Já faz um tempo que tenho o desejo de ver duas coisas na série The Legend of Zelda. A primeira é a Nintendo finalmente fazer com que Link tenha voz, o que provavelmente se concretizará no filme que está em produção. A segunda é ver a princesa Zelda como uma protagonista jogável.
Quando foi anunciado que Breath of the Wild teria uma continuação, comecei a torcer por isso. Eu queria que toda a força de vontade daquela que aprisionou a Calamidade Ganon em seu próprio castelo por 100 anos fosse traduzida para gameplay.
Meu devaneio era o seguinte: como portadora da Triforce da Sabedoria, caberia a ela ter suas próprias habilidades para exploração e solução de problemas, alternando com Link para o combate e para o uso da bagagem que ele carrega da aventura anterior. Assim, a Nintendo poderia focar suas novas mecânicas em Zelda, tornando-a necessária para o sucesso não apenas da história, mas também de quem joga.
Como todos sabemos, minha doce ilusão estava longe da verdade e Tears of the Kingdom manteve a centralidade da ação em Link. Portanto, foi uma boa surpresa para mim quando Echoes of Wisdom foi anunciado, dando para a moça a oportunidade que ela merecia há décadas.
Entre princesas e reinos
Para efeito de comparação, a outra princesa da Nintendo, a Pêssego Cogumelo, participa da ação desde 1988, quando foi uma das quatro personagens jogáveis em Super Mario Bros. 2. Esporadicamente, Peach reprisou esse protagonismo compartilhado em Super Mario RPG, Super Paper Mario, Super Mario 3D World e, recentemente, Super Mario Wonder.
Além de participar nos jogos de esportes e tabuleiros da franquia (ela está em todos os Mario Kart, desde 1992), a soberana ainda teve dois jogos com os holofotes só para ela: Super Princess Peach (DS, 2005) e o recente Princess Peach: Showtime (Switch, 2024). Embora ainda seja abaixo do esperado para uma personagem que vai entrar nos 40 anos em breve, o currículo jogável de Peach é longo.
E o CV de Zelda? Quase nada. A bem da verdade, tenho que admitir que ela foi controlada em alguns momentos, mas eles simplesmente não bastam.
Quais foram eles, você pergunta? Primeiro, dois jogos toscos de CD-i. Se não lembra, deixe assim. Depois, passou a ser parte do elenco fixo de Super Smash Bros. a partir do segundo título, tanto na forma normal quanto no seu alter ego Sheik. Ela também foi terceirizada para lutar em dois musou, Hyrule Warriors e Age of Calamity, e um uma aventura de ritmo, Cadence of Hyrule.
Apenas um jogo da série principal coloca a hylian como jogável: Spirit Tracks. Isto é, se você acha que ser um espírito possuindo uma armadura grandalhona, ao estilo Fullmetal Alchemist, conta como participação de Zelda. Para mim, não é o suficiente para sentir que ela conquistou um papel de gameplay à altura da importância narrativa que tem na série como um todo. Afinal, a lenda é dela, não é? Não, nem sempre.
Mesmo exibindo o nome The Legend of Zelda, ela sequer aparece em alguns jogos da série, como Link’s Awakening, Majora’s Mask e Tri Force Heroes, exceto como menção ou em flashback. Em vários outros, ela só surge brevemente, geralmente no momento em que é atacada pelo vilão no começo e quando é salva no final. Sua atuação de maior destaque é escondida sob um alter ego, Sheik, em Ocarina of Time, e em certos momentos ela é crucial para a vitória de Link no clímax, como em The Wind Waker e Twilight Princess.
De uma forma geral, Zelda está na origem e na essência da série, como já vimos nas matérias sobre o eterno embate entre os portadores da Triforce, e também teve seus momentos de brilho na narrativa e na ação. Ainda assim, permanecia a sensação de que não era o bastante para essa jovem de 38 anos de carreira. Ela precisava de algo mais e com isso me refiro apenas à personagem em si, sem entrar no âmbito do girl power e da importância da representação feminina; essa parte merece uma discussão própria.
Ecos de Sabedoria
Se Link será o donzelo em perigo e Zelda a cavaleira no cavalo branco (pocotó!), isso significa que Echoes of Wisdom apenas troca seis por meia dúzia? Felizmente, a resposta é não! Zelda não será apenas um “Link com skin feminina” (já vimos uma dessa em Breath of the Wild, não é mesmo?).
Assim, Zelda não priorizará espada e escudo, embora ainda tenha uma mecânica que a permite usar essas táticas por curtos períodos. Então, quer dizer que ela usará golpes mágicos, como ela já faz em Super Smash Bros.? Também não. Uma nova protagonista traz consigo uma nova forma de jogar, distinguindo a aventura de todas as que vieram antes.
Esta Zelda não é a arqueira determinada de Twilight Princess ou a fervorosa portadora da luz de Breath of the Wild, mas ela fará todo o possível para salvar Hyrule e Link com as próprias mãos. Ou melhor, com a ferramenta que ela tem em mãos: o Cetro de Tri.
Contando também com a ajuda da fada Tri, a heroína será capaz de criar ecos das coisas e criaturas que existem e recriá-las para usar das formas mais criativas ao seu alcance. Isso fará a aventura ter um tom de sandbox em que o nível de abertura do mundo dependerá principalmente da diligência em dar utilidades às dúzias de ecos que o Cetro de Tri poderá conjurar.
Essa distinção já é vista no própria logo de Echoes of Wisdom: em vez da costumeira espada, presente na maioria das vezes para refletir a saga do guerreiro, temos o Cetro de Tri, indicando o caráter mágico do épico subvertido.
Zelda e as pessoas que jogam terão que ser perspicazes para perceber o potencial de cada eco e combiná-los de formas engenhosas e inventivas. É uma ideia elegante para dar à portadora da Triforce da Sabedoria sua verdadeira estreia em grande estilo.
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli