Análise: RPG Maker WITH: criando RPGs agora no Switch

A mais nova edição de consoles do RPG Maker promete controles intuitivos, mas acaba se mostrando mais uma vez limitada em comparação com as de PC.

em 04/10/2024
Desenvolvido pela Gotcha Gotcha Games em parceria com a Jupiter, RPG Maker WITH é a mais nova entrada da popular linha de softwares de desenvolvimento de jogos. Há mais de 30 anos no mercado japonês, a franquia busca facilitar a produção de RPGs com um sistema robusto, mas de simples execução por novatos.

WITH surge como uma nova opção da ferramenta nos consoles (Switch primeiro, PlayStation depois), tendo em vista uma experiência de usuário mais confortável e intuitiva. Embora atinja esse objetivo, já adianto que as limitações consideráveis fazem do pacote muito menos interessante do que as suas versões de PC.

Para RPGs e algumas coisinhas mais

O RPG Maker WITH é uma ferramenta de produção de jogos, tendo como prioridade, como o nome indica, a criação de RPGs. Existem vários detalhes específicos do desenvolvimento de títulos do gênero que criam dificuldades adicionais no escopo do projeto ao usar outros softwares, mas que se tornam bem mais simples aqui graças ao banco de dados robusto.

Ao mesmo tempo, é importante destacar que o sistema não serve apenas para a criação de RPGs. Com um rico sistema de eventos, é possível criar vários tipos de jogos diferentes. Historicamente, as várias versões do RPG Maker já foram usadas para criar jogos de aventura, terror, ação e até mesmo puzzle. Porém, quanto mais distante da lógica de um RPG ou jogo com foco narrativo, mais difícil é a sua criação de modo geral.

Se quiser fazer um título de plataforma 2D com rolagem lateral, outras ferramentas como o Game Maker são mais recomendadas. Jogos 3D de diversos tipos? Unity e Unreal são opções mais elegantes.

A principal dica para começar é definir uma noção precisa de gameplay do projeto. Com um escopo preferencialmente pequeno a princípio, é possível ir testando possibilidades e aprendendo a desenvolver.

Criando um mundo

A estrutura de criação do RPG Maker pode ser dividida entre dois grandes setores, de forma simplificada: os mapas e o banco de dados. Primeiramente, temos um editor de mapas, que é dividido entre a estrutura geológica (o “mapa” propriamente dito) e a lógica dos eventos.

Todo NPC, objeto interativo e ação especial é um evento. Animações, mudança de música e quaisquer mudanças no estado das coisas que aparecem no jogo são eventos controlados pelo jogador. A grosso modo, a diferença de evento para o cenário é exatamente essa capacidade dinâmica, que permite fazer com que o jogo tenha um encadeamento lógico e uma estrutura com início, meio e fim.

Idealmente, a lógica do sistema então parte de criar uma área estática, como uma vila, uma casa ou um mapa múndi. O jogador pode ir aos poucos povoando o mundo com elementos específicos do “tileset” (o conjunto de itens gráficos definidos na seleção de tipo de área que vamos criar, que pode ser interior, exterior, “mundo”, entre outras opções).

Uma vez que definimos itens estáticos do cenário como o chão, paredes e a mobília, temos que definir que tipos de eventos podem ser feitos ali. Se queremos alterar algo no mapa, é geralmente melhor fazer com que aquele item seja um evento, mesmo que seja, por exemplo, uma janela quebrando.

O sistema de eventos é bastante robusto, oferecendo várias possibilidades de mudança de estado. Por exemplo, mesmo o sistema de mensagens, pode ser usado com várias posições da tela, com escolhas, digitação de números ou seleção de itens do inventário. Podemos controlar detalhes ainda mais complexos como movimentação do personagem jogável ou de eventos, teleporte para outro mapa, mudança de música para criar um momento triste, ativar uma batalha ao entrar em contato com um inimigo no cenário, etc.

Lógica e bugs: a importância dos testes

A principal dificuldade na criação fica por conta de entender toda a dinâmica lógica do que queremos criar. Muitas vezes não é tão simples quanto parece na nossa cabeça e pequenos erros podem levar a situações imprevistas, o que é chamado na programação de “bug”.

Para evitar esse tipo de situação, o RPG Maker possui um sistema de testes, permitindo que joguemos o nosso projeto e vejamos em primeira mão como as coisas estão avançando. Usando esse aspecto da ferramenta, podemos ver como os eventos atuais se encaixam e avaliar quais detalhes queremos alterar para o produto final.

Podemos optar por começar da tela de título ou pular essa parte para agilizar um pouco o processo. Ver o jogo em funcionamento ajuda muito a entender a lógica e ir testando as possibilidades pouco a pouco, dando cara ao projeto.

Um detalhe interessante é que, apertando Start dentro do jogo, podemos acessar um menu especial. Nele, além de poder voltar à tela de título, ao editor e ao menu principal do próprio RPG Maker, podemos conferir um log de eventos ativados e forçar a alteração dos valores das “Switches” e “Variables”. Switches e variáveis são itens de cena úteis para estruturar a lógica de mudanças de grande escala nos ambientes e personagens, ou seja, essa opção pode facilitar consideravelmente os testes.

Alterando o banco de dados

O outro aspecto central da experiência do RPG Maker é o banco de dados. No menu Database, podemos alterar muitas coisas do jogo que estamos fazendo, criando nossos próprios personagens, classes com atributos peculiares, habilidades, itens, equipamentos, inimigos, estados (como “envenenamento” ou “confusão”), animações, tilesets (usados para construir os mapas) e terminologias variadas usadas in-game.

Quem quiser simplesmente usar os elementos já prontos também pode, mas uma grande parte da graça do RPG Maker é tentar criar uma experiência única. Infelizmente, o que temos no WITH é muito limitado, já que não podemos criar nossos próprios assets como ilustrações e músicas, apenas usar as opções disponíveis.

O jogo até tenta oferecer uma boa diversidade, cobrindo não apenas elementos de fantasia, mas também trazendo algumas imagens de objetos e personagens de ficção científica. Porém, no fim do dia, ainda continua não sendo a mesma coisa de simplesmente poder pegar e colocar no jogo um sprite que você fez de um esquilo com uma motosserra. Esse tipo de liberdade, que é algo básico da ferramenta no PC, é muito importante no processo de criação de jogos.

No fim das contas, só é possível compartilhar os jogos, mapas e aspectos isolados do banco de dados entre jogadores. Porém, um “inimigo” compartilhado, vai ser sempre alguma das imagens que já está nos arquivos do jogo e que, no máximo, passou por uma mudança de cor e lista de poderes.

Barreiras para novatos

Um ponto que os desenvolvedores do RPG Maker sempre insistiram é o fato de ele ser uma ferramenta acessível para qualquer pessoa que não tenha muito conhecimento de programação. Especialmente na época das edições mais velhas, o mercado de fato tinha um certo déficit em formas acessíveis de criar um jogo, mas essa já não é a realidade há mais de uma década, com opções como o Game Maker e Construct ou Godot para quem entende pelo menos um pouco de programação.

Quando se trata do RPG Maker WITH em particular, ele tenta se vender em cima dos controles intuitivos no console junto com essa simplicidade. Para quem já tem experiência com a estrutura dos programas anteriores, não há nada particularmente diferente. Porém, justamente por isso, fica a sensação de que não é feito um esforço tão interessante de ensino in-game.

Como de costume para todas as edições, sei que haverá um manual robusto online e uma comunidade que fornecerá um bom amparo a quem quiser se dedicar. Também é interessante a presença de dicas simples, que são mostradas durante momentos de loading do programa e possuem um menu próprio na tela inicial. Durante o período que estive com o jogo, também foi possível baixar um “jogo tutorial” que mostra as opções de forma ativa.

Porém, ainda fica a impressão de que um novato provavelmente ficaria jogado ali sem entender os termos tradicionalmente usados pelo programa. A “intuitividade” do programa foca na possibilidade de usar a tela de toque do Switch e os controles (ou mouse e teclado USB conectados à dock) de forma responsiva graças a atalhos bem pensados, mas o real processo de produção continua sendo na base da tentativa e do erro.

Para piorar a situação, ignorando mais de uma década de conquista da comunidade no PC, a edição WITH não conta com português do Brasil como opção. Trata-se de um aspecto que as edições de PC já corrigiram desde o VX Ace em 2012. Isso não significa que não é possível fazer um jogo em português, mas é uma dificuldade a mais que é difícil de entender, tendo em vista que a estrutura da ferramenta se mantém muito similar entre as edições.

Por fim, ainda é importante mencionar que as telas de loading podem ser um pouco frequentes durante o processo de testes. Em certos momentos, também é nítido que a performance no Switch trava um pouco.

Uma versão limitada

RPG Maker WITH é uma versão muito limitada de uma ferramenta útil de produção de jogos. Mesmo conseguindo oferecer uma experiência intuitiva no Switch, as limitações são grandes demais para a produção de algo mais autoral. Vale mais a pena investir em uma das edições de PC para quem realmente quiser embarcar no desenvolvimento de jogos.

Prós

  • A estrutura de mapa, eventos e banco de dados é bastante robusta para a criação de RPGs e jogos de aventura com ênfase narrativa;
  • Controles intuitivos e possibilidade de usar teclado e mouse USB.

Contras

  • A importação de conteúdo não deixa adicionar assets próprios como ilustrações e músicas, limitando consideravelmente a produção;
  • Alguns engasgos ocasionais de performance;
  • Os recursos de explicação do funcionamento são demasiadamente simplórios;
  • A ferramenta não está disponível em português, ao contrário das edições de PC desde o VX Ace.

RPG Maker WITH — Switch/PS4/PS5 — Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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