Um pós-vida diferente e divertido
Como tantos outros gatos, Plutão nasceu nas ruas e teve um irmão e uma irmã. Adotado logo cedo por uma família de humanos, ele levou uma vida feliz e normal, até que, em uma noite chuvosa, fugiu para a estrada e acabou sendo atropelado por um veículo passante.
Uma vez falecido, Plutão desperta no Além, que é para onde todos os fantasmas de animais vão para ser julgados por seus feitos em vida. Fantasmas bons vão para o Palácio, onde a felicidade, dizem, é infinita; já os maus são banidos e condenados a viver fora do Palácio por toda a eternidade.
Bom gato que foi e é, Plutão parecia destinado à felicidade eterna do Palácio, mas a severa Kendra — uma suspeita guardiã do local — percebe um ato terrível em seu currículo, que configurou delito suficiente para condená-lo a ser o zelador do Além para sempre.
Assim, de posse de uma vassoura como instrumento de trabalho, começa a divertida aventura de Plutão e do jogador pelo pós-vida meticulosamente desenhado pelo desenvolvedor solo Kyle Thompson, responsável por outros agradáveis metroidvanias, como Islets e Sheepo. Preparado, caro leitor?
Zeldavania
Na prática, Crypt Custodian é um metroidvania que se diferencia dos demais muito por conta de sua câmera vista de cima, que lembra especialmente os The Legend of Zelda bidimensionais, como os clássicos A Link to the Past e The Minish Cap. Porém, a apresentação top-down não é a única referência à aclamada série, pois a jogabilidade e a exploração aqui oferecidas devem agradar bastante aos fãs da franquia da Nintendo.
Começando pelo combate — um dos destaques do título, na minha opinião —, a vassoura de Plutão funciona de forma bem similar à Master Sword de Link, bastando apertar o botão correspondente para desferir golpes sucessivos nos inimigos. Conforme se progride na aventura, também é possível coletar e equipar diversas melhorias, como um para-choque espiritual, que continuamente orbita o protagonista, ou um golpe giratório, capaz de atingir inimigos próximos instantaneamente (soa familiar?).
Há, claro, uma esquiva com alguns frames de invencibilidade e algumas outras surpresas que optei por preservar aqui nesta análise, mas o importante é que tudo funciona bem quando necessário: se há algo a se esperar fora do Palácio, é a hostilidade de certas criaturas (não todas) enquanto a narrativa se desenrola, de modo que o domínio das habilidades de Plutão é essencial para prosseguir.
Na prática, não é incomum se ver rodeado de inimigos ao explorar o Além, e os combates com chefes (ao todo, são mais de uma dezena), em sua maioria, também promovem encontros memoráveis, incentivando e recompensando os reflexos e a perspicácia dos jogadores para identificar os padrões e buscar a melhor solução possível para a vitória.
Aproveito para ressaltar que, mesmo com o foco na ação, há três opções de dificuldade e até a possibilidade de configurar assistências, como vida adicional, remoção do dano de queda e aumento do dano causado por Plutão. Assim, jogadores de todos os níveis de habilidade não terão problemas para prosseguir na aventura — outro ponto positivo do game.
A longa estrada da vida
Ao expor-se como metroidvania, Crypt Custodian também se prova merecedor de elogios. Assim que Plutão é estabelecido como faxineiro por Kendra, está nas mãos do jogador explorar o mapa e conhecer a fundo a sua aparente morada por toda a eternidade, bem como os segredos e reviravoltas que seus lugares e habitantes guardam.
Há, logicamente, áreas inacessíveis a princípio, mas a navegação pelo pós-vida, geralmente conduzida por pulos entre plataformas suspensas, é balanceada com puzzles ocasionais e recompensada com cacos para a compra de upgrades para o felino em áreas especiais, como a Toca dos Pecadores, uma espécie de bar para os Fantasmas que não adentraram o Palácio.
Vez ou outra, também é possível ser contemplado com a descoberta de surpresas, como discos que nos permitem reproduzir a trilha sonora do jogo na Jukebox da Toca, e caminhos alternativos para a aventura — felizmente, a linearidade (um veneno letal, mas mais comum do que parece para o gênero) passa relativamente longe daqui.
Outro ponto que eu gostaria de destacar (e que fica cada vez mais claro conforme passamos tempo no game) é a agradável atmosfera cozy (aconchegante) de Crypt Custodian. Ao contrário do que sua temática post-mortem pode indicar, a aventura de Plutão é leve e agradável em sua essência — uma impressão corroborada pelos traços suaves dos visuais e também pelo reduzido, mas carismático elenco, que definitivamente não destoaria em uma animação do finado Cartoon Network.
O bom trabalho de sonoplastia e a sutil trilha sonora assinada por Eric Thompson, irmão de Kyle, também contribuem para essa percepção — no caso da segunda, então, cabe mencionar que há um bem-vindo flerte com o gênero lo-fi em suas faixas. A minha opinião é que, por tudo isso, Crypt Custodian é definitivamente um daqueles títulos que combinam com um café quente e um final de semana chuvoso; até mesmo a sua duração (é possível finalizar a campanha em torno de treze horas ou até menos, dependendo da sua performance contra os chefes) parece pensada nesse sentido.
Perfeito no Switch
Algo que tenho buscado sempre citar em minhas análises é a performance técnica dos títulos — afinal, com o Switch se aproximando de seu nono ano no mercado, a realidade é que, se por um lado ainda há espaço para surpresas em termos de adaptações, por outro, a renderização de diversos títulos (multiplataforma ou não) tem deixado a desejar.
Felizmente, não é o caso aqui: Crypt Custodian funciona muito bem no Switch tanto no modo TV quanto no modo portátil, sem engasgos notáveis ou problemas de resolução. Inclusive, o seu bom uso de cenários escuros promove um espetáculo à parte no modelo OLED do console.
Além disso, também gostaria de destacar o suporte ao português brasileiro nos menus e legendas. O roteiro da aventura de Plutão conta com diversas piadas e sacadas que certamente perderiam impacto ou sentido caso não fossem bem-adaptadas ao nosso idioma, e é muito legal ver esse esmero com o nosso público em uma produção independente.
No mais, se há algo para mencionar como ponto negativo é que, mesmo com todos os seus acertos, Crypt Custodian não está exatamente imune à sensação de repetição, e prevejo quem possa achá-lo simples demais em termos de combate, mesmo com os upgrades liberados durante a aventura. Porém, este é um daqueles raros casos em que os pontos positivos superam em grande quantidade os negativos; portanto, se você busca uma aventura leve e bem-humorada, que remete aos melhores aspectos de diversos jogos clássicos, há bastante com que se divertir aqui.
Pra sempre não é tempo demais
Crypt Custodian é uma ótima adição à biblioteca do Switch que utiliza de diversas referências para entregar um agradável e divertido metroidvania. Se você é daqueles que acreditam fielmente que vassouras e faxinas não têm nada de interessante, te convido a rever os seus conceitos: pelo menos neste Além virtual, essas palavras podem representar o início de uma bem-vinda e memorável saga pelo pós-vida animal.
Prós
- A jogabilidade influenciada pelos The Legend of Zelda clássicos, com foco na ação, se prova tão familiar quanto divertida;
- Como um legítimo metroidvania, incentiva a exploração com surpresas e um mapa de tamanho considerável, se destacando na multidão do gênero graças à sua câmera top-down;
- As diferentes opções de dificuldade e assistência garantem uma experiência justa a todos os públicos;
- O elenco reduzido, mas carismático, encanta e conduz a narrativa pelo Além;
- A adaptação é impecável tecnicamente no Switch;
- Suporte ao português brasileiro.
Contras
- Não está imune à sensação de repetição;
- O combate pode ser percebido como limitado frente a outras opções do gênero, mesmo com os upgrades disponíveis.
Crypt Custodian — PC/Switch/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Top Hat Studios