Já escrevi aqui resenhas de HQs de Sonic e da série animada Sonic Prime, mas agora é a vez do terceiro filme live-action do ouriço: Sonic 3: O Filme, que acabou de estrear no Brasil em pleno dia de natal.
A principal novidade já estava anunciada desde a cena pós-créditos do segundo filme, mostrando Shadow preso em um laboratório — o que levou meus filhos a passarem os últimos dois anos falando sobre suas expectativas da participação do segundo ouriço.
O Ano de Shadow
Direcionando seu marketing para a versão sombria de sua mascote, a SEGA fez uma campanha em que chamou 2024 de “o ano de Shadow”, o que incluiu uma aventura dedicada a ele em Sonic X Shadow Generations, um curta metragem de prelúdio ao jogo e o papel de garoto propaganda no anúncio do próximo jogo de corrida da franquia, Sonic Racing: CrossWorlds.
O hype dos meus filhos não foi à toa. Parte da graça de Shadow sempre foi ser um rival à altura de Sonic — em velocidade, poderio e estatura também. Ele não apenas disputa de igual para igual, mas faz o azulão suar para manter o ritmo em confrontos intensos. Sonic 3: O Filme sabe aproveitar esse aspecto e acerta em dar centralidade ao patinador mal-encarado, que merece o título de coprotagonista no longa.
Esse destaque também é demonstrado pelo nome de peso escolhido para ser sua voz original: Keanu Reeves. No entanto, levar crianças ao cinema geralmente implica em ver o filme dublado, e foi isso que fiz (não que eu tivesse opção, pois filmes infantis raramente têm versões legendadas nas telonas por aqui). A performance brasileira não tropeça, sendo bem executada por Reginaldo Primo, cuja voz você talvez já tenha ouvido no Loki de Tom Hiddleston, Deadpool de Ryan Reynolds e Justiceiro de Jon Bernthal, entre centenas de outros trabalhos.
Sem cilada para Sonic o Ouriço
Não sei se o hábito de ver animações em CGI cada vez mais realistas nos dessensibilizou à descrença de ver humanos reais interagindo com seres de computador. Talvez isso nunca tenha sido um problema no cinema, mesmo quando a mistura era com desenhos animados, como em Mary Poppins e Uma Cilada para Roger Rabbit.
A questão é que os filmes de Sonic conseguem manter um ar de normalidade naquela realidade própria em que criaturas peludas, coloridas, de proporções caricatas e olhos enormes habitam nosso mundo com a mesma naturalidade que os personagens incorporados por pessoas de verdade.
Na verdade, o caráter de “boneco de videogame” é uma vantagem que os personagens humanos não têm, falhando em passar emoções profundas ou atuações dignas de atenção, algo que nem o roteiro lhes dá oportunidade de fazer. Afinal, se queremos assistir a um filme de Sonic, é para ver um ouriço azul e outro de mechas vermelhas, uma raposa de duas caudas e um equidna vermelho — todos de luvas brancas, como manda a cartilha de design de linguagem corporal de cartuns.
Para mim, o terceiro filme de Sonic acerta mais nesse aspecto por priorizar os heróis dos jogos e, com isso, o caráter de “adaptação de videogame”. No primeiro longa, o foco era apenas Sonic em sua relação com seu novo amigo humano Tom (James Marsden), em um típico background de “segurança nacional dos EUA” e um Robotnik ainda em preparação.
No segundo, a chegada de Tails e Knuckles correu paralela a uma história dispensável de “comédia de casamento” (e mais umas doses de “segurança nacional dos EUA”), mas, no final, trouxe uma ação mais própria da liberdade que um filme sobre um ouriço velocista de videogame deve ter.
Agora, na terceira iteração, um quarto animal computadorizado entra para a trama, puxando ainda mais o tempo de tela dedicado à parte de fantasia animada. Shadow é um oponente implacável e tem o benefício de ter contado o passado que motiva seus atos, diferentemente dos demais vilões, fazendo dele um dos melhores personagens desses filmes, digno do “bad boy” carismático dos jogos.
Egg Ventura
Calma, não quero dizer que todo o elenco humano é desinteressante. O Ivo Robotnik Eggman de Jim Carrey, com sua maquiagem pesada e trejeitos caricatos, fica muito à vontade em meio aos bichos falantes, combinando muito bem com o lado virtual do longa, embora, no todo, ainda seja basicamente o estereótipo de “gênio do mal com mania de grandeza conquistadora”.
Agora com visual mais próximo dos jogos, sempre que aparece em cena, conduz o lado comédia pastelão do filme, com muita pantomima exagerada e nonsense, mas sem perder a presença de um vilão perigoso.
Desta vez, o comediante não está na pele de apenas um Robotnik, mas de dois deles, encarnando o avô Gerald, que é parte fundamental da história pregressa de Shadow. Os dois cientistas malucos não se confundem um com o outro. São muito parecidos, mas os detalhes da produção e da atuação os distinguem de uma maneira que se complementam e é divertido ver a “química” de Carrey “contracenar” consigo mesmo.
O restante do elenco é de “ok” para menos, e está ali para fazer a história acontecer no mundo real e justificar o formato de live-action da produção — evitar o rótulo de animação de mascotes expande um pouco mais o público-alvo. Ainda fazem a comédia boba, com várias referências à cultura pop, e a parte de “segurança nacional dos EUA”, agora em sua versão internacional, levando a ação a terras estrangeiras, como a Inglaterra e o lar da SEGA, o Japão. A escalada do perigo os coloca em funções secundárias, mas não deixa de lado a família adotiva de Sonic, Tom e Maddie (Tika Sumpter).
O enredo traz algum crescimento para Sonic. É claro que ele ainda é o adolescente hiperativo e engraçadinho de sempre, mas, agora, com amigos ao redor, ganha mais aspecto de alguém que começa a entender seu papel de líder de equipe.
Essa vertente está em consonância com Sonic Prime, mas não dá para dizer que é a mesma coisa, sendo uma forma muito adequada de lidar com o personagem quando consideramos que a intenção não é reinventar ou apresentar uma versão alternativa e adulta, mas manter o contexto lúdico de herói-mascote-animal-falante que tem seu principal público no meio infanto-juvenil.
Portanto, continua aqui o roteiro seguro que trata do valor da família afetiva e da amizade. É básico, mas combina bem com o ouriço azul, continuando traços de outras adaptações, como Sonic X, Sonic Prime, Sonic the Hedgehog (a HQ da IDW, que dá show no roteiro) e os dois filmes passados da Paramount. Honestamente, eu não esperaria muito mais que isso em filmes da franquia: velocidade, diversão e humor ingênuo, se levando a sério apenas o mínimo necessário para que possamos nos importar com a turma.
Um mérito do roteiro é saber valorizar o trabalho em equipe, mantendo Tails e Knuckles como companheiros presentes e cruciais para o sucesso da missão — e do filme.
Como nos anteriores, há uma cena pós-créditos que indica o que esperar do próximo filme — sim, o quarto já está confirmado e tem estreia prevista em julho de 2027. É claro que não vou comentar aqui, mas quem quiser saber da fofoca pode conferir uma notícia contando os spoilers! Para deixar na vontade, só digo que, ao terminar o filme, as crianças aplaudiram, mas na cena extra o cinema inteiro vibrou!
Gotta go faster!
Sonic 3: O Filme não é uma reinvenção da mascote da SEGA, e nem precisa ser. O que tem a oferecer é uma continuidade esperada daquilo que foi feito antes, com mais ação, mais personagens, mais crises de segurança internacional e — a meu ver, seu maior mérito — mais foco na fonte de videogame por meio dos personagens e da ação espetaculosa.
Este é o melhor dos três filmes e mesmo quem gostou dos dois primeiros tem tudo para concordar. Fãs do ouriço terão sua boa dose de fanservice e as pessoas que, mesmo sem conhecer o legado dele, gostam de histórias sobre heróis que combatem ameaças planetárias extravagantes em cenas repletas de CGI e comédia besteirol de Jim Carrey, poderão se divertir, mesmo que só estejam acompanhando uma criança querida ao cinema.
Revisão: Beatriz Castro