The Legend of Zelda: O papel das divindades na série e o sacrifício de Hylia

Em The Legend of Zelda há um panteão de deuses, muitos dos quais sequer conhecemos, mas qual o papel desses seres no mundo?

em 05/10/2024

A série The Legend of Zelda é rica em mitologia e simbolismos, explorando temas como destino, coragem e equilíbrio. No centro desses temas estão as divindades, que desempenham um papel fundamental na construção do mundo e na narrativa da franquia. Desde as deusas criadoras até espíritos guardiões, essas entidades moldam tanto o universo quanto o destino dos personagens principais, como Link, Zelda e Ganon. No entanto, uma característica marcante dessas divindades é que elas raramente interferem diretamente nos eventos do mundo, preferivelmente agindo por meio de emissários, oráculos e outros intermediários.

As três deusas criadoras


No coração da mitologia da franquia estão as três deusas criadoras: Din, Nayru e Farore. Elas são responsáveis pela criação do mundo de Hyrule e por conferirem ordem ao caos primordial. Cada uma representa um aspecto fundamental da existência:

  • Din, a deusa da força, moldou a terra e as montanhas;
  • Nayru, a deusa da sabedoria, trouxe a ordem com as leis do universo;
  • Farore, a deusa da coragem, criou toda a vida que habita o mundo.
Após a criação de Hyrule, as três deusas partiram do plano mortal e deixaram para trás a Triforce, um artefato sagrado que contém parte de seus poderes divinos. Sua ausência física do mundo é um dos primeiros exemplos de como as divindades na franquia raramente agem diretamente. Em vez disso, elas deixam para trás o artefato sagrado capaz de realizar o desejo do mortal que o possuir. Mas uma das coisas mais marcantes da Triforce, como dito em Hyrule Historia, é não distinguir bem ou mal, ou seja, realizando o desejo sem nenhum juízo de valor.

Aainda assim, aquele que tocar a Triforce precisa ser um indivíduo com as três virtudes balanceadas, do contrário ela se dividirá e cada parte irá de encontro àqueles que melhor representem algum dos valores representados pelo artefato. Isso aconteceu com Ganondorf em Ocarina of Time, que mesmo tendo invadido o local de repouso da relíquia, não foi capaz de obtê-la. Devido ao desequilíbrio de suas virtudes, o objeto se dividiu, restando com Ganondorf apenas o elemento que ele mais valorizava: o poder. Pode-se entender que a necessidade de somente um ser equilibrado poder utilizar a Triforce ao primeiro toque é uma contramedida deixada pelas próprias deusas.

Oráculos e guardiões divinos

Os oráculos das deusas. Arte por YamiBliss
















Outro aspecto marcante na série é a presença de oráculos e guardiões espirituais que atuam em nome das divindades. Em jogos como The Legend of Zelda: Oracle of Ages e Oracle of Seasons, por exemplo, as deusas preferem agir através de intermediários como os oráculos Nayru e Din, que possuem poder sobre o tempo e as estações. Mais uma vez, vemos que as divindades escolhem agir por meio de outros seres, permitindo que os mortais carreguem suas missões e enfrentem os desafios diretamente.

Além disso, Hylia confia em intermediários para realizar suas vontades, como Fi, o espírito que reside na espada de Link em Skyward Sword, e outros seres que auxiliam o herói ao longo de sua jornada. Esses emissários divinos são os canais pelos quais as divindades influenciam o destino do mundo, sem intervir pessoalmente.

Os guardiões espirituais de Hyrule, como os dragões protetores Naydra, Farosh e Dinraal em Breath of the Wild, também servem como exemplos de como o poder divino é transmitido por meio de seres que agem como intermediários. Esses espíritos guardam locais sagrados e simbolizam o poder das divindades, mas raramente interagem de forma direta com os eventos mundanos, deixando o papel de herói nas mãos de Link.

O uso de profecias e destino


Além dos emissários, as divindades também usam profecias e oráculos para guiar os eventos do mundo, sem se manifestarem fisicamente. O uso da profecia é uma ferramenta central na narrativa de vários jogos da franquia, como em The Legend of Zelda: Ocarina of Time, no qual o destino de Link como o "Herói do Tempo" é revelado através de visões e mensagens de seres divinos, como a Grande Árvore Deku e a princesa Zelda, que recebe orientações através de sonhos proféticos.

Esses oráculos e visões servem como formas de as divindades manterem o equilíbrio do mundo, apontando os heróis na direção correta, mas sempre permitindo que eles, em última análise, escolham seu próprio caminho. Isso reforça a ideia de que as divindades, embora poderosas, não ditam diretamente os eventos do mundo, preferindo agir como guias distantes, deixando a execução das ações aos mortais.

O sacrifício de Hylia, a deusa protetora


Hylia é uma deusa central que desempenha um papel crucial na luta contra as forças do mal, especialmente em relação a Demise, o principal antagonista da série. O sacrifício de Hylia ocorre em The Legend of Zelda: Skyward Sword, no qual ela decide abandonar sua imortalidade para proteger a humanidade.

Durante a luta contra Demise, Hylia opta por se reencarnar em uma forma humana, tornando-se Zelda. Essa escolha não apenas demonstra seu amor e devoção à humanidade, mas também reflete a importância do sacrifício e da coragem na luta contra o mal. Ao abrir mão de sua divindade, Hylia se torna mais vulnerável, mas também mais conectada ao mundo mortal, assim capaz também de utilizar a Ttriforce e eliminar o mal.

Esse ato de reencarnação marca o início do ciclo eterno de conflitos entre o herói, o vilão e a princesa, em que Hylia não age diretamente como uma deusa, mas por meio de sua reencarnação e a linhagem com sangue divino que eventualmente ela gera, que acaba destinada a realizar diversos sacrifícios para impedir a dominação do mal. Mantendo sua linhagem no mundo, Hylia consegue uma maior atuação e possibilidade de guiar os mortais que devem, com suas próprias mãos, enfrentar o mal em cada geração.
O exemplo de Hylia mostra que algo na natureza divina impede essas entidades de agir diretamente no mundo, fazendo com que ela, em um ato de sacrifício, mas também de certo desespero, encarne de forma mortal para poder agir de forma direta.

O que impede a intervenção divina direta?

Não há nenhuma explicação clara ou canônica na franquia que jogue luz sobre o que impede os deuses de tomar rédea da situação e extirparem o mal que assola seu mundo. Mas é muito provável que assim como em certas mitologias do nosso mundo real, as entidades da tribo dos deuses em Zelda tenham papéis específicos e fundamentais no mundo, tal como o papel de criação das deusas douradas, e manter o equilíbrio em seus atributos específicos, sem agir com o destino direto dos habitantes desse mundo, mantendo o livre-arbítrio deles.

Vezes em que houve intervenção direta


As intervenções das divindades em The Legend of Zelda são marcantes em alguns momentos. Em The Wind Waker, a inundação de Hyrule é uma ação direta dos deuses, como uma resposta ao mal e à corrupção de Ganon, às preces dos mortais e o não aparecimento de uma oposição ao vilão. Em Skyward Sword, Hylia leva os humanos sobreviventes para o céu para protegê-los de Demise, demonstrando seu poder e cuidado. Essas intervenções geralmente refletem crises severas, mostrando que as divindades interagem com o mundo quando é absolutamente necessário e não há forças que se oponham ao mal.

O fato de essas intervenções apenas ocorrerem em momentos em que não há nenhuma oposição mostra que há um fator de equilíbrio nesses atos, que parecem mais de acordo com o papel convencional dessas divindades. Ainda assim, observa-se que as ações diretas divinas são também catastróficas, como em The Wind Waker, em que toda a Hyrule é submersa e poucos são celebrados para poderem viver no “novo mundo”, talvez esse potencial desmedido seja um dos empecilhos para intervenções diretas por parte dos deuses.

Então, afinal, qual o papel dos deuses?


A complexa relação entre as divindades e os mortais na série The Legend of Zelda destaca a importância do livre-arbítrio e do sacrifício. Embora as deusas, como Hylia, e outros emissários desempenhem papéis cruciais na proteção e orientação dos heróis, sua intervenção direta é uma raridade, geralmente reservada para momentos de crise extrema, em que os humanos parecem não poderem fazer nada. Ao contrário, os deuses parecem ser a sustentação dos elementos naturais do mundo, como o tempo, a natureza, o equilíbrio da ordem, em suma através de emissários, oráculos e outras entidades, visto que os próprios deuses habitam em um plano diferente do físico e a intervenção direta de seus poderes podem acabar sendo catastróficas no mundo.

Essa dinâmica enfatiza que, apesar de seu poder divino, as divindades preferem permitir que os mortais enfrentem seus próprios desafios, cultivando assim coragem e crescimento pessoal. Assim, a narrativa da série não apenas celebra a bravura dos personagens, mas também reflete um profundo respeito pela liberdade e pelo equilíbrio que permeiam o universo de Hyrule.

Revisão: Vitor Tibério


Fernando Paixão Rosa, normalmente referenciado por Lorde está escrevendo pela internet a fora há mais de dez anos e com alguns livros publicados. Escutando música 24h/dia, fã de cultura pop em suas muitas manifestações e mais fã ainda das IP's da Nintendo. Registrando as aventuras nos games no Instagram (@lordeverse) e Twitch (@lordeverso).
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