Análise: 9 R.I.P.: romances sobrenaturais que não assustam (tanto), apenas aquecem o coração

Apostando em um conceito diferente das demais visual novels, este título da Otomate traz temas sensíveis, mas sem apelar para o desconforto.

em 01/10/2024

Lançado no Japão em 2023 e com lançamento ocidental marcado para o próximo dia 15, 9 R.I.P. é a mais recente visual novel da Otomate no Switch. Desta vez, a aposta da desenvolvedora foi criar uma atmosfera um tanto mais sombria, explorando elementos sobrenaturais e folclóricos, mas sem abrir mão dos romances fofos que são sua marca registrada.

Minha vocação para o futuro é falar com espíritos e demônios!?

A protagonista Misa Isshiki, cujo primeiro nome podemos alterar, é uma segundanista que está passando por dificuldades para escolher qual será sua profissão futura. De um lado, sua mãe, Ayumi Isshiki, e sua melhor amiga de infância, Sayaka Hida, apostam que Misa seguirá a área da Saúde em uma das mais prestigiadas universidades da cidade.

No entanto, as incertezas da nossa heroína a levam a outro conflito: como dizer às pessoas que ela quer seguir seu próprio caminho, tal qual sua irmã, Tsubasa Isshiki, fez? Mesmo com toda sua coragem e determinação, Misa tem muito medo de confrontar sua mãe e Sayaka e acabar magoando-as.

Além dos dilemas sobre o futuro, Misa não consegue entender a obsessão de sua amiga pelas questões envolvendo o oculto e o sobrenatural. No entanto, esse fator acaba sendo decisivo quando a protagonista, por motivos diversos — e que servem como introdução às rotas comuns da visual novel, conforme explicarei adiante —, começa a ter contato com espíritos e demônios, muito dos quais já introduzidos por Sayaka, e que podem se tornar seus novos pretendentes amorosos.


O mais curioso nessa história de ocultismo é que ela parece afetar não apenas a cidade, que tem a fama (ou infâmia?) de transportar seus habitantes para outras dimensões, mas também a escola, que é palco para diferentes lendas urbanas. Em meio a esses rumores, Misa tem dois grandes objetivos: distinguir o que é real e o que não é e decidir o que fazer de seu futuro.

Sem entrar muito em spoilers, mas apenas para contextualizar a situação da garota, a primeira rota a que tive acesso começa com Misa sofrendo um acidente de carro e entrando em coma no mundo real. Porém, seu espírito ainda não foi para o além e ela precisa descobrir como seguir dessa para a melhor, ou então sofrer as consequências de ficar presa em suas dúvidas e arrependimentos e se tornar uma aparição maligna.

Qual porta abrir?

9 R.I.P. traz, como seu nome sugere, nove potenciais pretendentes para nossa protagonista: Koyo; Sena; Kureha; Hibiki; Minami; Seiya; Yukimaro; Koharu; e Touka. Diferentemente de Norn9, que também aposta nesse número, as rotas de cada um dos rapazes do mais recente título da Otomate estão divididas em quatro realidades diferentes: School Ghost Stories, Urban Legends, Other Realm e Spirit World.

Com a temática de portas para diferenciar as ramificações da trama, são as escolhas iniciais que fazemos que determinam qual delas abriremos. Por exemplo: minha primeira campanha foi a Urban Legends, cuja rota comum com cinco capítulos é dividida entre Koyo e Sena; a partir do sexto, a depender das opções selecionadas, caímos na história individual de um desses dois rapazes, descobrindo mais sobre eles e podendo desenvolver ou não um romance.


É curioso notar que, no site oficial do jogo, há um “medidor” de terror e romance para cada ramificação, mas, particularmente falando, não senti que 9 R.I.P. foi feito para nos colocar medo ou deixar desconfortáveis, como é o caso de jogos puramente de terror ou terror psicológico. Claro, não vou falar que não me senti um pouco mal ao conhecer mais sobre o passado de Koyo (meu husbando da vez) ou que não existem debates importantes, como vida x morte, saúde mental e bem-estar emocional; porém, no geral, os temas são abordados com naturalidade, isto é, sem romantização em prol da narrativa.

Infelizmente, a mecânica única desta VN, o medidor de sanidade da protagonista, não é aproveitada em todas as nove rotas. Atingir um limite de insanidade é pré-requisito para acessar a ramificação Other Realm, mas esse sistema só está disponível em seis das nove rotas; na minha opinião, teria sido mais interessante aplicá-lo como uma ferramenta para determinar todos os desfechos ruins da personagem principal em cada uma das realidades que ela pode visitar.

Ainda, fiquei com a impressão de que as constantes transições de ponto de vista de um personagem para o outro, mesmo que sirvam para nos contextualizar na história, quebram a imersão em determinados momentos. É até interessante descobrir como Koyo, Sena e Misa, por exemplo, reagem a determinadas situações, mas esse recurso narrativo, para mim, deveria ter sido melhor dosado ao longo da leitura.

Mesmo com esses pequenos defeitos na jogabilidade, cada personagem — da protagonista aos interesses românticos, passando por outros secundários — apresenta suas próprias histórias, personalidades, convicções e determinações, que se encaixam na proposta central da visual novel. Desse modo, as relações são construídas aos poucos em um ritmo convidativo, sem “escancarar” todas as informações de uma só vez; em suma, o próprio jogo instiga o fator de rejogabilidade.

A qualidade audiovisual que é sinônimo de Otomate

Fora a excelente ambientação narrativa, que se estende também aos cenários que visitamos ao longo das campanhas, 9 R.I.P. é mais um jogo de qualidade no catálogo da Otomate. No âmbito audiovisual, destaco sobretudo o design de personagens, assinado por Yuuya (de Cupid Parasite), e a excelente dublagem integral em japonês, exceto para a protagonista, algo que já é padrão em visual novels nas quais personagens principais funcionam como uma espécie de “avatar” para quem está jogando.

Para os cenários, temos uma mescla de diferentes estilos, como uma revisitação do gótico para contextualizar o Inferno, que ajudam a compor a atmosfera sobrenatural da trama. As cores também são de suma importância no decorrer da aventura, em especial os tons mais escuros e saturados utilizados para distinguir o mítico do real. São detalhes que, a princípio, parecem irrelevantes, mas, conforme adentramos mais as rotas de cada personagem, mais percebemos como todos os elementos audiovisuais são importantes para a construção de mundo.


A interface de usuário também segue a estética principal do jogo, com temas e cores que remetem aos elementos apresentados na narrativa. No entanto, chegou a me incomodar um pouco o uso em excesso de alguns efeitos de edição de imagem, sobretudo o chamado glitch, que deixa alguns textos difíceis de ler, especialmente no modo portátil do Switch, chegando até a cansar minha vista em alguns momentos.

Por falar em modo portátil, a visual novel também foi projetada para ser totalmente compatível com a tela de toque do Switch, porém faltou um manual de gestos para indicar como abrir certos menus ou acessar algumas funcionalidades, como ocultar a janela de diálogo. Fora isso, temos todas as ferramentas de qualidade de vida que uma visual novel deve ter, entre elas quick save/load, leitura automática, possibilidade de ajustar a velocidade de texto e mais.

Para concluir, a localização para o inglês também foi muito bem-feita e, durante meu tempo com o jogo para a análise, não notei quaisquer erros de digitação ou gramática. No entanto, foi feita uma péssima escolha de fontes para exibir textos relacionados ao sobrenatural, que, em diferentes momentos, senti que prejudicaram a leitura.

Como diria Yusuke Urameshi, “não conheci o outro mundo por querer”

Com aposta em temas que vão além do romance tradicional, 9 R.I.P. é mais uma excelente pedida para fãs de visual novel, especialmente para quem curte a demografia otome. Mesmo com uma abordagem um pouco mais madura se comparada à dos outros títulos da Otomate que já analisei, o jogo é um convite a uma narrativa na qual sobrenatural e emoções humanas se entrelaçam de forma excepcionalmente bem-construída e sem deixar pontas soltas.

Prós

  • Trama bem-elaborada, com personagens bem-escritos (inclusive a protagonista) e aposta em temas sensíveis, mas que não são desconfortáveis;
  • A diversidade de rotas, a presença de mais de um interesse romântico em cada uma delas e a maneira como acessá-las realmente instigam e incentivam a rejogabilidade;
  • Texto praticamente sem erros de digitação;
  • Compatível com a tela de toque do Switch;
  • Presença de todas a ferramentas de qualidade de vida necessárias para o bom aproveitamento de uma visual novel;
  • Ótima apresentação audiovisual, com destaque para as artes de Yuuya e a dublagem integral em japonês, exceto para a protagonista.

Contras

  • A fonte utilizada para indicar mensagens sobrenaturais é de difícil leitura, dependendo da palavra;
  • A constante mudança de ponto de vista entre a protagonista e os interesses românticos por vezes quebra o ritmo da leitura;
  • Os efeitos utilizados (sobretudo o de glitch) para o fundo dos menus atrapalha a leitura em mais de uma ocasião, além de poder forçar a vista de algumas pessoas, como no meu caso;
  • O sistema de insanidade não é aproveitado em todas as rotas, apenas em seis delas, de um total de nove.
9 R.I.P. — Switch — Nota: 9.0
Revisão: Davi Sousa
Capa: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida por Idea Factory International

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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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