O que NÃO surpreende é a decisão da desenvolvedora de seguir pelo caminho da simplicidade, ousando pouco além do que já foi apresentado em seu trabalho anterior, mas evoluindo o suficiente para que este não seja um caso absoluto de “mais do mesmo”. Ele anda bem no limiar entre a sequência genuína e o chamado "DLC de luxo", mas não o atravessa de fato.
Mudaram as estações, (quase) nada mudou
Passada a introdução, quero começar esta análise deixando logo avisado que, se você é do tipo que se incomoda com jogos parecidos demais entre si e já passou pelo primeiro Grapple Dog, então a chance de Cosmic Canines te deixar muito frustrado é alta. Ele segue um escopo extremamente parecido ao do seu antecessor, começando pelo enredo que tem uma relevância próxima a zero.
Eu diria que a única diferença que realmente importa alguma coisa está na proporção da aventura que Pablo e sua equipe de pesquisadores têm adiante, que envolve viagens interdimensionais e uma batalha épica entre o bem e o mal. Com o único propósito de não deixar os leitores sem um contexto minimamente apropriado, vamos a um resuminho dos acontecimentos que botam a trama pra funcionar.
Após os eventos do primeiro jogo, que são resumidos logo no começo da cena de abertura, um portal interdimensional se abriu e dele surgiram misteriosas figuras encapuzadas que informaram a Pablo; sua namorada Toni; a Professora, líder e mentora do grupo; e o robozinho Nulo (sim, o vilão do Grapple Dog original) que um grande mal se aproximava. Após um tempo de pesquisas, certa noite, Pablo foi visitado em sonho por essas figuras, que lhe disseram aonde ir para encontrá-las e descobrir mais sobre o que está acontecendo.
No fim das contas, Pablo e companhia limitada se veem no meio de uma verdadeira guerra intergalática entre os Beyonders, liderados pelo Mestre Urson, e as forças do mal de Vyr, entidade que acredita que o universo é seu por direito. Para ajudar Pablo, os Beyonders enviam a agente Luna, uma cachorrinha com muita atitude e pouca paciência.
Tentei fugir das comparações, mas aonde eu ia, elas estavam
Enquanto escrevia essa análise, juro que busquei ao máximo evitar as constantes comparações entre Cosmic Canines e o primeiro Grapple Dog, mas não demorou muito para que eu percebesse que qualquer esforço nesse sentido seria em vão. Os dois títulos são semelhantes demais entre si para que eu consiga falar do segundo sem evocar seu antecessor.
Feito esse desabafo, seguimos com o game de 2024, cuja campanha segue a mesma trajetória do de 2022, sem tirar nem pôr: Pablo e Luna alternam entre as fases de cada mundo, derrotando inimigos, superando obstáculos e coletando objetos espalhados pelos cenários, alguns dos quais estão bem escondidos. O apelo aos entusiastas dos 100% foi devidamente preservado, com uma quantidade massiva de objetos para juntar, assim como o modo Teste de Tempo, em que devemos concluir as fases o mais rápido possível dentro de um limite. Os speedrunners também foram contemplados.
Desses objetos coletáveis, o único realmente importante para a progressão são as gemas coloridas que desbloqueiam novas áreas dentro de cada mundo. Sem a quantidade necessária, não é possível acessar outros estágios, nem chegar ao chefão final e seguir ao próximo ambiente.
As batalhas contra os chefes em Cosmic Canines, que consistem nos generais de Vyr, não são tão inspiradas, na minha opinião, mas o level design das fases regulares compensa esse lapso de criatividade, pois elas mantêm o padrão de qualidade com o uso criativo do gancho que dá nome à série, bem como das demais mecânicas, tanto antigas quanto novas.
Quando o pouco faz muita diferença
E por falar em mecânicas novas, são elas as principais responsáveis por diferenciar um Grapple Dog do outro, aliviando grande parte do sentimento de repetição do primeiro jogo, sobretudo mais para o final da campanha. Aqui, a alternância entre as habilidades inéditas de Pablo e a estreia de Luna, com um kit próprio de gameplay, se mostra uma decisão certeira no objetivo de evitar o cansaço por fazer a mesma coisa durante toda a jogatina.
O heroico labrador agora pode socar seus inimigos, uma ação que, além de seu propósito ofensivo, serve como uma ferramenta de movimentação horizontal, que pode ser crucial para economizar preciosos segundos nos Desafios de Tempo. A principal novidade no arsenal do protagonista, entretanto, são as pedras elementais que ele encontra, que lhe conferem poderes extraordinários.
Essas habilidades trazem novas dinâmicas de interação do Pablo com os inimigos e com o resto dos cenários, o que, por sua vez, abre novas possibilidades criativas no desenvolvimento das fases. É um acréscimo simples, sem maiores ambições, como eu já frisei nesta análise, mas a forma como ele é aproveitado pela Medallion Games faz toda a diferença.
Doguinhos diferentes, estilos diferentes
O frescor em relação à fórmula Grapple Dog fica ainda mais evidente em Cosmic Canines quando jogamos com Luna, que carrega consigo características completamente inéditas. O destaque fica por conta da arma de fogo da destemida agente dos Beyonders, que na maior parte do tempo porta sua fiel pistola, mas encontra outras opções ao longo das missões, como um potente lança-chamas. Para não ficar atrás de Pablo, que agora tem à disposição seus punhos, a heroína pode dar um tradicional dash que se prova extremamente útil para movimentação horizontal e diagonal.
Em determinados momentos, cheguei a ter a leve sensação de estar jogando dois jogos diferentes, tal é a distinção feita entre Pablo e Luna. Para dar outro exemplo: Luna não pode entrar em contato com os inimigos, ao custo de um ponto de vida se o fizer, ao passo que, para Pablo, ir de encontro aos oponentes, seja socando-os ou lançando o gancho neles, é muito interessante para tirar obstáculos do caminho e até mesmo usá-los como fonte de impulso para cortar caminho em alguns trechos das fases.
De forma geral, o que quero dizer é que a gameplay com Pablo continua em seu ritmo mais frenético, muito mais associado ao uso do gancho como principal ferramenta de locomoção, enquanto Luna exige uma movimentação mais cadenciada, que leva em consideração o uso estratégico das suas armas e dos dashes. Claro, isso não quer dizer que ela não tenha bons momentos de speedrun — apenas não está no mesmo nível de satisfação de Pablo nesse quesito.
Como um bônus cosmético que também incrementa a biblioteca de colecionáveis, temos a Loja da Toni, onde compramos pontos de vida adicionais, novos uniformes e ganchos para Pablo e Luna; e o Armário, onde acessamos esses itens e personalizamos os protagonistas.
Precisava reciclar os bugs também?
No departamento dos aspectos técnicos, Grapple Dogs mantém a barra de esforço no nível mínimo, com opções de vida e saltos infinitos, além da configuração do fundo dos cenários — se eles ficam móveis, estáticos ou planos, com uma única cor e mais nada.
Apesar de discordar dessa definição de “acessibilidade”, não vou entrar nessa discussão. Ao invés disso, abro aqui meu muro das lamentações para com Cosmic Canines citando um incômodo que tive com a forma como alguns segredos foram posicionados em certas fases.
Um dos colecionáveis ocultos em cada uma dos estágios tradicionais de plataforma é uma banda de galináceos cujo propósito eu não cheguei a descobrir, mas que estão sempre localizados em cantos que demandam um mínimo de exploração por parte do jogador. O problema é que, para encontrar esse grupo musical em mais de uma fase, eu precisei ativar o macete dos pulos ilimitados, pois o segredo se encontrava em um local impossível de ser acessado normalmente.
Posso até estar enganado, mas sempre que precisei fazer uso desse truque para encontrar a banda, passei um bom tempo tentando chegar a ela por meios convencionais, até o momento em que eu desisti e recorri aos saltos infinitos para não perder ainda mais tempo. Se minhas suspeitas estiverem corretas, não é uma decisão de game design que eu tenha curtido.
Mudando um pouco de assunto e partindo para o departamento dos bugs, algumas das falhas de Grapple Dog foram transportadas para cá, como a taxa de quadros sofrível, principalmente com muitos elementos na tela, e a câmera maluca que parou de focar em Pablo. Para piorar, um dos poderes elementais do cachorrinho causou um travamento total do jogo em mais de uma ocasião, me forçando a fechá-lo e perder qualquer progresso que eu tivesse obtido.
Dois cachorrinhos são melhores que um
Grapple Dogs: Cosmic Canines é uma sequência que provavelmente não estava no bingo de ninguém para 2024 — ou para qualquer outro ano, pra falar a verdade. Ele chega, cumpre com seu papel, inova um pouquinho aqui e ali, e pronto: um trabalho bem-feito que provavelmente não ficará marcado na trajetória gamer de muitos jogadores, mas que entreteve enquanto durou.
Prós:
- Mantém tudo que funcionou em seu antecessor e vai além, ainda que pouco, com novas mecânicas de jogo;
- Luna é uma excelente adição como personagem jogável, ajudando a espantar a inevitável repetição do primeiro Grapple Dog ao alternar seu estilo de jogabilidade com o de Pablo;
- O level design das fases se aproveita muito bem das novas mecânicas e da alternância entre Pablo e Luna para destilar criatividade;
- A quantidade de objetos colecionáveis deve agradar até aos mais aficionados pelos 100%.
Contras:
- A história do jogo continua sem qualquer importância, existindo apenas por existir;
- Quem procura por bastantes novidades em sequências vai se decepcionar aqui, pois muito pouco de inédito foi acrescentado em relação ao título anterior;
- As batalhas contra chefes são pouco inspiradas;
- Algumas das bandas de galinhas ocultas em cada fase aparentemente só podem ser encontradas com o uso da ferramenta de “acessibilidade” dos saltos infinitos;
- Bugs herdados do antecessor, como a péssima taxa de quadros e a câmera irregular, além de um travamento envolvendo o uso de um dos poderes de Pablo.
Grapple Dogs: Cosmic Canines — Switch/PC/XSX — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Super Rare Originals