Análise: Eternights traz boas ideias que merecem ser reconhecidas, mesmo com algumas falhas na execução

Este RPG indie combina muitas qualidades em um único pacote, tornando-se uma ótima pedida para fãs de hack ‘n’ slash e simuladores de relacionamentos.

em 21/10/2024

Um ano após sua estreia no PS4, PS5 e PC, Eternights finalmente chega ao Switch. Este é o primeiro jogo desenvolvido pelo independente Studio Sai, e, embora o título demonstre alguns sinais de uma produção de baixo orçamento aqui e ali, especialmente nos gráficos, ele merece ser conferido sobretudo por entusiastas de simuladores de relacionamentos.

É tipo um Resident Evil com uma pegada adolescente — e uma luta entre Luz e Sombra

A história começa com nosso protagonista, cujo nome podemos escolher livremente, recebendo a visita de seu melhor amigo, Chani. Como dois adolescentes (pervertidos) na flor da idade, a meta da noite é “dar match” em um aplicativo de relacionamentos e arranjar uma namorada.

No entanto, nessa mesma noite, algo muito errado acontece em várias filiais do Laboratório Kafka, uma multinacional que está desenvolvendo uma droga antienvelhecimento chamada Eternights (daí o nome do jogo), e logo se instaura um apocalipse monstruoso, com as pessoas se transformando em criaturas conhecidas por Infectados. É nessa corrida para encontrar um abrigo e salvar suas vidas que Chani e o protagonista se encontram com Yuna, uma das mais famosas estrelas do pop.


Porém, se tudo parecia estar dando errado, as coisas saem ainda mais de controle quando nosso personagem tem o braço direito cruelmente amputado por Delia, uma misteriosa pessoa que está sob as ordens da entidade Umbra. Durante essa experiência de quase-morte, o protagonista se encontra com Lux, uma deusa que lhe oferece poder para combater a entidade maligna.

Assim sendo, o herói ganha um braço novo, capaz de se transformar em diferentes coisas, armas inclusas, e que lhe confere o poder necessário para enfrentar os Infectados. A única ressalva é que o verdadeiro potencial desse braço mágico só será atingido ao criar laços com os outros sobreviventes desse apocalipse — mas sobre isso explicarei mais adiante nesta análise.


Para não dar spoilers, já deu para perceber que, em termos gerais, a história não traz nenhuma ideia que já não tenhamos visto antes em jogos de apocalipse zumbi/fim do mundo. Também acho importante ressaltar que a escolha por um humor mais escrachado (e um tanto pornográfico) na maior parte do tempo pode não ser o mais atrativo para muitas pessoas, mas tem tudo a ver com a pegada adolescente que a desenvolvedora quis trazer.

Talvez o melhor paralelo que eu possa traçar após finalizar a campanha é um “cruzamento” entre Resident Evil e American Pie (com exceção das piadas ofensivas e que envelheceram mal presentes na série de filmes). Mas não se deixe enganar: Eternights se supera na forma como trata os personagens e suas personalidades, fazendo com que a trama e o desenvolvimento dos vínculos afetivos entre os sobreviventes realmente sejam seus pontos fortes, capazes de sustentar a gameplay do começo ao fim — e incentivar a rejogabilidade no modo Novo Jogo+.

Cara, meu braço brilha!?

Como um RPG de ação, a jogabilidade de Eternights combina exploração de locais infestados de monstros e combates no melhor estilo hack ‘n’ slash. De início, apenas golpes simples de espada estão disponíveis, mas, conforme aumentamos o vínculo com os sobreviventes, novas habilidades passivas e ativas podem ser desbloqueadas.

Por padrão, todas as técnicas aprendidas pelo protagonista requerem Essência Negra, que pode ser obtida nas dungeons ou ao derrotar monstros mais poderosos, como chefes. Para as habilidades provenientes dos vínculos com os companheiros de fim do mundo, devemos usar Essência Branca, conseguida ao completar interações sociais com eles no nosso tempo livre.


De volta ao combate, na prática, temos uma ação que prioriza bastante um sistema de risco e recompensa, nos fazendo desviar de golpes (ou bloqueá-los) no tempo correto para que possamos retaliar os inimigos mais duramente. Com uma esquiva perfeita, o tempo é congelado temporariamente, já o bloqueio faz com que o alvo fique atordoado; sendo assim, ambas as técnicas nos dão a oportunidade de desferir golpes continuamente antes que possamos sofrer um contra-ataque.

Porém, alguns Infectados mais poderosos possuem barreiras elementais e, para derrubá-las, golpes normais não funcionam. Para isso, o braço mágico do protagonista pode desferir o Punho Elementar, uma técnica que só pode ser usada quando a Barra Elementar for preenchida — de novo, a melhor maneira de fazer isso é realizando esquivas perfeitas e bloqueios.


Além do Punho Elementar, as técnicas que podem ser utilizadas em combate requerem SP, que estão divididos em dois tipos de medidores: um azul para as habilidades dos aliados, que são ativadas manualmente e possuem tempo de recarga, e um amarelo, que é consumido ao utilizar os golpes da skill tree do herói. Enquanto o segundo medidor é facilmente restabelecido durante o combate, o mesmo não pode ser dito do primeiro, o que nos força, no início de campanha, a retornar ao trem constantemente.

Acerca disso, a ação pode parecer morosa, repetitiva e um tanto punitiva no começo da aventura, mas, conforme progredimos e liberamos mais combos poderosos, a porção hack ‘n’ slash passa a ser bastante proveitosa. Infelizmente, muitos dos combates não podem ser evitados, então, mesmo que já tenhamos limpado a dungeon toda, quando retornamos a ela, os inimigos estarão de volta, deixando a parte da exploração bem arrastada nesse aspecto — pelo lado bom, essa é a única oportunidade que temos de conseguir algumas Energias Negras antes de vencer o chefão e avançar na trama.

“A viagem não importa, mas sim os amigos que fazemos pelo caminho”

Como eu disse, o ponto alto de Eternights está no relacionamento entre o protagonista e os demais aliados. De início, conhecemos a popstar Yuna, mas logo o trio recebe a cientista Sia, a estudante Min e, por último, o enigmático Yohan.

Além de sobreviventes, esses personagens têm seus próprios motivos para estar envolvidos no fim do mundo. Por meio das interações com o protagonista, aprendemos que Yuna está em busca de sua amiga Jisoo, enquanto Min carrega uma culpa sobre seus ombros por não ter conseguido salvar seus colegas de um ataque de Infectados, por exemplo.


Aumentar o ranque de intimidade com os amigos, fora novas habilidades e potencialização daquelas já aprendidas, também pode desencadear um romance. E, se tudo até aqui lembra um pouco o sistema de Persona, Eternights ao menos traz um avanço em relação ao aclamado título da Atlus (mas sem desmerecê-lo, obviamente): o herói é abertamente bissexual e pode se relacionar com Yohan. 

Porém, até mesmo essa parte de relacionamentos é um pouco complexa: fora o ranque de afinidades, o protagonista ainda tem os atributos sociais, cada qual requerido para avançar na relação com os amigos. Esses parâmetros são aumentados com base nas escolhas que fazemos em determinados diálogos, mas, por sorte, o amigão Chani pode nos dar uma forcinha com isso caso decidamos passar um tempo com ele.


Infelizmente, na primeira campanha, não é possível maximizar todos os relacionamentos e habilidades, ainda mais considerando que os personagens não estão disponíveis logo de início — Yohan, por exemplo, só aparece como aliado no penúltimo capítulo. Ao menos, Eternights, mesmo com sua brevidade (aproximadamente 10 horas na dificuldade Fácil), nos dá tempo hábil para encabeçar um romance com um dos sobreviventes e experienciar a trama em sua totalidade.

Pelo menos para quem tiver a curiosidade de conhecer mais sobre os outros personagens, a opção de Novo Jogo+ mantém todas as Essências, habilidades e atributos sociais que conseguimos na primeira campanha, nos obrigando apenas a subir o ranque com os outros sobreviventes para habilitar o que nos falta. Não sei precisar, contudo, qual seria o tempo de jogo total para desbloquear todos os finais e técnicas.

Vai um mapinha aí?

Eternights conta com um estilo audiovisual charmoso — sobretudo as excelentes dublagens (inglês, japonês e coreano) e faixas que compõem a trilha sonora —, porém não é exímio de falhas e críticas. No entanto, antes de pontuar os tropeços do jogo, quero enfatizar que ele traz uma boa localização para o português brasileiro, embora com alguns deslizes gramaticais bobinhos. 

A maior crítica, não inteiramente negativa, é o fato de ele ser uma espécie de “pau para toda obra”, pois traz diversos conceitos que deram certo em jogos de maior orçamento, mas não os aprofunda suficientemente bem. Aqui, ressalto mais uma vez que o ponto forte deste RPG é o relacionamento entre os personagens, mas ao custo da ausência de dungeons melhor desenvolvidas e um sistema de ação mais complexo.


Outra crítica que faço ao sistema de exploração é a ausência de um mapa, deixando a navegação nas dungeons confusa e repetitiva; por mais de uma vez, me peguei dando voltas em círculos porque não consegui identificar o caminho correto. Ainda em relação ao combate e à exploração, temos uma câmera imprecisa, que mais atrapalha do que ajuda na maioria das vezes, ainda mais quando algumas ações são QTEs (quick-time events).

Temos também o famigerado problema de performance do Switch. Em momentos pontuais, senti quedas na taxa de quadros e alguns engasgos, às vezes atrasando a execução de ataques e combos durante as batalhas. 

Por fim, fiquei um pouco chateada com a ausência de galeria para rever cutscenes, animações e CGs, porque a arte do jogo é muito bonita, em especial o design de personagens. Espero de verdade que isso seja implementado no futuro.

Uma grande oportunidade para entusiastas de RPG e simulador de relacionamentos

Para quem gosta de títulos independentes munidos de boas ideias, Eternights traz fórmulas consagradas por diversos títulos de peso para contar uma história sobre o fim do mundo protagonizada por adolescentes que apenas queriam viver suas vidas. Com certeza há espaço para muitas melhorias, mas este RPG de ação é uma das melhores pedidas para quem prefere uma trama bem-elaborada e foco quase exclusivo no desenvolvimento dos personagens. 

Prós

  • História bem-elaborada com diferentes desfechos a depender do interesse romântico escolhido, incentivando a rejogabilidade;
  • Apresentação audiovisual excelente, com direito a dublagem em três idiomas (inglês, japonês e coreano) e localização de legendas para o português brasileiro;
  • O combate, apesar de simples, traz uma boa dose de ação e recompensa bons reflexos;
  • Personagens extremamente críveis e bem-trabalhados, cada qual com uma personalidade distinta e que justifica sua participação na trama;
  • O modo Novo Jogo+ possibilita aprofundar as relações com outros personagens sem perder o progresso da primeira campanha;
  • Possibilidade de se relacionar com um rapaz, o que já é um grande avanço em jogos que fazem uso de um sistema de relacionamento.

Contras

  • Dungeons pouco elaboradas e de difícil navegação devido à ausência de mapa;
  • Problemas de performance no Switch, por vezes afetando o combate;
  • Ausência de uma galeria para rever CGs, animações e cutscenes;
  • Problemas de câmera que prejudicam durante a exploração e as batalhas;
  • Deslizes gramaticais nas legendas em português.
Eternights — PC/PS5/PS4/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida por Kepler Interactive
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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