Análise: Card-en-Ciel é um roguelite deckbuilder em que podemos abusar do coração das cartas

Novo jogo da Inti Creates é uma experiência viciante de sinergia tática.

em 21/10/2024
Card-en-Ciel
é o mais novo jogo da Inti Creates, desenvolvedora mais conhecida por seus trabalhos anteriores na série Mega Man (Zero, ZX, 9 e 10) e sua própria linha de plataformas de ação Azure Striker Gunvolt. Desta vez, eles se arriscam em um projeto de roguelite deckbuilder, trazendo uma obra marcada pela sinergia tática, bastante divertida e com mecânicas robustas.

Um detetive em um mundo virtual

Tudo começa quando Neon, o “Detetive da Cadeira Gamer”, recebe uma mensagem de ajuda. Ao investigá-la, ele vai parar no mundo de Rust Tactics, um jogo online ainda em produção, e decide ajudar a jovem Ancie a lidar com MODs, criaturas de outros jogos que estão tomando conta daquele lugar.

Para lidar com esse fenômeno, Neon e Ancie montam um baralho especial capaz de causar dano a essas criaturas. A partir daí, nossa tarefa é explorar várias áreas para eliminar os inimigos que estão se espalhando.

Conforme avançamos, encontraremos cartas diferentes e seremos forçados a testar outras configurações de baralhos. Entre as opções, temos personagens de jogos da Inti Creates, como Gunvolt, Gal Gun e Umbraclaw, mas também são representadas obras totalmente fictícias, como Yggdrasil Record IX, Code: Escape, Kizuna Connect e Love Above the Rooftops, inspiradas em clássicos de vários gêneros.

Maestria em turnos

Card-en-Ciel é um jogo baseado em turnos. Com três pontos de custo inicialmente, o jogador deve executar múltiplas ações para eliminar os inimigos e evitar tomar dano dentro do possível. Além de ativar o efeito de uma carta, podemos consumí-la para nos movimentarmos em uma direção específica pelo campo de batalha, com o território do jogador disposto em um grid 3x3, como o de Mega Man Battle Network.

Um detalhe importante é que os inimigos ainda podem agir durante o turno do jogador, com a sua intenção de ataque sendo indicada na tela. Podemos ver a quantidade de dano esperado, a área de alcance dos golpes e um timer que é reduzido a cada ação realizada para indicar que o inimigo pode atacar ainda durante o turno do jogador.

Em algumas ocasiões, pode ser mais vantajoso simplesmente se movimentar para um ponto seguro e passar a vez para o inimigo não executar uma ação contra a qual não temos formas de nos defender. Com isso, entender as capacidades do seu baralho e as táticas dos inimigos são a base estratégica do jogo.

Evolução constante

Um detalhe que chama a atenção em Card-en-Ciel é a alta variedade de cartas e efeitos. São mais de 300 opções e, a cada nova dungeon que fazemos, liberamos mais opções, aprendendo aos poucos novas sinergias e formas específicas de abusar dos seus poderes. Toda vez que entramos em uma nova dungeon, nosso baralho básico sofre alterações, adicionando esses elementos pouco a pouco.

Cada vez que derrotamos um grupo de inimigos, podemos adicionar uma carta aleatória ao nosso baralho. Temos cartas focadas em dano direto, quebrar as barreiras dos adversários (deixando-os paralisados e vulneráveis), comprar ou forjar cartas adicionais para a mão, entre outras coisas.

Cartas poderosas podem ter efeitos negativos, como banimento de cartas (retirando-as do deck até o fim do combate), criação de vírus ou dano ao jogador, mas mesmo esses efeitos podem ser usados a nosso favor. Um bom exemplo disso é montar um baralho que favorece a criação de vírus e posterior destruição deles com efeitos “Debug”, que só podem ser ativados quando o jogador tem essas cartas.

Até mesmo ataques básicos podem ter variações de área de alcance, o que pode fazer diferença dependendo do posicionamento dos inimigos. Certos golpes podem causar mais dano, mas só atingem um indivíduo, enquanto outros acertam toda uma fileira. Há ainda cartas Action que podem ser usadas como contra-ataque e o jogador até evita completamente o dano se apertar o botão no timing certo.

Ao longo do tempo, também passamos a desbloquear “trapaças”, que são efeitos adicionais aplicados às cartas e que podem alterar drasticamente suas funcionalidades. Por exemplo, reduzindo o custo de uma carta ou adicionando a tática “Suspend”, que impede banimentos, mas ainda conta como se ela tivesse sofrido o efeito para cartas que exigem esse custo.

Dungeons & musas

Em Card-en-Ciel, as dungeons são formadas aleatoriamente, alterando a disposição de suas salas interconectadas por corredores. Na prática, apesar das adições de novas cartas, os ambientes são exatamente iguais de uma área para a próxima em termos de visual, o que é uma pena, já que a disposição das salas e as imagens de fundo (que inclusive são alteradas com a ativação de cartas especiais) não são o suficiente para dar variedade à exploração.

Cada “sala” tem alguns inimigos que podemos derrotar e o mapa geral nos auxilia a avaliar os riscos da nossa incursão por elas. Enquanto áreas vazias nesse minimapa possuem dois inimigos comuns, aquelas que possuem um símbolo têm um minichefe parado em seu centro e, se for possível ver ondas em torno dele no mapa, ele conta com uma Musa.


Musas são cartas especiais cujos efeitos alteram dramaticamente a performance do jogador em combate. Em comparação com cartas normais, elas não são colocadas no baralho e é necessário fazer jogadas específicas para ativá-las. Múltiplas musas podem ser usadas simultaneamente e a sinergia entre as cartas pode levar a muitas jogadas consecutivas em vez de apenas três ações.

Quando encontramos salas em que há musas, é importante ter em mente que as batalhas contra elas implicam em efeitos negativos. Além disso, as mesmas penalidades e restrições serão ativadas nas salas adjacentes.

Agilidade e performance

Ao final de cada dungeon, somos avaliados de acordo com a nossa performance. A ideia é gastar o mínimo de turnos possível para ter uma melhor avaliação. Porém, ao mesmo tempo, quanto menos batalharmos, menos opções estratégicas teremos no nosso baralho.

É possível tentar ir direto até o boss, mas, além da perda de opções estratégicas, temos que levar em conta o fator “Barra de Memória”. A ideia é que em cada sala em que entramos, esse indicador aumenta, deixando o jogador mais propenso a cair em situações desfavoráveis de combate. Para reduzí-la, é necessário derrubar todos os inimigos de uma área para ativar a “Subjugação”.


Ao fazer isso, recebemos três opções: recuperar vida, melhorar uma carta com trapaças, ou posicionar uma carta. Ao colocar uma carta em um lugar, ela é retirada do baralho temporariamente e, no caso das musas, é possível fazer com que seus efeitos sejam ativados automaticamente ao começar a batalha nas salas ao redor.

Se possível, o jogador deve tentar derrubar o inimigo em um único turno e avançar rapidamente para a próxima área para conseguir uma avaliação melhor. Porém, de nada adianta a correria se o jogador não tiver em mãos um baralho capaz de eliminar rapidamente os chefes também, mesmo sendo possível fugir para tentar novamente depois se necessário.

Dominar os sistemas e conseguir avançar como um trator por cima de tudo é uma das graças que torna o jogo muito viciante. Com uma boa performance, também aumentamos o número de Decode Tokens, moeda que pode ser gasta para ganhar vantagens, como maior chance de cartas raras aparecerem, mais HP e mais pontos para “Wild Cards”, que mantemos de uma dungeon para a próxima como uma invocação especial limitada durante as partidas.

Interface

Apesar de todas as qualidades, preciso destacar algumas condições específicas que podem atrapalhar um pouco a experiência. Inicialmente, alguns efeitos mais complexos são bem difíceis de entender e podem ser ambíguos na leitura e a especificidade da ativação pode atrasar a aprendizagem do jogador. 

Além da dificuldade de entender alguns elementos, em alguns casos há muitos efeitos empilhados e não é possível ler tudo na tela de combate, com alguns detalhes ficando além do tamanho da tela. Felizmente, o jogo conta com uma opção de visualizar detalhes apertando X caso o jogador realmente precise das descrições mais detalhadas.

Há ainda alguns pequenos erros de digitação (e até mesmo encontrei um pequeno título de uma conversa em japonês), mas nada que tenha atrapalhado o meu entendimento ao longo da experiência. Vale ainda dizer que, embora indique o português como uma das opções de língua nas lojas digitais, essa opção não estava disponível durante o período pré-lançamento, me forçando a jogar em inglês.

Felizmente, isso tudo é mais uma questão de barreira inicial. Com um pouquinho de atenção e dedicação para entender os mecanismos, logo entendemos a lógica e vamos testando as combinações. A sinergia entre as cartas e efeitos é muito bem pensada para podermos criar situações e logo criamos nossos próprios combos ideais, especialmente se tivermos sorte no recebimento de novas cartas.

Uma experiência estratégica viciante

Card-en-Ciel
é um excelente representante dos deckbuilders com elementos de roguelite, embora pudesse oferecer áreas mais diversas e possa ter uma barreira de entrada na explicação de algumas mecânicas. O resultado é viciante, com várias escolhas de sinergia bem projetadas e interessantes de explorar.

Prós

  • Boa variedade de mecânicas para as cartas em seus efeitos e “trapaças”;
  • Alta sinergia entre as cartas e musas permite construir baralhos absurdamente competentes;
  • Sistema de turnos estratégico que exige julgar bem o uso de ações e de passagem do turno;
  • Avaliação de performance que recompensa a agilidade e competência estratégica do jogador.

Contras

  • Não há variedade entre as áreas do jogo;
  • Texto das cartas pode ser um pouco ambíguo em algumas ocasiões e servir de barreira inicial ao aprendizado;
  • Pequenos erros de digitação e tradução.

Card-en-Ciel — Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Inti Creates

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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