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Análise: The Hokkaido Serial Murder Case: The Okhotsk Disappearance ~Memories in Ice, Tearful Figurine~ é um remake (praticamente) perfeito

O renascimento de um clássico de visual novel, com adições divertidas e alguns erros para impedir sua perfeição.


Muitos anos atrás, antes da internet, antes da Taylor Swift, antes da “arte” feita por IA, existia The Portopia Serial Murder Case, uma das primeiras incursões de Yuji Horii (que viria a ser reconhecido pela consagrada série Dragon Quest) e um dos pilares para o que seria o gênero de jogos visual novel. Algumas décadas depois, Portopia seria revivido como uma patética tentativa da Square Enix em usar inteligência artificial para ditar a jogabilidade (e a julgar a como a audiência e a mídia reagiram, não foi uma jogada muito esperta).


Por coincidência ou não, o segundo título na chamada trilogia Yuji Horii Mysteries, Hokkaidō Rensa Satsujin Ohōtsuku Ni Shō Uu, receberia um remake novinho em folha, chamado The Hokkaido Serial Murder Case: The Okhotsk Disappearance ~Memories in Ice, Tearful Figurine~, com gráficos refeitos, melhorias de gameplay e até continuação da trama. Investigue comigo esse caso.

Uma dança entre o passado e presente

Em Sakuradamon, uma jovem se aproxima do jogador (um inspetor de polícia de Tóquio). Seu nome é Marina Saruwatari, que diz ser filha de Makiko Nomura e Shunsuke Saruwatari, seu parceiro em um caso derradeiro 37 anos atrás (e no qual Makiko também estava envolvida). Ela disse que seu pai havia colapsado de repente e que uma peça envolvendo o caso, uma boneca Nipopo, foi roubada depois que a casa de sua família foi invadida. Com isso, Marina pede para saber sobre o derradeiro caso.

No passado, uma série de assassinatos ocorreu na região de Hokkaido, com corpos emergindo de lagos, aparentemente sem ligação até que padrões começam a se estabelecer, armando uma história de vingança, traição e conspiração entre sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. Será que é um assassino apenas? Qual o motivo que liga todas as vítimas? E qual a conexão com a boneca Nipopo, curiosamente com uma marca de lágrima em seu rosto?

Jogando como velho, aprendendo como novo

A jogabilidade deste remake pode ser melhor descrita como “fiel ao original, com novos truques”. Aqueles que jogaram o Portopia original devem saber o quão rústica era a gameplay, mas já estabelecendo o básico de visual novels, como procurar, conversar e apresentar provas. Tearful Figurine mantém os mesmos menus simples do jogo original, mas deixando bem mais intuitivo e prazeroso de jogar. Os novos gráficos também são muito bonitos e expressivos, mostrando bem os sentimentos e pensamentos dos personagens, além da trilha sonora maravilhosa. Estranhamente alegre e com notas altas, mas bastante divertida e prazerosa de escutar.

A velocidade do diálogo pode ser modificada, de devagar a instantâneo, o que adapta bem os longos diálogos que poderiam ser cansativos. Além disso, quando uma opção já foi usada, o diálogo se mantém em laranja, sinalizando que não é necessário repetir. Não apenas isso, mas é possível ver os perfis dos personagens a qualquer momento no menu de pausa, além de suas ligações e relacionamentos, deixando mais imersiva a trama e as teorias diante o mistério. O menu de pausa também confere uma seção com os locais explorados, trazendo curiosidades e descrições bem legais das paisagens diversas como uma prisão, delegacia, praias e cidades. Ajuda bastante que o jogo praticamente não tem carregamentos, seja para iniciá-lo ou alterar entre ambientes e menus, deixando a experiência mais dinâmica.

Uma coisa pequena, mas muito legal, é a opção “Investigar”, na qual um cursor aparece na tela e o jogador pode apertar para identificar algo ou alguém. As reações com a opção são diversas, sejam pequenos comentários de musgos no lago a acusações hilárias de perversão ou de esbanjador do Shun, como olhar para o corpo de uma bela dama ou comprar um monte de souvenires. Não apenas isso, mas também estão espalhadas pelo jogo 40 peças de quebra-cabeça, que vão lentamente revelando uma imagem no menu de pausa (ainda que seja óbvio, é um detalhe charmoso) e com dicas de onde estão as peças, mas sem dizer exatamente onde estão para instigar o jogador a procurar por elas. Tearful Figurine também tem suporte à tela touch, podendo mover o cursor com o dedo e acessar todas as funcionalidades somente com o toque, respondendo muito bem.

Por fim, a adição mais bem-vinda é a nova narrativa, envolvendo a filha de Shun nos dias atuais, supervisionada por Yuji Horii. O jogo original, se o jogador souber aonde ir, pode ser concluído em menos de cinco horas, o mesmo valendo com a história no passado do remake. Então, um novo mistério para aumentar o tempo de jogo, com inclusive múltiplos finais dependendo das escolhas, é muito legal.

Black Jack roubado

Esse deve ser um dos remakes mais fiéis que eu já vi em mídia, trazendo o conteúdo original e indo além. O primeiríssimo anúncio que aparece após escolher o nome do personagem e a velocidade do texto é que tudo no jogo foi retratado fielmente com seu lançamento original, o que inclui abordagem de sexo, prostituição, jogos de azar, drogas, assassinato e suicídio. Uma abordagem polêmica (e ainda mais polêmica por se tratar de um lançamento mundial) mas muito bem-vinda por questão de preservação. Além de que a história rica, seus personagens complexos e até suas mecânicas não seriam os mesmos sem esses temas fortes.

Um exemplo disso? O minigame de 21 (ou Black Jack, como é conhecido fora do Brasil), o famoso jogo de azar com cartas, utilizado de forma bem esperta na jogabilidade. Em alguns lugares, é possível jogar o jogo de cartas com Shun e, se vencê-lo, ele poderá dar uma pista de onde prosseguir em seguida, caso o jogador esteja com dificuldade para saber aonde ir. No presente, o minigame é ampliado como um software no celular de Marina, em que o jogador disputa contra cinco personagens icônicos do passado e, se vencer todos, ganha um troféu. Por algum motivo, as dicas foram desabilitadas no presente (o que dificulta um pouco a progressão) e pode ser um tanto frustrante vencer, mas ainda é bem satisfatório jogar e se desafiar ainda mais.


Não posso dizer que é o melhor remake que já vi, porém. É um dos melhores, mas não o melhor. Para começar, o jogo não contém a opção de tradução em português brasileiro. Um pedido simples e até mesquinho, considerando que já é um milagre ele ter sido lançado mundialmente, mas jogos visual novel são baseados em texto e Tearful Figurine, ao pé da letra, leva as mecânicas antigas a sério, então o texto é crucial para compreensão e progressão.

Não só isso: como notei certos erros na tradução em inglês, como usar “Identificar” em uma mulher mas o texto tratar como homem, ou usar em uma única pessoa e tratar como um casal, sem falar em algumas pequenas gafes em que palavras em letra maiúscula estão com minúscula. A jogabilidade arcaica também pode ser um tanto frustrante para progredir na história, pois parece que tem becos sem saída na investigação e lugares que você quer ir, mas o jogo te impede puramente porque é necessário falar algo para uma testemunha ou mostrar um item específico em uma certa ordem

Por fim, em análises passadas, eu disse que todo relançamento que se preze deve incluir rascunhos e desenvolvimento de seus jogos para fins de preservação e curiosidade. Infelizmente, Tearful Figurine não cumpre esse papel. Não vou tirar o mérito de trazer um jogo anteriormente exclusivo com uma roupagem belíssima e um novo mistério, mas seria legal se desse para jogar a versão original do jogo (ou uma delas, considerando todos os relançamentos), making of da produção, algum menu que desse para escutar as músicas ou até uma forma decente de jogar Portopia ou a sequência, Karuizawa Yuukai Annai. Qualquer coisa para melhorar a preservação e o começo do legado de Yuji Horii.



Uma belíssima surpresa

The Hokkaido Serial Murder Case: The Okhotsk Disappearance ~Memories in Ice, Tearful Figurine~ é um dos melhores remakes que já vi, além de uma das melhores visual novels que eu já joguei. Um roteiro poderoso, personagens carismáticos e ambientação imersiva (seja na década de 1980 ou nos dias atuais). É uma excelente pedida para entusiastas do gênero.

Seus erros são evidentes e poderiam ser facilmente corrigidos, mas também seria desrespeito tirar o mérito de um dos pais do gênero visual novel. Uma boa pedida para investigadores procurando por casos estranhos. Quem sabe no futuro, Portopia possa receber um remake a altura de seu legado como Hokkaido...


Prós

  • Gráficos refeitos, bastante expressivos e coloridos;
  • Excelente trilha sonora remixada (mesmo que um tanto alegre para um jogo sobre assassinatos);
  • Personagens cativantes e história bem escrita, com nova narrativa supervisionada por Yuji Horii;
  • Menus fáceis de acessar e sem tempo de carregamento;
  • Jogabilidade antiga mas que funciona com controles modernos e precisos;
  • Excelente uso da tela touch para investigação e acessibilidade de gameplay.

Contras

  • Sem opção em português brasileiro;
  • Erros na tradução em inglês;
  • Jogabilidade arcaica em momentos inoportunos e óbvios e falta de dicas para prosseguir com a investigação;
  • Sem nenhum bônus de relançamento além das 40 peças de quebra-cabeça.
The Hokkaido Serial Murder Case: The Okhotsk Disappearance ~Memories in Ice, Tearful Figurine~ - Switch/PC - Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela G-MODE

Formado em Publicidade e Propaganda na USC e especializado em Marketing Digital, sou Editor de Vídeos também, meu TCC foi sobre a Guerra dos Consoles e evolução da publicidade nos games. Jogo um pouco de tudo e também escrevo. Me descrevo como um artista.
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