Um dos solilóquios mais icônicos da história é quando Macbeth, na peça homônima de Shakespeare, descobre que sua esposa havia morrido, tirado a própria vida por causa da loucura e culpa da conspiração que tramaram:
“É morta. Não deveria ser agora. Sempre haveria tempo para tal palavra. Amanhã, amanhã e outro amanhã. Dia a dia se escorrem até a última sílaba da palavra. E todos os nossos ontens iluminam nós os tontos e nosso caminho até o pó da morte. Apaga-te. Apaga-te, chama breve. Que a vida é uma sombra que passa; um pobre ator que gesticula no palco por uma ou duas horas; e depois, não se ouve mais. Um conto de som e fúria, dito por um louco, significando nada”.
A morte e o sentimento de perda que ela gera são inevitáveis. Todos temos um tempo para remoer os sentimentos e nos levantar, tendo diversas formas de lidar com a dor. Pine: Uma História Sobre Perda é uma simples mas extremamente efetiva narrativa sobre esse tema. Prepare o lenço, porque você vai precisar.
Uma cadeira vazia
Era uma vez, em uma floresta isolada, um lenhador que acorda para trabalhar. Ele colhe seus legumes, corta uma árvore para fazer lenha, coleta água do poço e tudo se repete no dia seguinte.Seu físico é enorme, mas sua expressão é triste, distante e quebrada. Enquanto faz suas atividades, momentos do passado respingam em sua mente, revelando fiapos de tempo com sua amada.
Vendo as estrelas, fazendo um sino de vento, apreciando uma pequena lagarta na plantação ou um simples momento de amor forçam o pobre homem a perceber sua enorme solidão na mata. Usando suas habilidades com madeira, ele pega tocos em alguns momentos para esculpir sua amada em diferentes situações que relembram o passado, exalando sua dor e amor entre as quatro estações do ano.
Vento solitário
Pine é um produto extremamente simples e bem rápido, tão simples que não sei se pode se classificar como jogo, mas sim como experiência interativa. E isso não é uma coisa ruim considerando o resultado final, sendo uma poderosa história de drama e potencializada por sentimentos amargos muito bem executados.A jogabilidade é relegada a pequenos minigames como plantar uma horta, tirar água do poço e esculpir as pequenas artes. São ações extremamente simples e cujos controles respondem muito bem, usando tanto o analógico quanto o recurso touch.
Inclusive, essas atividades oferecem narrativa dentro delas, com ações ficando mais difíceis com o passar do tempo, seja por desgaste dos itens ou sentimentos do homem. Por exemplo: estava ficando difícil tirar água e achei que era problema no jogo, mas não, era a manivela que estava quebrando. Momentos simples, mas bem realistas e interessantes.
Arte do artbook. Infelizmente exclusivo para versão do Steam.
O menu está traduzido em português e essa é a única extensão de texto que terá no jogo (além dos letreiros para sinalizar cada estação do ano), uma vez que toda a história é contada sem diálogos. Na verdade, o silêncio é praticamente a língua de Pine, com poucos momentos de músicas solenes e belas, utilizando principalmente de efeitos sonoros de ambiente e ações para preencher o vazio — escolhas poderosas para simbolizar o vazio existencial do homem em luto.
O casal não tem nome, não tem voz, não tem passado além de quando estava junto, mas isso torna tudo mais forte, aumentando mais a simpatia pela situação em que o protagonista está, sua dor insólita e agonia silenciosa. Toda essa singelidade está aliada à belíssima direção de arte, misturando modelos desenhados à mão com cenários remetentes a pinturas deixam tudo mais poético e trágico.
Um novo pinheiro
Os únicos problemas que consigo encontrar em Pine: Uma História Sobre Perda são o título estranhamente quebrado no menu inicial e o primeiro carregamento, demorando um pouco para iniciar o jogo. Também seria legal poder ver as belas esculturas em algum menu ou até comparar com os modelos reais que foram oferecidos na campanha do jogo no Kickstarter, incluindo os bônus oferecidos na versão do Steam como artbook e trilha sonora.Mas, honestamente? São pequenas farpas que não arruínam a arte da dor. Pine é um simples produto de carinho e extremamente pessoal, remontando sentimentos poderosos de um artista sofrido procurando uma nova razão de viver.
O inverno pode ser duro, mas sempre terá um Sol para aquecer o novo dia. E talvez Macbeth esteja errado: a morte é fria, mas a vida é quente.
Prós
- Belíssima direção de arte, com designs bem-feitos e excelente direção sonora;
- Jogabilidade que responde muito bem e progride com a história
- Narrativa simples e curta, mas bastante eficaz;
- Linguagem universal da dor expressada pelo silêncio e feições de personagens simpáticos;
- Traduzido em português brasileiro.
Contras
- Tempo de carregamento inicial um pouco longo;
- Seria legal se desse para ver as esculturas separadamente em uma galeria in-game como na versão do Steam e escutar a trilha sonora.
Pine: Uma História Sobre Perda - Switch/PC/Mobile - Nota: 10.0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Fellow Traveler