra a narrativa de forma orgânica, sem a necessidade de cutscenes longas ou diálogos expositivos. Essa escolha também favorece a jogabilidade, mantendo o foco na experiência interativa.
No caso de Fire Emblem: Three Houses, Byleth, o protagonista, é majoritariamente silencioso e sua personalidade é moldada pelas escolhas do jogador ao longo do jogo. A ausência de voz permite que o jogador se projete no personagem, tornando suas decisões mais significativas e impactantes na história.
O mesmo ocorre com os treinadores Pokémon, onde o protagonismo silencioso reforça o foco na aventura, fazendo com que o jogador possa se projetar e ter maior envolvimento emocional com a jornada. Ao manter o personagem sem falas, a Nintendo garante que a identidade do jogador seja moldada por suas escolhas dentro do jogo, ao invés de diálogos pré-definidos.
Toda a capacidade de personalização de nossa aventura, por meio da possíbilidade de escolher quais pokémon capiturar e usar, quais itens e habilidade equipar neles, e que tipo de abordagem usar nos combates, torna uma experiência muito unica e particular, mesmo que o fim seja o mesmo — mas oq ue importa é a jornada, não é?
O herói silencioso e a jornada sem recompensa
Alguns protagonistas silenciosos também representam o arquétipo do herói que atende ao chamado da aventura, cumpre sua missão e se retira sem esperar reconhecimento. Esse tipo de personagem age por um senso de dever ou propósito maior, sem buscar recompensa ou glória.
Um grande exemplo disso é Yoshi em Yoshi’s Island. Embora a estrela do jogo seja Baby Mario, é Yoshi quem enfrenta inúmeros desafios para garantir que o pequeno herói chegue ao seu destino. Yoshi não fala, não exige reconhecimento e simplesmente desaparece da história assim que sua missão é cumprida, permitindo que o ciclo da jornada continue sem esperar um final heróico para si.
Da mesma forma, Link em The Legend of Zelda frequentemente se encaixa nesse arquétipo. Ele salva Hyrule, resgata a princesa e, muitas vezes, desaparece sem esperar gratidão. Em Ocarina of Time, após derrotar Ganon e restaurar a paz, Link retorna ao passado como uma criança, deixando para trás os feitos que realizou. Seu silêncio reflete não apenas sua personalidade reservada, mas também a aceitação de que sua jornada não exige reconhecimento.
Esse tipo de narrativa reforça a ideia do protagonista silencioso como um avatar do jogador, terminando sua jornada e assim partindo, permitindo que a experiência fale mais alto do que qualquer diálogo poderia.
Silenciosos, mas nem sempre
Com o tempo, alguns protagonistas tradicionalmente silenciosos ganharam mais voz. Um exemplo é Samus em Metroid: Other M, onde a adição de falas e monólogos internos dividiu opiniões. Enquanto alguns jogadores apreciaram um aprofundamento na personalidade da personagem, outros sentiram que isso reduziu o impacto da imersão e do mistério que envolvia Samus.
Em contrapartida, Breath of the Wild e Tears of the Kingdom adotam uma abordagem híbrida, onde Link permanece silencioso, mas o mundo ao seu redor se torna mais expressivo. Isso equilibra a narrativa sem comprometer a identificação do jogador com o protagonista.
Já em Super Mario RPG, Mario é silencioso, mas suas expressões e reações exageradas são utilizadas como forma de humor e comunicação. Isso demonstra que o silêncio não significa falta de personalidade, mas pode ser explorado para criar momentos marcantes.
Silenciosos e icônicos
Os protagonistas silenciosos continuam a desempenhar um papel essencial nos jogos da Nintendo. Eles permitem que os jogadores se envolvam de maneira mais profunda com a narrativa, sem a necessidade de falas que possam limitar a interpretação.
Apesar do uso em comum do desse recurso em muitos personagens, a sagacidade em como utilizar essa característica de formas diferentes alinhadas às ações, os persoagens de apoio e ambientes, faz com que o silêncio tenha efeitos únicos na construção desses personagens.
Mesmo em uma era nos jogos onde narrativas cinematográficas e dublagens elaboradas são muito valorizada, o silêncio segue sendo uma ferramenta poderosa para contar histórias de forma envolvente e interativa. E mesmo sem dizer uma palavra por décadas, muitos desses personagens conseguem se tornar ícones da cultura pop.
E vocês, gostam de personagens silênciosos? Quais os seus favoritos?
Revisão: Cristiane Amarante