Análise: Ever 17 - The Out of Infinity: uma edição questionável de uma excelente visual novel

Este remake mantém a essência do clássico, mas dilui sua intensidade e reescreve momentos que marcaram a visual novel original.


É curioso ver que, atualmente, boa parte das minhas análises para o Nintendo Blast é composta de visual novels, mas isso só foi possível porque, lá no início dos anos 2000, descobri um jogo chamado Ever17 -the out of infinity-, desenvolvido pela falida KID (que à época eu não sabia que estava falida). Lembro que passei horas e mais horas sentindo uma claustrofobia e uma falta de ar, tamanha a maestria com que a história — com aquele quê de ficção científica — consegue se desdobrar.


Foi minha primeira — e mais marcante — extensa aventura pelo mundo das visual novels. Quando a empresa Spike Chunsoft anunciou que traria para o Ocidente a versão remasterizada de Ever17 (sem espaço), agora batizada de Ever 17 - The Out of Infinity (com espaço), eu não poderia ter ficado mais feliz; porém, com o jogo em mãos, eu preferia que a tal “versão remasterizada” tivesse ficado perdida junto com as ruínas da antiga civilização de Lemúria, no fundo do Oceano Pacífico.

Adivinha qual versão foi remasterizada?

Lançada originalmente para PC, Ever17 -the out of infinity- logo se tornou uma das mais complexas e bem-planejadas visual novels de todos os tempos, destacando-se por sua narrativa intrincada e estrutura não-linear em um contexto de ficção científica e mistério. A história acompanha um grupo de sete pessoas — os protagonistas Takeshi Kuranari e um garoto amnésico chamado de “Kid”; You Tanaka; Tsugumi Komachi; Sora Akanegasaki; Sara Matsunaga; e Coco Yagami — que, após um misterioso acidente, ficam presas a 51 metros de profundidade no parque aquático submerso LeMU.

O desastre corta todas as comunicações e bloqueia qualquer possibilidade de retorno à superfície, ao mesmo tempo que a água começa a invadir a instalação. Para piorar, a estrutura do LeMU não foi projetada para suportar a pressão da água por muito tempo e o oxigênio disponível só durará 119 horas.


Enquanto buscam uma forma de escapar, os personagens começam a perceber que há algo errado com aquela situação: o acidente não parece ser um simples acaso e algumas pessoas podem não estar ali por coincidência. Desse modo, alternando entre Takeshi e “Kid”, devemos acompanhar múltiplas rotas e entender as peças por trás desse enorme quebra-cabeça; em suma, trata-se de um jogo denso, pois a verdade só pode ser compreendida ao conseguir todos os finais verdadeiros da visual novel (cinco, de um total de 11 possíveis).

A versão para Xbox 360, relançada em 2025 para os consoles atuais, trouxe várias mudanças que, embora mantenham a essência do enredo, alteram significativamente a experiência. Muito disso se dá a uma total reescrita do roteiro, com cenas reorganizadas ou removidas, bem como alteração de diálogos e eventos, tudo a fim de tornar “a narrativa mais acessível”.


A mudança mais drástica foi o aumento no tempo-limite para escapar, um salto de 119 para 170 horas, algo que reduz a sensação de urgência do original (lembra que eu comentei sobre claustrofobia e falta de ar na introdução? Pois bem…). Outro ponto de crítica é a alteração em diversos personagens importantes, que passaram a ter suas motivações e dilemas apresentados de maneira mais direta, uma reescrita que simplesmente alterou suas personalidades por completo.

Por um lado, entende-se a questão de facilitar o entendimento da história, mas, para quem jogou a versão original, boa parte da essência da versão original se perde, arruinando a experiência como um todo.

Ao menos não veio com os gráficos 3D do Xbox 360

Depois de tantas críticas ao roteiro deste remake, uma notícia boa: os sprites 2D foram mantidos, em vez dos modelos 3D que fizeram para a versão de Xbox 360. Assim como as faixas de Takeshi Abo, as artes e os cenários também ganharam uma versão remasterizada; inclusive, alguns ambientes são exclusivos do remake, pois, com a alteração do roteiro, novos locais precisaram ser acrescentados ao LeMU. Ponto positivo aqui, sem dúvidas.

Infelizmente, o mesmo não pode ser dito para a dublagem dos personagens. Na versão de Xbox 360, todas as vozes foram regravadas, mas a mudança foi mais maléfica que benéfica, na minha opinião. Explico: na versão original, a atuação dos dubladores estava intrinsecamente atrelada à tensão psicológica do jogo, com nuances que faziam cada personagem parecer mais real e tridimensional.

A nova direção de dublagem, porém, trouxe performances mais genéricas e que, por várias vezes, destoam da atmosfera real do jogo. Com isso, quero dizer que muitos personagens tiveram mudanças perceptíveis em sua caracterização vocal e, dessa forma, perderam suas personalidades originais. Isso fica mais evidente com Tsugumi, que, mesmo que a dubladora original (Yuu Asakawa) tenha sido mantida, passou a ser considerada mais agressiva e ríspida, contrastando com a interpretação original, que era mais fria, distante e controlada.

Um exemplo do gráfico de Xbox 360. Fonte: Kotaku

Faltaram uns mimos nesta “revitalização”

Em termos de jogabilidade, temos o básico da qualidade de vida para um bom aproveitamento de uma visual novel: leitura automática, salvamento/carregamento rápido, velocidade do texto, controle de volume e possibilidade de pular diálogos já lidos; de bônus, a nova versão do remake trouxe ainda um salvamento automático em partes importantes, como na hora de fazer decisões.

No entanto, jogar no Switch, fora a portabilidade do console híbrido, não traz diferença alguma das outras versões, pois não há a opção de usar a tela de toque, algo que muitas desenvolvedoras já vêm implementando em suas visual novels. Talvez eu tenha ficado mal-acostumada com alguns títulos mais recentes, que nos permitem identificar em qual rota estamos, mas Ever 17 não tem essa facilidade — tal qual no jogo original, precisamos anotar quando e quais decisões fizemos.

Com isso, quero dizer que não há um fluxograma ou qualquer outro indicativo de como está nosso progresso na rota atual. Digo, na hora de salvar/carregar o jogo, até aparece no arquivo qual caminho estamos fazendo, mas isso é muito pouco para nos situar na história de fato.

Algo que eu também lamentei comentei com meu amigo Ivanir foi a oportunidade perdida de Ever 17 não vir acompanhada de Ever17. Como já deve ter dado para perceber, a versão de PC e a de Xbox 360 são completamente diferentes e, para uma experiência completa, o mais justo seria trazê-las em um único pacote; isso não é impossível, já que a Mages é a atual detentora dos direitos da série Infinity.

Não é uma história ruim — para quem nunca jogou a original

Dos males, o menor: a história de Ever 17 - The Out of Infinity ainda funciona — conseguimos presenciar o mistério e todo o peso emocional que permeia a tentativa de escapar de um naufrágio mortal. No entanto, para quem, assim como eu, teve contato com o Ever17 original, existe a sensação de que algo essencial foi diluído.

Decerto, o remake é uma experiência interessante, mas inevitavelmente inferior ao clássico que a precedeu. Resta apenas a esperança de Mages e Spike Chunsoft unirem forças para trazer a versão original de uma das melhores visual novels de ficção científica já criadas até hoje.

Arte original de Yuu Takigawa utilizada para a capa

Prós

  • A trama continua instigante, mantendo o mistério e o peso emocional do original;
  • As artes e cenários receberam uma remasterização de qualidade, preservando os sprites 2D em vez dos modelos 3D da versão de Xbox 360;
  • A trilha sonora de Takeshi Abo permanece um ponto forte, com faixas remasterizadas que mantêm a atmosfera do jogo;
  • O remake adiciona locais exclusivos ao LeMU, expandindo um pouco mais a ambientação da história;
  • Possui as principais ferramentas de qualidade de vida esperadas em uma visual novel, como leitura automática, salvamento rápido e salto de texto já lido;
  • A adição de salvamento automático em momentos importantes evita frustrações desnecessárias.

Contras

  • A total reescrita do roteiro remove nuances importantes do original, tornando a narrativa mais acessível, mas enfraquecendo sua complexidade;
  • O aumento do tempo-limite de sobrevivência de 119 para 170 horas reduz a sensação de urgência e claustrofobia que fazia parte da experiência original;
  • Mudanças na caracterização dos personagens tornam suas personalidades mais diretas e previsíveis, prejudicando a construção do mistério;
  • A dublagem regravada, mesmo mantendo os dubladores originais, tem uma direção diferente que torna várias atuações mais genéricas ou inadequadas ao tom do jogo;
  • Tsugumi, em especial, teve sua interpretação alterada, tornando-se mais ríspida e agressiva, contrastando com sua persona fria e misteriosa no original;
  • Falta de um fluxograma ou outro indicativo mais visual para identificar a rota atual, exigindo que o progresso seja acompanhado manualmente;
  • Oportunidade desperdiçada de trazer ambas as versões (PC e Xbox 360) em um único pacote, algo que permitiria uma experiência mais completa.
Ever 17 - The Out of Infinity — PC/PS4/Switch — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Beatriz Castro
Capa: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida por Spike Chunsoft
Siga o Blast nas Redes Sociais
Juliana Paiva Zapparoli
Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).