Análise: FAITH: The Unholy Trinity é insanidade e pecado à moda antiga

Rústico e problemático nos melhores sentidos, este é um dos melhores “retrogames” no Switch.

Antes de começarmos a análise, uma rápida confissão: leitor, perdoe-me, pois eu pequei. Cresci como um bom católico minha vida toda, respeitando os ensinamentos de Deus e seguindo Vossa palavra e ensinamentos. Ainda assim, eu me atraí para o vazio, para a escuridão. Como Alguém de tão bem pode deixar algo de tão mal se propagar por baixo da terra que caminhamos e nos tentar ao Fogo Eterno do Inferno?


São essas perguntas e pensamentos que podem evocar o sentimento de FAITH: The Unholy Trinity, um jogo relativamente curto que seria impossível de ser feito nos tempos antigos, mas liberto para a profanação dos dias atuais e revelar sua carcaça profana aos jogadores. Agora é tarde demais, caro telespectador. Você está comigo nesta marcha maldita.

SANGUIS BIBIMUS

21 de setembro de 1987. Padre John Ward retornou a Sterling, Connecticut, para finalizar o exorcismo da pobre coitada Amy Martin, 17 anos, vítima de uma terrível possessão demoníaca. Ele tinha começado o exorcismo no ano passado, com seu mentor, padre Allfred, que fora morto junto com os pais da menina descendo em uma toca de coelhos e dores e traumas. 

No capítulo 2, em um prólogo, é revelada a relação conturbada entre o padre Garcia e o ser que um dia fora Michael Davis (aparecendo no capítulo anterior como a criatura branca antagonista, o Chupacabra). Após o prefácio, voltamos ao padre Ward encarando mais um caso macabro, envolvendo órfãos, uma freira e espíritos relacionados a São Guilherme.

Por fim, no capítulo 3, Ward viaja até a clínica onde Amy trabalhava, local em que a possessão começou. Ajudado por um misterioso policial, ele deve ir até o fim do mistério e descobrir a conspiração envolvendo a Segunda Morte e o INDIZÍVEL.

CORPUS EDIMUS

Jogando FAITH, pude perceber inspirações do caso do exorcismo de Roland Doe (1949) e do que eu gosto de chamar “Trilogia Profana de Hollywood”: os filmes “A Profecia” (1976), “O Bebê de Rosemary” (1968) e o mais famoso e inspirador destes, “O Exorcista” (1973), estes que foram severamente creditados como inspiração para o chamado “Pânico Satânico”, movimento alarmista para a presença do Coisa Ruim entre as décadas de 70 e 80. Nesse mesmo período, acontecia a aurora dos videogames, com o nascimento da Atari e as primeiras incursões da Nintendo no mercado, migrando timidamente do ambiente físico ao virtual com a batuta do visionário Gunpei Yokoi.

E é exatamente com esse espírito ousado que consigo perceber a singularidade desse jogo diante a outros retrogames, que poderiam ser taxados de “inchando o mercado indie”. Indo diretamente na gênese da indústria (com direito a filtros fofinhos de tela, remetentes aos jogos da Segunda Geração, como Pac-Man e Donkey Kong), FAITH consegue ter uma identidade singular que se destaca diante a outros jogos indies de terror, priorizando a ambientação hostil e a acessibilidade limitada para emanar um horror único.

No jogo (sendo possível jogar os capítulos separadamente ou, se seguir a ordem certa, os três de uma vez), a única arma do pobre padre que o jogador controla é uma cruz, espantando demônios e entidades pagãs que aparecem na sua frente. Caso contrário, o bom homem será morto, e a tela de game over aparecerá, orgulhosamente clamando MORTIS (MORTE, em latim) em áudio extremamente comprimido antes que o jogador decida apertar qualquer botão e reiniciar o checkpoint, normalmente muito próximo de onde a última carnificina aconteceu.

Exorcizar não serve apenas para progredir na história. Também funciona como forma de entender mais o mundo pagão que o vigário se meteu. É possível usar a cruz em objetos no cenário para espantar espíritos malignos e coletar peças de informações sobre a região, seja simplesmente uma fotografia da infeliz família Martin ou relatos do exorcismo fracassado. Este é um port super bem feito, rodando gloriosamente no Switch, sem engasgos e empecilhos, ainda mais maravilhosamente transmitindo suas animações semelhantes a rotoscopia em low-poly, mas bastante incômodas (no melhor sentido), emanando um horror singular.

VERSUS CHRISTUS

FAITH vive e morre (e muito) com o conceito de tentativa e erro. Todo e qualquer inimigo matará o padre em um golpe, sem nem deixá-lo usar a cruz para rezar e confessar seus pecados obscuros, levando o jogador a ver a mencionada MORTIS. Apesar de sua enorme e satisfatória presença retrô em emanar a severidade de jogabilidade da época do Atari, FAITH comete um pequeno erro ao ser fiel demais: o combate e a exploração acabam bastante limitados.

Atravessar o mapa é uma exaustão e escapar dos ataques é ainda mais cansativo, especialmente quando já se aprende o padrão dos inimigos e é executado porque um único pixel está na área de alcance da criatura profana. Talvez o maior insulto, no entanto, é derivado da falta de adaptação ao português brasileiro. 

Para um jogo severamente atrelado à interpretação de informações escritas, temos uma experiência com elementos bastante dispersos. Com a sua natureza minimalista e abstrata e nem sequer um perfil para reunir as informações de cada personagem, o jogo  pode confundir certos jogadores e acaba limitando bastante seu alcance de público.

À MEIA-NOITE LEVAREI SUA ALMA

FAITH: The Unholy Trinity é um dos melhores jogos low-poly (eu chamaria até de EXTRA low-poly) dos últimos tempos, apresentando uma postura gráfica única, temas diferentes no horror atual e homenageando, mas mantendo uma identidade própria.

Existem erros pequenos que poderiam ser facilmente corrigidos mas que não tiram sua qualidade e valor. É um doce um pouco atrasado para o Halloween, mas que, com certeza, vai causar medo e pavor nos fracos de coração. E aviso pessoal: se escutar cantos em latim na esquina, tenta ignorar, ok?

PRÓS

  • Premissa única nos dias atuais, situando-se em um período obscuro para a sociedade dos Estados Unidos;
  • Roda muito bem no Switch;
  • Três histórias tenebrosas em um único pacote;
  • Apresentação singular em comparação aos outros indies;
  • Alto valor replay por conta dos múltiplos finais;
  • História e lore bem escritas e interessantes.

CONTRAS

  • Simplista até demais, deixando a jogabilidade bastante lenta e repetitiva;
  • Sem suporte PT-BR;
  • Falta de menus interativos sobre personagens.
FAITH: The Unholy Trinity — Switch — Nota: 9.0
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela New Blood Interactive
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Formado em Publicidade e Propaganda na USC e especializado em Marketing Digital, sou Editor de Vídeos também, meu TCC foi sobre a Guerra dos Consoles e evolução da publicidade nos games. Jogo um pouco de tudo e também escrevo. Me descrevo como um artista.
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