Porém, assim como diversos empecilhos podem acabar com uma boa campanha, a adaptação para o console híbrido da Nintendo prejudicou esta experiência ao ponto de evitar uma recomendação mais ampla. Prepare a sua ficha de personagem, caro leitor, e confira a seguir os porquês nesta análise!
Hora de mestrar
Assim como todo bom RPG de mesa, Wildermyth não possui uma história completamente definida. Pelo contrário: aqui há escolhas e consequências que guiam os seus personagens e a narrativa, dando liberdade ao jogador para experimentar abordagens e se surpreender nesse processo.
Há algumas sugestões e modelos de roteiros, logicamente, como em Age of Ulstryx e The Enduring War, que são as primeiras campanhas a serem liberadas. Na primeira, o objetivo será triunfar sobre o implacável líder Gorgon; já na segunda a meta é colocar fim a uma guerra que perdura por séculos, derrotando as letais máquinas Morthagi para isso.
Ou, ainda, é possível aproveitar os vilões que são desbloqueados conforme se completa novas campanhas para começar uma nova com o mesmo antagonista, estabelecendo o número de capítulos, ajustando a dificuldade e definindo os protagonistas.
Sim, a possibilidade de personalizar completamente os personagens que serão os aventureiros de cada história é um dos aspectos mais legais de Wildermyth, especialmente quando atributos como idade, nome e carisma (dentre tantos outros ajustáveis) importam. Desde o início, então, fica claro que esta aventura não foi pensada para ser a de um único nome — como tantas outras que vemos por aí — mas de quantos a sua imaginação desejar (e comportar). Pronto para a missão?
Primeiro eu, depois você
A ideia de narrativas que se ramificam de acordo com as escolhas do jogador não é exatamente algo novo no mundo dos games, com sucessos como Baldur’s Gate III e Disco Elysium provando que há grande valor nessa abordagem, inclusive do ponto de vista da rejogabilidade oferecida.
Na prática, Wildermyth costuma dar ao jogador três escolhas em situações que as requerem. Ao ver um ataque de cultistas tomando conta de sua vila, por exemplo, você pode escolher enfrentá-los usando uma picareta, um forcado ou uma panela — sim, uma panela, afinal, a chance de ter alguém faminto depois do confronto é muito alta, correto?
Bem, qualquer que seja a sua opção nesse caso específico, ela o acompanhará por boa parte da narrativa (ou talvez a encerrará ali mesmo, naquele momento). Ilustrações carismáticas acompanhando essas decisões ajudam a ter uma ideia do que esperar e proporcionam a agradável impressão de estarmos lendo um bom livro, enquanto a geração aleatória e procedural (como em um roguelike) ajuda a evitar a sensação de repetição, sempre uma perigosa armadilha para o gênero.
Mas, como só o diálogo não costuma resolver tudo em um RPG, Wildermyth faz uso de um sistema de combate em turnos e por grids, que se assemelha bastante ao que é visto em outros exemplos do gênero. Os personagens podem se movimentar por um determinado número de casas em seu turno, arqueiros atacam à distância, magos podem usar objetos no cenário ao seu favor por meio de magia infusa, etc.
Quanto tudo isso funciona, temos realmente uma experiência bem divertida, até porque Wildermyth usa a sempre inevitável morte ao seu favor como uma mecânica de jogo: um guerreiro caído pode escapar de um golpe letal perdendo um membro, ou então ser salvo por um companheiro que também sofrerá consequências devido ao ato heróico, dependendo somente das opções disponíveis nesse caso.
Eventualmente, os falecidos ou aposentados de outrora podem até ser escolhidos como “heróis de legado”, ajudando grupos de novatos com sua experiência em novas campanhas. Em resumo, Wildermyth é um daqueles jogos que tendem a ficar melhores quanto mais tempo o jogador dedica a investir nele e no conhecimento de seus pormenores. Justamente por isso, é uma pena que esta adaptação não corresponda às expectativas em múltiplos sentidos.
Quando os bugs são os seus maiores inimigos, e não os goblins
Mesmo estando na versão mais recente e recomendada pela publicadora (1.0.4), Wildermyth sofre com uma série de problemas na versão de Switch, como bugs e crashes frequentes. Um bug que particularmente me chamou a atenção foi um inimigo cuja aparência não foi renderizada corretamente e acabou se tornando uma textura malformada durante a batalha, prejudicando inclusive a interpretação de seus stats.
Além disso, não é preciso muito tempo de jogo para perceber que este é o tipo de título que funciona melhor com mouse e teclado do que com controles tradicionais, mesmo com o trabalho de adaptação. Isso porque há diversos ângulos e situações, especialmente durante o combate, que acabam prejudicando a visão e o entendimento, e rotacionar a câmera usando os botões não é exatamente intuitivo nesse caso.
Navegar entre as várias ações de cada combatente também requer um pouco de prática e principalmente paciência — não foram raras as vezes que passei minutos inteiros brigando com os comandos e tentando entender como infundir magia em um objeto específico. Confesso que não sei se todos os jogadores terão calma com uma interface e UX que claramente poderiam ter sido melhor trabalhadas para este lançamento.
O pior e mais dolorido, porém, é a ausência de conteúdo: nesta Console Edition, não há suporte ao português brasileiro (algo que existe na versão de PC) e também não estão incluídas as expansões adicionais lançadas para o jogo original, como Armaduras e Peles e a Estrada do Presságio. No Reddit, a posição de um dos desenvolvedores foi de que não há planos neste momento de trazer esse material para os dispositivos da Sony, Nintendo e Microsoft.
Pra mim, um port tardio como este deveria sempre chegar em sua melhor forma e, se possível, com conteúdo adicional exclusivo para justificar a espera. Infelizmente, Wildermyth acaba falhando nesses aspectos cruciais e não somente entrega um produto despido de suas (boas) expansões e de suporte ao nosso idioma, mas também ferido por um estado técnico que, como dito no início, impede uma recomendação mais ampla e acaba beirando o desrespeito.
Como esta é uma jornada que ainda assim vale a pena ser vivida e experimentada por fãs de narrativas personalizáveis e RPGs antigos que dominem o inglês, fica a expectativa que possíveis atualizações futuras deixem este título à altura de sua versão original. Até lá, porém, esperar parece definitivamente ser a melhor escolha diante das situações apresentadas.
Um divertido RPG que não encontra sua melhor forma nos consoles
Wildermyth: Console Edition falha em sua missão de trazer com sucesso o aclamado RPG independente ao Nintendo Switch. Os fãs de RPGs de mesa e narrativas personalizáveis ainda encontrarão diversão aqui, mas todo o restante do público fará melhor em esperar para ver se a ausência de suporte ao nosso idioma e os bugs mais críticos serão consertados em atualizações futuras.
Uma pena, mas se há algo que esta jornada ensina, é que até mesmo as piores tragédias podem resultar em uma história bacana tempos depois. Espero, sinceramente, que seja o caso.
Prós
- O sistema de escolhas e consequências, juntamente com a narrativa gerada de forma aleatória, promove a participação ativa do jogador e gera curiosidade tanto para construir quanto para saber o desfecho das campanhas;
- Sistema divertido de combate por turnos, que lembra boas obras do gênero com a versatilidade oferecida;
- Direção artística destacada, que dá ao jogador a impressão de estar lendo um bom livro ilustrado;
- Grande fator replay.
Contras
- A ausência de suporte ao português brasileiro nos consoles, quando há esse mesmo suporte na versão de PC, é francamente inaceitável e uma atitude que beira o desrespeito;
- Os DLCs estão indisponíveis para aquisição na versão de console;
- Bugs e crashes frequentes mesmo na versão mais recente (1.0.4);
- Controles pouco intuitivos, especialmente os de câmera;
- A interface e a UX poderiam ter sido melhor trabalhadas neste lançamento.
Wildermyth: Console Edition — Switch/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Auroch Digital