Um novo Sleeper
Em Citizen Sleeper 2, assumimos o papel de um “sleeper”, uma espécie de máquina com uma consciência humana emulada. Esses indivíduos são tratados como recursos de seus donos (geralmente empresas) e colocados para trabalhar em tarefas árduas, sendo muitas vezes tratados mais como coisas do que como seres humanos.
Após muito tempo trabalhando para Laine e seu grupo no Darkside, o protagonista e seu amigo Serafin conseguem fugir do lugar onde eram mantidos em uma espécie de trabalho escravo. Infelizmente, as coisas não saem exatamente como eles planejam, com Laine retaliando no meio do processo, resetando as memórias do sleeper e partindo em busca de suas “posses” fujonas.
Com os dois em fuga, o foco da aventura envolve tentar evitar esse vilão e buscar, ao mesmo tempo, uma tripulação. Para poder continuar em constante avanço, será necessário encontrar uma forma de estabilidade financeira, aceitando serviços variados pelo caminho e criando novas parcerias.
Em busca de subsistência
O palco da jornada de Citizen Sleeper 2 é o Starward Belt, um cinturão de asteroides em uma região remota do Helion System. Enquanto a história do primeiro jogo se passa inteiramente dentro da estação Erlin’s Eye, o segundo traz vários hubs menores com os quais vamos interagir, aprendendo mais sobre indivíduos e grupos variados que habitam a região.
Embora o jogador não dependa mais do Stabilizer do primeiro jogo para continuar vivo ao longo dos ciclos, para poder escapar de Laine, é necessário estar sempre em movimento, coletando os recursos necessários para ir para a próxima área. Ir a qualquer área implica no consumo de combustível, um recurso limitado que devemos abastecer. Mas para comprá-lo, é necessário dinheiro e só dá para conseguir esse recurso fazendo alguma atividade.
Cada hub possui várias ações disponíveis, sendo possível apostar um dado para a sua execução. O sleeper possui cinco dados que podem ter valores de um a seis, sendo o primeiro o pior valor e o segundo o melhor. Ao alocar esse dado a uma tarefa específica, o jogador terá uma probabilidade de receber resultados ruins, neutros ou ótimos.
Embora haja também atividades seguras (sem perdas para o jogador), de forma geral as tarefas podem ser classificadas como “Risky” ou “Danger”. A diferença entre elas a grosso modo é que a primeira traz riscos em caso de resultado negativo, enquanto a segunda é mais perigosa, às vezes trazendo danos mesmo em casos de “resultado neutro”.
Geralmente, atividades classificadas como Danger são mais vantajosas, podendo, por exemplo, ser uma forma de atingir um objetivo mais rapidamente. Infelizmente, apesar dessa noção abstrata ser interessante como design, para o jogador falta clareza na apresentação dos resultados antes de receber o resultado e isso pode impactar a tomada de decisão negativamente.
Além do nível de risco, tarefas diferentes estão associadas a atributos específicos, sendo mais ou menos alinhadas à nossa build. No início do jogo, podemos escolher as tendências de trabalho do sleeper e, conforme realizamos novas tarefas, ganhamos pontos para alocar aos atributos. Embora não seja possível reduzir a nossa fraqueza principal selecionada no início, o jogador pode escolher focar na sua especialidade ou distribuir de forma mais homogênea os pontos com o tempo.
Não estamos sozinhos
Talvez o grande divisor de águas de Citizen Sleeper 2 é o fato de que não estamos mais sozinhos na nossa jornada. Quando aceitamos um contrato para um trabalho em uma área e partimos para essa missão, podemos levar até dois parceiros para auxiliar com as tarefas.
Com mais pessoas na missão, temos também os dados desses aliados à nossa disposição e os seus benefícios. Para a retirada de uma máquina em uma área de destroços, um aliado talvez tenha mais facilidade em resolver a situação na base da força bruta, enquanto outro mais técnico pode ter mais familiaridade com protocolos de interface e usá-los a seu favor para uma remoção mais limpa e com menos riscos.
Essa presença dos aliados também impacta no desenvolvimento da trama, dando mais chances para conhecermos as suas personalidades. O verdadeiro cerne de Citizen Sleeper sempre foi a sua narrativa que retrata de forma muito bonita a sensibilidade da existência em um mundo futurista, ou seja, a “humanidade” dos seus personagens e das questões pelas quais eles passam é o que realmente eleva a obra a um patamar de qualidade altíssimo.
Nesse sentido, a decisão de criar um sistema de party no segundo jogo ajuda a dar ainda mais presença e peso a esses personagens. Nossa experiência é ainda mais humana, trazendo tanto conflitos de interesses, gostos e personalidades como também um nível de proximidade e conexão ainda maior.
No fim das contas, dividimos a vida uns com os outros, rimos e choramos juntos, nos preocupamos com o que cada um está passando, criamos laços de pertencimento e afeto genuíno. Com a party, isso vem ainda mais à tona, embora este sempre fosse o verdadeiro cerne da experiência criada por Gareth Damian Martin.
Pane no sistema
Como mencionei anteriormente, tirar um resultado negativo em uma tarefa pode render penalidades. Esses malefícios podem ser locais, a exemplo de um alerta de segurança em uma área que invadimos, ou mais permanentes, como a geração de estresse para os personagens.Caso o jogador fique estressado, ele poderá tomar penalidades nos seus dados, que podem quebrar e ser inutilizados (ou se tornam de valor um na dificuldade “Safe”, a mais baixa). Para restaurar um dado, é necessário consumir itens chamados componentes e é fundamental evitar perder todos os dados, já que, caso contrário, o jogador irá morrer.
Embora a dificuldade mais alta (Dangerous) dê um game over nesse caso, na Risky (a equivalente a “Normal”) o que acontece é a adição de um glitch permanente. Glitches afetam os dados que tiramos, fazendo com que seja possível obter “Glitched Dice”, um dado que tem 20% de chance de resultado positivo e 80% de negativo, mas que independe completamente de atributos, podendo ser até mesmo vantajoso em algumas ocasiões.
De forma geral, todos esses sistemas oferecem uma gameplay rica em opções de tomada de decisão e que valorizam a exploração do jogador. A obra como um todo traz um desafio bem interessante, além de conseguir se diferenciar muito bem do jogo original.
Por fim, em termos de outros aspectos técnicos, destaco em especial a trilha sonora. Vale a pena usar um fone de ouvido para sentir toda a imersão da atmosfera futurista que transmite uma sensação forte de estar, de fato, no espaço.
Assim como no original, embora o aspecto visual esteja longe de ser ruim e o design de personagens seja bem chamativo, a trilha é o que mais contribui para a sensação de presença junto com o próprio texto. A interface infelizmente continua tendo elementos pequenos para o modo portátil e não oferecendo suporte para a tela de toque, e o jogo infelizmente conta apenas com o inglês como opção de língua.
Reconfigurando-se no novo mundo
Citizen Sleeper 2: Starward Vector é um RPG narrativo imersivo que dobra a aposta do seu antecessor, colocando a humanidade de seus personagens no centro da experiência. Trata-se de uma ficção científica carismática e envolvente e um jogo de altíssima qualidade que é uma recomendação fácil para qualquer jogador.
Prós
- Histórias fortes, sensíveis e humanas em uma ambientação de ficção científica envolvente;
- Gameplay rica em opções para que o jogador tome decisões e molde a sua experiência de forma única;
- O sistema de equipes humaniza as experiências da jornada e dá mais presença aos aliados;
- Trilha sonora que enfatiza a atmosfera futurista e encaixa perfeitamente com a sensação de estar no espaço.
Contras
- A ausência de uma indicação do valor dos resultados em potencial das tarefas dificulta a comparação de tarefas de riscos diferentes;
- Interface pequena e sem opção de usar a tela de toque.
Citizen Sleeper 2: Starward Vector — PC/PS4/PS5/Switch/XSX — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Fellow Traveller