São essas perguntas e pensamentos que podem evocar o sentimento de FAITH: The Unholy Trinity, um jogo relativamente curto que seria impossível de ser feito nos tempos antigos, mas liberto para a profanação dos dias atuais e revelar sua carcaça profana aos jogadores. Agora é tarde demais, caro telespectador. Você está comigo nesta marcha maldita.
21 de setembro de 1987. Padre John Ward retornou a Sterling, Connecticut, para finalizar o exorcismo da pobre coitada Amy Martin, 17 anos, vítima de uma terrível possessão demoníaca. Ele tinha começado o exorcismo no ano passado, com seu mentor, padre Allfred, que fora morto junto com os pais da menina descendo em uma toca de coelhos e dores e traumas.
No capítulo 2, em um prólogo, é revelada a relação conturbada entre o padre Garcia e o ser que um dia fora Michael Davis (aparecendo no capítulo anterior como a criatura branca antagonista, o Chupacabra). Após o prefácio, voltamos ao padre Ward encarando mais um caso macabro, envolvendo órfãos, uma freira e espíritos relacionados a São Guilherme.
Por fim, no capítulo 3, Ward viaja até a clínica onde Amy trabalhava, local em que a possessão começou. Ajudado por um misterioso policial, ele deve ir até o fim do mistério e descobrir a conspiração envolvendo a Segunda Morte e o INDIZÍVEL.
E é exatamente com esse espírito ousado que consigo perceber a singularidade desse jogo diante a outros retrogames, que poderiam ser taxados de “inchando o mercado indie”. Indo diretamente na gênese da indústria (com direito a filtros fofinhos de tela, remetentes aos jogos da Segunda Geração, como Pac-Man e Donkey Kong), FAITH consegue ter uma identidade singular que se destaca diante a outros jogos indies de terror, priorizando a ambientação hostil e a acessibilidade limitada para emanar um horror único.
No jogo (sendo possível jogar os capítulos separadamente ou, se seguir a ordem certa, os três de uma vez), a única arma do pobre padre que o jogador controla é uma cruz, espantando demônios e entidades pagãs que aparecem na sua frente. Caso contrário, o bom homem será morto, e a tela de game over aparecerá, orgulhosamente clamando MORTIS (MORTE, em latim) em áudio extremamente comprimido antes que o jogador decida apertar qualquer botão e reiniciar o checkpoint, normalmente muito próximo de onde a última carnificina aconteceu.
Exorcizar não serve apenas para progredir na história. Também funciona como forma de entender mais o mundo pagão que o vigário se meteu. É possível usar a cruz em objetos no cenário para espantar espíritos malignos e coletar peças de informações sobre a região, seja simplesmente uma fotografia da infeliz família Martin ou relatos do exorcismo fracassado. Este é um port super bem feito, rodando gloriosamente no Switch, sem engasgos e empecilhos, ainda mais maravilhosamente transmitindo suas animações semelhantes a rotoscopia em low-poly, mas bastante incômodas (no melhor sentido), emanando um horror singular.
VERSUS CHRISTUS
FAITH vive e morre (e muito) com o conceito de tentativa e erro. Todo e qualquer inimigo matará o padre em um golpe, sem nem deixá-lo usar a cruz para rezar e confessar seus pecados obscuros, levando o jogador a ver a mencionada MORTIS. Apesar de sua enorme e satisfatória presença retrô em emanar a severidade de jogabilidade da época do Atari, FAITH comete um pequeno erro ao ser fiel demais: o combate e a exploração acabam bastante limitados.Atravessar o mapa é uma exaustão e escapar dos ataques é ainda mais cansativo, especialmente quando já se aprende o padrão dos inimigos e é executado porque um único pixel está na área de alcance da criatura profana. Talvez o maior insulto, no entanto, é derivado da falta de adaptação ao português brasileiro.
Para um jogo severamente atrelado à interpretação de informações escritas, temos uma experiência com elementos bastante dispersos. Com a sua natureza minimalista e abstrata e nem sequer um perfil para reunir as informações de cada personagem, o jogo pode confundir certos jogadores e acaba limitando bastante seu alcance de público.
À MEIA-NOITE LEVAREI SUA ALMA
FAITH: The Unholy Trinity é um dos melhores jogos low-poly (eu chamaria até de EXTRA low-poly) dos últimos tempos, apresentando uma postura gráfica única, temas diferentes no horror atual e homenageando, mas mantendo uma identidade própria.Existem erros pequenos que poderiam ser facilmente corrigidos mas que não tiram sua qualidade e valor. É um doce um pouco atrasado para o Halloween, mas que, com certeza, vai causar medo e pavor nos fracos de coração. E aviso pessoal: se escutar cantos em latim na esquina, tenta ignorar, ok?
PRÓS
- Premissa única nos dias atuais, situando-se em um período obscuro para a sociedade dos Estados Unidos;
- Roda muito bem no Switch;
- Três histórias tenebrosas em um único pacote;
- Apresentação singular em comparação aos outros indies;
- Alto valor replay por conta dos múltiplos finais;
- História e lore bem escritas e interessantes.
CONTRAS
- Simplista até demais, deixando a jogabilidade bastante lenta e repetitiva;
- Sem suporte PT-BR;
- Falta de menus interativos sobre personagens.
FAITH: The Unholy Trinity — Switch — Nota: 9.0
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela New Blood Interactive