Zeldas de CD-i, a vergonha da lendária série

A Triforce invertida.

“Pois aparecerão falsos cristãos e falsos profetas que realizarão grandes sinais e maravilhas para, se possível, enganar até os eleitos.”


Esta passagem da Bíblia, Mateus 24:24, fala sobre o Anticristo e como ele engana os inocentes com trapaças e charme falso. Após o fracasso do acordo entre Nintendo e Sony para criar o PlayStation, a gigante japonesa se viu obrigada a fechar acordo com a principal rival da Sony, a Philips, resultando em uma profanidade conhecida como Philips CD-i. Para infelicidade da humanidade, a empresa tinha direito a usar duas das maiores marcas da parceira nipônica em seus jogos. Mario saiu com sorte, tendo apenas o patético Hotel Mario para se arrepender no futuro.


The Legend of Zelda, por outro lado… Para celebrar o lançamento de Echoes of Wisdom, vamos invocar um mal antigo que deveria ser esquecido, mas que permanece vivo como um eterno lembrete de como não produzir jogos. Vistam suas roupas de isolamento nuclear, pois hoje vamos mergulhar fundo no Blast from the Trash com os Zeldas de CD-i.

As caretas malignas

Todos os jogos da série Legend of Zelda para CD-i são igualmente medíocres e indignos de pena, mas vamos ser breve com um deles, porque ele é o ponto fora da curva, o único que tem Link como jogável. Link: The Faces of Evil começa com o protagonista declarando o quão entediante a era de paz é e como ele queria aventuras. Sem demora, um bruxo chamado Gwonam, voando em seu tapete, informa o retorno de Ganon e como ele dominou a ilha de Koridai, com Link prontamente indo com o maluco e vendo as Faces of Evil, enormes montanhas com os rostos dos apóstolos de Ganon dominando cada região. Não só isso: Ganon também sequestrou Zelda e a colocou em um sono profundo.

Para sumarizar, Faces of Evil era feio. Cenários horrorosos, jogabilidade atroz e sem cuidado, trilha sonora medíocre, atuação de voz assustadora e design de personagens patéticos. Não é à toa que a única boa reputação desse e de sua irmã bastarda são memes no YouTube. Sem mais delongas, no entanto, vamos para o foco da matéria.

A vareta de Gamelon

Da mesma forma que o Frankenstein de 1910 foi a real primeira adaptação do lendário terror de Mary Shelley, Zelda: The Wand of Gamelon marcou a estreia de fato da princesa de Hyrule como personagem jogável. E, tal como o filme, esta é uma adaptação bastante infiel da obra adaptada (pelo menos o filme é divertido de assistir. Recomendo).

Em Wand of Gamelon, o Duque Onkled, líder da ilha de Gamelon, pede socorro, pois as forças de Ganon estavam invadindo seu domínio. Prontamente, o Rei Harkinian de Hyrule vai investigar. Um mês se passa e nenhuma notícia do soberano, com Link indo atrás do rei e também sumindo. Preocupada, Zelda e Impa vão logo em seguida para encontrar os desaparecidos.

Como mencionado, Wand e Faces são virtualmente o mesmo jogo, com apenas algumas diferenças, como o protagonista e a terra onde se passa a jornada, além de alguns personagens. E, virtualmente sendo os mesmos jogos, Wand é igualmente um desastre. A exploração do mundo é semelhante à de outro Zelda polêmico (mas pelo menos jogável, mesmo que bastante punitivo), The Adventure of Link, onde a câmera é de lado e o jogo opera como se fosse um plataforma 2D, cruzando por caminhos lineares até o final da fase.

O problema jaz em chegar ao final, onde a tela é inundada por inimigos irritantes e controles que não respondem, além de hitboxes que nem sempre funcionam, em que você acerta um inimigo, mas ele não responde ao dano. E, como seu irmão bastardo, Wand of Gamelon é igualmente feio, com modelos de personagens horríveis, animações dignas de filmes de terror de baixo orçamento e uma atuação de voz que não merece nem um comentário além de “misericórdia”.

Não existe uma ordem certa para jogar os dois jogos, mas Wand é visto como uma sequência de Faces, com Zelda usando o mesmo livro com o qual Link selou Ganon na aventura anterior para lidar com o mago maligno, além de derrotar o Duque (que na verdade era um assecla do mal) e puni-lo com a limpeza do chão de todos os estabelecimentos de Hyrule. E esse é o fim das narrativas de Zelda fora da Nintendo… ou não?

A aventura (infeliz) de Zelda

Em um não tão belo dia, Hyrule e a terra vizinha de Tolamec estão vivendo tempos sombrios. Ganon está de volta, metendo o terror e capturando Link com facilidade. Além disso, ele espalhou os poderosos artefatos Celestial Signs por Tolamec e deixou alguns dos seus mais legais capangas como seguranças dos itens. Então, o astrônomo Gaspra chamou Zelda, nomeou-a sua campeã, entregou a ela um bastão e lhe deu tarefa de livrar a terra do mal. No fim da novela, Zelda derrota Ganon e a paz se estabelece na terra.

Basicamente, a mesma história de sempre, mas com algumas mudanças. Diferentemente das desventuras anteriores, a jogabilidade de Zelda’s Adventure segue como a dos jogos em 2D da franquia, com câmera de cima e sessões do mapa divididas em retângulos que devem ser exploradas. Além disso, o jogo oferece masmorras como as dos clássicos da série, algo que estava faltando na “dupla dinâmica” de Faces e Wand.
 



Não se animem, porém, pois essa “aventura” também é um desastre. Como os outros dois jogos, a jogabilidade é travada e lenta, pouco intuitiva e mais uma vez problemática no departamento das hitboxes, sem sabermos se o ataque acerta os inimigos ou não. A lerdeza é tão grande que o jogo engasga só de passar de uma tela para outra, levando muitos segundos para transicionar e obrigar o jogador a encarar os campos vazios e sem música. É isso mesmo: não aqui tem trilha sonora enquanto exploramos o mundo, apenas com o som ensurdecedor do vento para enfeitar o mundo.

O tipo de feiura dele é singular, em que o jogo todo tem atores gravados e reinseridos no jogo (sabe, como os primeiros Mortal Kombat). Eu tiro meu chapéu para a criatividade, mas isso também deixa a proporção de todo o universo estranha: Zelda é gigante ou minúscula para a grama estar tão estranha? Sem contar a breguice das cutscenes, que parecem uma cópia de Senhor dos Anéis — não a obra prima de Peter Jackson, mas o filme híbrido esquisito de Ralph Bakshi.

Para se ter uma ideia do quão problemática a produção do jogo foi, diversas técnicas de equipamento improvisado foram usadas, como truques de espelho e simplesmente pintar o fundo de algumas gravações. Além disso, todos os atores eram parte da equipe de desenvolvimento e do estúdio, com a Zelda da abertura tendo sido interpretada pela secretária da Viridis, o estúdio que criou o jogo.

Arlequim da internet

Logicamente, depois desses jogos e do fracasso do CD-i, a Nintendo ficou bem mais protetora com a série, assegurando controle dos direitos de tudo que surgiria dela. A duologia Oracle do Game Boy Color é um exemplo: mesmo desenvolvida pela Capcom, a Big N é dona de tudo que a envolve esses títuloss.

A trilogia profana caiu no esquecimento até o surgimento do YouTube e com o cinismo crescente da década de 2000, alterando as animações horrorosas de Faces e Wand para criar uma quantidade inacreditável de memes com os famosos YouTube Poops, que existem até hoje (Adventure não tem o mesmo apelo feio para criar comédia).


Como um bom apreciador do humor irônico e de reciclar lixo para algo prestativo, eu aplaudo como eles são lembrados; porém, o maior trunfo inspirado nessas abominações só surgiria em 2024, com o lançamento de Arzette: The Jewel of Faramore, um jogo genuinamente divertido, apelativo com as referências das obras que homenageia, mas conseguindo ter identidade própria.

Talvez a criação do CD-i tenha sido uma bênção disfarçada, porque o jogo da franquia lançado depois de Zelda’s Adventure foi Ocarina of Time, remodelando o cenário dos games para sempre e sendo vangloriado como o melhor game já feito. Talvez esse tenha sido o empurrão necessário para a Nintendo fazer história mais uma vez e solidificar ainda mais Zelda como uma das franquias absolutas do entretenimento… ou talvez eu esteja procurando motivos para justificar a existência dessas atrocidades além de rir delas e não com elas.

Moral da história: cuidado com o que é seu, não confie na Philips, jogue Arzette e você deve voltar quando for mais HMMMMM RICO!

Revisão: Davi Sousa

Formado em Publicidade e Propaganda na USC e especializado em Marketing Digital, sou Editor de Vídeos também, meu TCC foi sobre a Guerra dos Consoles e evolução da publicidade nos games. Jogo um pouco de tudo e também escrevo. Me descrevo como um artista.
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