Análise: Nine Sols — Uma obra-prima Taopunk

Nine Sols surge como um dos melhores e mais completos metroidvanias dos últimos tempos.

em 28/11/2024

Quem poderia imaginar que um estúdio especializado em jogos de terror poderia criar um dos melhores metroidvanias? A taiwanesa Red Candle conseguiu esse feito com Nine Sols, uma obra-prima. No jogo, assumimos o papel de Yi, em uma jornada repleta de mistérios, combates intensos, narrativa envolvente e uma gameplay que mistura elementos de vários gêneros, capaz de rivalizar com títulos renomados.

A primeira cena de Nine Sols já apresenta exatamente o que será vivenciado: um mundo belo, personagens cativantes, visuais deslumbrantes, trilha sonora marcante e design sonoro rico — mas também brutal e impiedoso. É uma jornada de vida e morte.

Uma incrível jornada de vingança e redenção


Nossa jornada com Yi começa logo após sua derrota, retratada visceral e graficamente, que o leva aparentemente à morte. Porém, estranhas raízes iniciam um longo processo de cura, do qual ele desperta séculos depois, graças ao som da flauta de um garoto local.

Logo percebemos nuances da cultura humana local: os humanos adoram figuras felinas humanoides — os Solarianos, a espécie do protagonista. Yi se disfarça entre os locais, que veneram os Solarianos como deuses. Os habitantes atribuem a essas figuras a graça de boas colheitas, sem entenderem o real papel delas em planos mais sombrios.

Estamos em Nova Kunlun, o refúgio final de uma espécie alienígena de felinos sapientes que utiliza humanos como gado para sobreviver. Yi, inicialmente mais informado que o jogador, também descobre, com o tempo, que a realidade é ainda mais cruel. O que começa como uma jornada de vingança se revela uma trama de sacrifício e redenção.


Nine Sols não hesita em explorar temáticas profundas que, se mal trabalhadas, poderiam soar dissonantes: morte, arrependimento, sobrevivência de uma espécie às custas de outra, filosofia religiosa versus adoração à ciência e tecnologia, aceitação do ciclo natural da existência, miséria e privilégio. Todos esses temas são abordados de forma clara, mas sem exageros, e se conectam perfeitamente à narrativa central.

A narrativa de Nine Sols, embora a primeiro momento pareça ter uma premissa de vingança comum a diversas obras, logo começa a se desenrolar em uma incrível ficção científica, revelando mais e mais nuances enquanto transitamos e nos aprofundamos na jornada. Pode-se dizer que partimos de uma premissa à la Kill Bill e, quando nos damos conta, estamos em uma narrativa que mistura Matrix e Carbono Alterado.

Como uma dança mortal


Apesar de Yi se mostrar habilidoso desde o início, sua jornada é tudo, menos fácil. O jogo começa exibindo as consequências devastadoras de sua primeira derrota, estabelecendo o tom da jornada: brutal e desafiadora.

Nenhum inimigo, dos mais simples aos chefes complexos, deve ser subestimado. Todos têm potencial mortal, mesmo após o jogador obter melhorias. Nine Sols é um metroidvania em sua essência — plataforma, ação, exploração e habilidades desbloqueáveis para acessar novas áreas —, mas também incorpora elementos de soulslike de forma notável.

Embora o design de níveis seja rico, com boas seções de plataforma, atalhos e segredos, é o combate que mais se destaca. Yi utiliza uma espada formada por sua energia espiritual (Qi) e um arco, mas sua ferramenta mais importante é o movimento chamado Deflection — uma forma de parry. Esse movimento varia de reduzir o dano a neutralizá-lo completamente, além de adicionalmente fornecer um ponto de Qi quando executado de forma perfeita, permitindo contra-ataques devastadores com talismãs explosivos de Qi


O Deflection é a mecânica fundamental do jogo, complementada por habilidades de esquiva e neutralização de golpes.  Os chefes, sempre extremamente agressivos, exigem o domínio dessa técnica para sobrevivência.  Morrer em Nine Sols é frequente, mas, após várias derrotas, é possível aprender padrões e lidar melhor com os inimigos, tornando as batalhas muito instigantes e divertidas. O combate fluido, cheio de esquivas e parries, lembra coreografias de filmes chineses como O Tigre e o Dragão.

Para quem prefere focar na narrativa ou evitar desafios difíceis, o jogo oferece um modo história que pode ser escolhido ao iniciar um novo jogo. Este modo reduz drasticamente o dano recebido, aumenta o dano causado por Yi e facilita os parries, concedendo acertos perfeitos mesmo quando não se acerta o timing com precisão.

Habilidades e itens realmente úteis


No modo padrão, Nine Sols não é fácil. Como em muitos soulslikes, o aprendizado com falhas e o domínio das mecânicas tornam o desafio recompensador e divertido. A sensação de superação é complementada por prêmios satisfatórios, acesso a mais conteúdo da história.

Yi possui diversas habilidades, jades e aprimoramentos. As habilidades, algumas passivas e outras ativas, são desbloqueadas ao acumular experiência ao derrotar inimigos — mas são perdidas, junto com o dinheiro do jogo, ao morrer. Contudo, é possível recuperar tudo ao derrotar o inimigo que causou sua morte, como ocorre em outros jogos com características de souls.

As jades oferecem capacidades passivas ou aprimoram habilidades de combate existentes. Diferentemente de muitos jogos, quase todas as jades em Nine Sols são úteis, incentivando o jogador a planejar bem o uso dos limitados slots disponíveis. Essa técnica dá ao game uma boa camada de personalização e é essencial para a estratégia.


O jogo conta também com um sistema de experiência que é obtida ao eliminar inimigos, sendo que os pontos conseguidos podem ser usados na árvore de habilidades do personagem. Ela desbloqueia ou aprimora habilidades anteriores de Yi, tais como aumentar o dano dos talismãs, ou ganhar mais cargas de Qi ao fazer um parry ou bloqueio perfeito. Além da experiência, é possível aprimorar outros elementos, como a quantidade de vida, trocar itens com um NPC, comprar melhorias para o arco e aumentar a quantidade de usos do cachimbo de cura.

Embora Nine Sols não tente revolucionar o gênero, sua jogabilidade é refinada e satisfatória. Os amuletos, habilidades e mecânicas fluem bem, exigindo precisão, mas entregando uma experiência divertida.

Um pouco de descanso e um mapa nem tão amigável


Apesar de ser um jogo cheio de ação e combates frenéticos a quase todo o momento, Nine Sols tem uma área onde os jogadores podem encontrar um pouco de segurança e se preparar: o Salão das Quatro Estações. Nesse local, é possível fazer muita coisa, como lidar com alguns personagens de apoio importantes, aprimorar as habilidades e arcos de Yi, bem como relembrar os objetivos da sua aventura.

O Salão é importante pelos motivos citados acima, mas também pelo fato de que Nine Sols tem um mundo grande e intrincado, sendo fácil de se perder, assim como também é fácil perder seus recursos ao morrer. Desse modo, o acesso ao Salão das Quatro Estações, que é rápido através de qualquer ponto de save, ajuda a evitar perdas muito drásticas.

Agora, navegar pelo mundo de Nine Sols ficaria muito mais confortável e ágil se o nosso menu de mapas oferecesse um recurso básico e que me surpreendeu ao notar sua ausência: marcadores. Trata-se um mundo cheio de passagens e segredos que só podem ser abertos após conseguir habilidades posteriormente e, ao mesmo tempo, grande e detalhado o suficiente para que se consiga decorar cada mínimo detalhe, então os marcadores viriam como uma ótima ferramenta de navegação e para memorizar pontos de interesse e retorno. Apesar da ausência, isso não diminui o prazer de navegar por esse mundo Taopunk.

A beleza do Taopunk


Dentre os “punks” da vida, tal qual cyberpunk, steampunk, biopunk, que em geral tratam de temas retrofuturistas, geralmente meio distópicos e apocalípticos, —está o tão pouco comentado no ocidente— taopunk, subgênero principal de Nine Sols.

O visual Taopunk, a mistura de características culturais e artísticas chinesas com tecnologias futuristas e situação socialmente distópica, a sonoridade da trilha sonora e os efeitos sonoros refletem a atmosfera das áreas e situações do game, misturando elementos eletrônicos e instrumentos asiáticos.

Mas o Taopunk aqui não se limita à estética e arquitetura, que digo de antemão, vale a pena por si só: a mistura arquitetônica, cheia de elementos que remetem a períodos dinásticos da China, com estruturas hiper-industrializadas do cyberpunk e até mesmo do body horror, deixa o game único.

A dualidade do taoísmo com a atmosfera e o ímpeto futurista trágico de Nine Sols perpetra todas as camadas do game. A aura serena e pacífica proporcionada pelas referências ao taoísmo, tanto filosófico quanto religioso, encontra a violência brutal e visceral dos combates e do que foi construído pelos vilões. 

Riqueza narrativa rara no gênero


Diferentemente de muitos metroidvanias e souls, a narrativa de Nine Sols é expositiva, não esconde detalhes importantes e não furta jogador de conhecer a história que envolve os personagens da trama. Tanto Yi quanto os vilões têm motivações críveis e bem-escritas, cheias de desenvolvimento. Há alguns dos Sols pelos quais acabamos por sentir raiva e vontade de puni-los, enquanto por outros sentimos angústia e tristeza em ver os seus finais, no mínimo, trágicos. 

E todas essas histórias são contadas de diversas formas, diálogos, pequenas animações e painéis de quadrinhos de estilo manhua (uma espécie de mangá chinês com características e estilos próprios). Tanto as animações quanto os quadrinhos são muito bonitos e estilosos, até mesmo quando representam cenas de violência gráficas, exemplificando como o time artístico da Red Candle foi capaz de transformar o grotesco em uma poesia visual. 

E no Nintendo Switch?


Sendo direto, na maior parte da campanha, o desempenho de Nine Sols é fluido e consistente, ainda assim há alguns pequenos detalhes que acabaram ficando notáveis em momentos específicos. 

No modo TV, apresentou queda de quadros em duas pequenas áreas; já no modo portátil, o Salão das Quatro Estações fica perpetuamente com uma taxa de quadros instável, o que acaba sendo estranho, pois não é uma área cheia de ação, embora com uma quantidade de elementos considerável.

Em um momento específico do game, no qual uma das habilidades de Yi é desbloqueada, o meu jogo acabou travando e encerrando abruptamente. Porém, embora tenha tentado repetir as mesmas ações que ocorreram na hora do travamento, o erro não aconteceu mais nenhuma vez. A versão de Switch, assim como nas demais plataformas também tem a localização em português do Brasil.

Nine Sols é um dos melhores indies do ano


Embora eu tenha criado grandes expectativas por Nine Sols desde que joguei sua demo alguns anos atrás, acabei sendo surpreendido positivamente. Com uma narrativa incrível, personagens complexos e cativantes, com uma estética única e muito bem construída tão cativante quanto, acabei ficando aficcionado por esse universo.

Não apenas isso, sua jogabilidade especializada e extremamente competente tornou a jornada ainda mais divertida e imersiva. Há muito tempo não me empolgava com um metroidvania, ou, melhor dizendo, qualquer jogo em geral, quanto me empolguei com esse título. 

Mesmo algum possível problema de dificuldade que ele poderia oferecer, dada a certa exigência de destreza em movimentos vitais do jogo é sanado graças à presença do modo história, tornando-o mais acessível. Ainda assim, não posso deixar de apontar a falta de elementos de localização no mapa e alguns problemas de performance na versão de Nintendo Switch, em especial modo portátil, que me fez jogá-lo mais vezes no modo dock.

Prós

  • Direção de arte e design faz um ótimo trabalho ao misturar a estética dinastia chinesa com elementos futuristas dando uma personalidade única ao jogo;
  • Jogabilidade fluida, com combates que, mesmo um pouco dificeis de se acostumar em um primeiro momento se tornam muito divertidos de masterizar;
  • Uma narrativa rica e cheia de camadas, sendo mais imersiva do que a maioria de outros títulos do gênero;
  • Opções de dificuldade permitem maior acessibilidade para jogadores.
  • Localização em português do Brasil.

Contras

  • Apresenta quedas de quadro consideráveis no Switch, em especial no modo portátil;
  • Ausência de elementos de navegação pelo mapa faz com que o retorno a pontos de interesse seja mais difícil do que o necessário.
 
Nine Sols — PC/PS5/PS4/XSX/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Red Candle


Fernando Paixão Rosa, normalmente referenciado por Lorde está escrevendo pela internet a fora há mais de dez anos e com alguns livros publicados. Escutando música 24h/dia, fã de cultura pop em suas muitas manifestações e mais fã ainda das IP's da Nintendo. Registrando as aventuras nos games no Instagram (@lordeverse) e Twitch (@lordeverso).
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