Pelo Bem Maior!
Um dos aspectos mais peculiares e cativantes de FREEDOM WARS é, sem dúvidas, a sua narrativa: se passando no ano 102013 da Era PNT, o planeta Terra que conhecemos está muito diferente da atualidade, atormentado pela completa devastação ambiental e o fim das reservas de petróleo, por exemplo.
Logicamente, tudo isso teve um grande impacto social, com as nações sobreviventes se dividindo e se reorganizando em Panopticons: cidades subterrâneas, artificiais e altamente vigiadas cujos habitantes, em troca de supostos benefícios como estabilidade e segurança, devem contribuir com os seus governos responsáveis de todas as formas possíveis.
Porém, como se a situação já não fosse caótica o suficiente, a escassez de recursos necessários à existência, como alimentos, fez com que os Panopticons entrassem em conflito uns com os outros, essencialmente gerando uma constante guerra pela vida e fazendo com que qualquer recém-nascido fosse automaticamente declarado criminoso meramente por existir, dado o seu impacto natural nos poucos recursos disponíveis a todos.
Com isso, houve um aumento expressivo no número de prisioneiros na sociedade, para os quais a liberdade é um sonho distante e cujos direitos básicos — como andar pelo seu Panóptico e interagir com outros do sexo oposto — só podem ser obtidos por meio do trabalho. Nesse complexo e distópico cenário, você é um desses milhares de ímpios, com uma pena de um milhão de anos imposta após o crime de perder a sua memória em combate. Pronto para reduzi-la?
Descobrindo o seu propósito na sociedade
Na prática, FREEDOM WARS é um RPG de ação cuja estrutura de missões se assemelha bastante a de uma das franquias mais bem-sucedidas de todos os tempos: Monster Hunter. Há, inclusive, quem diga que o título foi idealizado como uma resposta direta da Sony ao acordo da Capcom com a Nintendo que resultou em títulos como Monster Hunter 3 Ultimate e sua sequência sendo lançados exclusivamente no 3DS, gerando uma enorme (e irreparável, olhando em retrospecto) lacuna na biblioteca do Vita.
No entanto, muito além de uma reles imitação de sua inspiração, FREEDOM WARS acabou se tornando um produto muito curioso, especialmente por sua história instigante (algo que sempre foi um ponto fraco da série da Capcom) e pela forma como usou de sua premissa para “brincar” com mecânicas básicas, como a viagem rápida e até a interação entre personagens (pontos centrais de qualquer RPG, de ação ou não).
A perda de memória do protagonista, por exemplo, é a desculpa perfeita tanto para o jogador personalizar o seu personagem como desejar quanto para se acostumar a como as coisas funcionam nos Panópticos. Pouco a pouco, se aprende que cada ímpio (como são chamados os criminosos) tem sua contribuição ao Estado avaliada por um sistema de oito níveis chamado CODE — Contribuição Orientada à Distribuição de Elegibilidades.
À medida em que o nível CODE de um ímpio aumenta, ele passa a ter acesso a uma gama cada vez maior de elegibilidades, que vão desde celas maiores e mais confortáveis até o direito de poder caminhar fora da prisão e interagir com outros NPCs. Logo, no início da campanha, não é incomum sofrer uma penalidade e ter a jogatina interrompida várias vezes ao realizar ações como correr ou descansar — para citar algumas — justamente porque seu personagem não possui esses “direitos”.
Tais delitos e as interrupções causadas por eles podem estranhar a princípio (especialmente em uma época em que tutoriais gigantes e o handholding são quase onipresentes), mas, na minha opinião, são um exemplo brilhante de como os videogames podem, sim, usar de suas mecânicas para gerar debates e provocar a reflexão do jogador sobre temas relevantes; neste caso, é impossível jogar FREEDOM WARS, mesmo anos após o seu lançamento original, e não pensar sobre censura, totalitarismo e o papel dos governos na sociedade, especialmente em tempos de crise.
O fato da história também ir se tornando mais envolvente conforme se avança no título (em partes, devido ao aparecimento de uma misteriosa personagem aprisionada no seu Panóptico e à frequente alusão a um evento futuro chamado de Grande Transformação) também é bem-vindo e ajuda a prender a atenção do jogador durante a campanha — algo fundamental para qualquer RPG e outro ponto positivo do jogo que resistiu bem ao teste do tempo.
Entre máquinas mortíferas…
Progredir como membro da sociedade envolve aumentar o seu nível CODE e reduzir a sua pena, ações atreladas às missões acessíveis por meio do PRP — Portal de Responsabilidade Pessoal —, dispositivo que funciona como um dos menus principais do jogo. Por meio do PRP, também é possível gerir o inventário do seu personagem, configurar sets de equipamentos e investir em Centrais, nas quais os itens obtidos podem ser melhorados.
Todos esses recursos precisam ser bem administrados, pois, como em todo bom ARPG, as missões aqui presentes vão crescendo em complexidade, com as de nível mais elevado precisando de bastante atenção aos detalhes como a Sustentabilidade (que determina o número máximo de vezes que o seu personagem pode morrer em combate) e os objetivos para serem completadas.
Tocando no sistema de combate, infelizmente, este é um campo em que FREEDOM WARS não envelheceu tão bem: apesar da grande variedade de armas disponíveis (de lanças a bazucas, há de tudo um pouco aqui e certamente em extensa quantidade), não há tanta diferença assim de jogabilidade de uma para a outra, especialmente se elas pertencem à mesma classe.
Para piorar a situação, um dos principais problemas do lançamento original (que já havia sido criticado lá em 2014) continua nesta versão: a grande quantidade de vida e baixa variedade dos inimigos, que, juntamente com as poucas arenas (mapas) disponíveis para as missões, traz a sensação de repetição mais cedo do que o esperado (pelo menos a curva de dificuldade foi, em partes, revista, evitando desafios muito elevados antes do post-game).
Claro, ainda é plenamente possível se divertir com o título, principalmente considerando sua inclinação natural ao multiplayer e que até quatro jogadores podem jogar juntos localmente (oito, se contarmos os modos online). Mas, para a maioria (que, acredito, jogará sozinha com a inteligência artificial, assim como eu fiz para esta análise), é difícil não pensar que este foi um quesito importantíssimo que passou um pouco despercebido durante o trabalho de remasterização para as plataformas atuais. Uma pena.
…agora em alta definição
Bem, sendo esta uma remasterização e não um remake, há outros pontos que acabam lembrando que este ainda é fundamentalmente o mesmo jogo de mais de dez anos atrás, como a grande quantidade de telas de carregamento (uma limitação do hardware da época, mas que praticamente transforma a viagem rápida na única maneira viável de se locomover pelos cenários) e as várias paredes invisíveis, que rodeiam principalmente as arenas nas quais ocorrem as missões.
Porém, voltando aos aspectos positivos, há de se mencionar a performance e a apresentação, talvez o principal foco de melhoria para este relançamento. Felizmente, FREEDOM WARS Remastered foi muito bem adaptado para o Nintendo Switch, com texturas melhoradas, resolução fixa de 1080p no modo TV e 720p no modo portátil, e até mesmo suporte ao frequentemente esquecido HD Rumble.
Mesmo com muita coisa acontecendo na tela ao mesmo tempo, a taxa de quadros também se manteve estável nos 30 quadros por segundo em todos os cenários que vi durante o período de testes para esta análise; a única ausência notável que senti foi a de suporte ao giroscópio — torço para que o recurso seja adicionado após o lançamento, pois tornaria muito mais divertido e intuitivo jogar com as armas de longo alcance.
Por fim, a remasterização também trouxe consigo o suporte ao português brasileiro em legendas e menus e uma nova forma de se aventurar nos modos online, já que os servidores da versão original de PlayStation Vita foram desligados há muito tempo (só não espere suporte a crossplay — é necessário que todos tenham a mesma versão do jogo, no PlayStation, PC ou Switch).
Sendo sincero, mesmo que você não tenha tanto interesse em cooperar ou competir com amigos ou outros jogadores aleatórios, é bem divertido ver o ranking global do seu Panóptico e do seu personagem sendo atualizados automaticamente, de acordo com as suas doações para o Bem Maior.
Neste período de pré-lançamento, somente as principais cidades japonesas estavam disponíveis para serem escolhidas como Panópticos (Tóquio foi a minha escolha), mas a expectativa é que mais capitais, inclusive ocidentais, sejam adicionadas em um patch futuro. Indo direto ao ponto, seria bem interessante representar o caótico Rio de Janeiro, onde moro, e acompanhar o seu desenvolvimento frente a outras localidades famosas (faça acontecer, Bandai Namco)!
Um clássico cult que encontra uma nova vida no Switch
FREEDOM WARS Remastered não corrige todos os problemas do lançamento original, como o combate repetitivo e os inimigos esponjosos, mas é bem-sucedido em sua missão principal de apresentar um dos títulos mais interessantes do falecido PlayStation Vita a uma nova audiência. Mais de dez anos após a sua estreia, este competente port para o Switch mantém intactas todas as características que tornaram a obra original um clássico cult, como a sua história envolvente, capaz de provocar reflexões oportunas sobre temas relevantes.
No mais, não há hora melhor para reduzir sua pena do que agora. O dever e o seu Panopticon chamam: você irá atender?
Prós
- Resgata com sucesso um dos jogos mais peculiares do finado PlayStation Vita, em uma roupagem digna de, sim, ser considerada a sua rendição definitiva;
- A adaptação competente para o Switch, inclusive com suporte ao HD Rumble, faz do console da Nintendo uma ótima forma de vivenciar o título e tudo que ele tem a oferecer;
- O suporte ao português brasileiro em legendas e menus é uma ótima adição desta remasterização;
- A narrativa mantém-se atual e envolvente, inclusive provocando reflexões relevantes e atemporais.
Contras
- Apesar do grande número de armas equipáveis, o sistema de combate carece de complexidade frente aos títulos semelhantes lançados no decorrer da última década;
- A pouca variedade de inimigos e caráter “esponjoso” deles pode desanimar o público, causando a sensação de repetição cedo demais;
- A grande quantidade de telas de carregamento e de paredes invisíveis, embora fiéis ao jogo original, acabam tornando a experiência um pouco datada para os tempos atuais;
- Carece de crossplay;
- Poderia ter suporte a controles por movimento.
FREEDOM WARS Remastered — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bandai Namco