Análise: Emio - The Smiling Man: Famicom Detective Club é um dos melhores títulos de suspense no Switch

Mesmo que a jogabilidade não seja o atrativo do jogo, a trama surpreende ao trazer um mistério que vai além das aparências.

em 04/09/2024

Se Emio - The Smiling Man: Famicom Detective Club é uma revitalização da adormecida duologia ou um prelúdio para a sua expansão, eu não sei dizer, porém posso afirmar que tudo o que especulei a respeito deste título, mesmo depois de jogar a demo, foi por água abaixo. E Yoshio Sakamoto tinha razão: esta é uma história visceral e que merece ser investigada a fundo.

O ressurgimento de uma lenda urbana perturbadora

Antes dos acontecimentos do jogo, mais precisamente há 18 anos, uma lenda urbana assolava a cidade de Koufuku: um homem com um saco de papel em sua cabeça via em garotas tristes suas vítimas, estrangulando-as até a morte e cobrindo suas cabeças com um saco de papel. Esse assassino em série ficou conhecido como Emio, o homem sorridente, pois a “máscara” que ele usava possuía um sinistro sorriso desenhado — algo que ele fazia questão de “repassar” às garotas que assassinava. 

Antes de cair no completo esquecimento, Emio fez três vítimas, todas elas jovens entre 15 e 17 anos. Os motivos para os assassinatos nunca foram explicados e o caso do homem sorridente jamais chegou a uma resolução, sendo arquivado pela polícia quando o principal suspeito desapareceu.


Sendo assim, a morte de Eisuke Sasaki, um garoto de 15 anos, trouxe de volta a existência dessa lenda urbana de quase duas décadas atrás. O estudante foi encontrado morto próximo a uma estação de bombeamento de água, mas o que mais chamou a atenção foi o estado do corpo: não apenas ele foi vítima de estrangulamento, como também vestia um saco de papel com um sinistro sorriso desenhado.

Estaria Emio de volta? Ou o caso de Eisuke é obra de um imitador? E, se este for o caso, como o assassino do estudante ficou sabendo do saco de papel, uma informação que a polícia nunca trouxe à tona, mesmo 18 anos depois?


Com muitas perguntas e nenhuma resposta, assumimos o controle do protagonista (cujo nome podemos escolher livremente), um assistente de detetive que trabalha na Agência de Detetives Utusugi sob a tutela de Shunsuke Utsugi. Ao lado de sua colega Ayumi Tachibana, cabe ao personagem desvendar os segredos por trás da morte de Eisuke e descobrir se o homem sorridente está mesmo por trás de um novo assassinato.

Como era de se esperar, The Smiling Man segue a mesma fórmula dos outros dois jogos de Famicom Detective Club: a partir de um conflito inicial — no caso, a morte de Eisuke —, começamos a ter contato com outros acontecimentos que podem estar ligados à trama principal. Nesta terceira entrada, chama a atenção como o desaparecimento de Makoto Kuze, o irmão mais velho de Junko Kuze, uma das policiais com quem interagimos ao longo do caso, pode também estar ligado a Emio, de uma forma ou de outra.


Porém, enquanto The Missing Heir e The Girl Who Stands Behind traziam elementos mais pautados no imaginário das pessoas, como elementos de ocultismo, folclore e sobrenatural, The Smiling Man se pauta em temas muito mais críveis e factuais para montar sua narrativa, partindo do pressuposto de uma lenda urbana. Além disso, o jogo não esconde suas verdadeiras intenções: temas como depressão, suicídio, violência doméstica e conflitos familiares ditam a história do começo ao fim, sem qualquer pudor ou floreio, deixando-a difícil de digerir em diversos momentos.

Mesmo que não seja uma recomendação fácil para todos os públicos, em especial pessoas que podem sofrer com gatilhos decorrentes dos assuntos abordados, quem resolver se aventurar no caso do homem sorridente tem em mãos um dos melhores títulos de suspense já lançados no Switch. Além disso, toda a ambientação e a construção de personagens deixa The Smiling Man muito mais verossímil, já que o mistério está envolto em acontecimentos factuais — agora, se a lenda urbana é real ou não, deixo para você descobrir.


Quero sinalizar neste texto que as reviravoltas ao longo da trama são, de longe, o maior ponto alto desta terceira entrada de Famicom Detective Club, em especial o conteúdo pós-jogo. Claro, não vou dar spoiler sobre isso, porém, como não sei frear minha língua (ou meus dedos, no caso desta análise), adianto que o roteiro consegue conduzir tudo para além de um “jogo de detetive”.

É por esse motivo que comparo Yoshio Sakamoto, a mente por trás dos três jogos da série, à escritora inglesa Agatha Christie: assim como nas obras da eterna Rainha do Crime, precisamos sempre nos atentar ao que está sendo dito nas entrelinhas. Uma coisa é certa: descobrir o culpado e os motivos que o levaram a cometer as atrocidades que cometeu não é algo que conseguimos fazer logo de cara. 

Para finalizar o tópico, quero dizer que, por mais que The Smiling Man traga algumas menções aos jogos anteriores da série e personagens recorrentes, este título é praticamente independente, podendo ser aproveitado até mesmo por quem nunca teve contato com Famicom Detective Club antes. Como bônus, se você já tiver algum save de The Missing Heir ou The Girl Who Stands Behind, é possível importar o nome usado anteriormente para o protagonista.

Jogabilidade quase inalterada

Por ser uma aventura textual com elementos de point-and-click, The Smiling Man se pauta em diálogos com pessoas, investigações de cenários e objetos e visitas a diferentes lugares, tudo em busca de pistas para resolver o caso em questão. Infelizmente, este não é um tipo de jogabilidade muito interessante para os padrões atuais, podendo fazê-lo parecer um tanto “engessado” — e de fato, em alguns momentos, ele realmente tende a ser, já que precisamos esgotar todas as possibilidades de ações antes de prosseguir na investigação.

Aqui, quero também mencionar que, mais uma vez, a parte de interagir com elementos, pessoas e objetos dos cenários por meio do comando Examinar (Examine) não tem suporte à tela de toque do Switch, o que realmente é uma pena. Porém, ainda é possível jogar apenas com o Joy-Con direito.


No entanto, desta vez, foi adicionada uma ferramenta de qualidade de vida muito útil: a opção de ligar ou desligar a visibilidade de palavras-chave que dão indícios do que devemos fazer a seguir. Essa funcionalidade por si só já é um grande avanço, pois ajuda a mitigar a sensação de tentativa e erro presente nos outros dois jogos.

Ainda, ao final de quase todos os capítulos, precisamos fazer uma recapitulação sobre o que aprendemos até então e, para isso, precisamos selecionar informações do caderno de anotações, fazendo escolhas (como em uma visual novel) ou digitando informações no teclado virtual do Switch. Aqui, infelizmente, a falta de localização em português (independentemente se brasileiro ou europeu) pode se provar uma verdadeira barreira linguística, já que a digitação dos termos deve ser feita no idioma no qual o jogo está sendo jogado.


Agora, olhando pela perspectiva do copo meio cheio, The Smiling Man adicionou outras opções de idiomas para além de japonês e inglês, espanhol incluso. Não se trata de uma solução perfeita, mas ao menos é um paliativo para quem sente necessidade de jogar em uma língua próxima da nossa.

O jogo também adicionou a possibilidade de jogarmos como Ayumi em alguns trechos, algo inédito até então, já que a personagem era tratada como coadjuvante nos outros dois jogos. A jogabilidade tradicional não muda independentemente de qual personagem estamos controlando no momento, porém fiquei com a sensação de que essa alternância de pontos de vista trouxe mais dinamismo à investigação do caso, como se várias ações estivessem acontecendo simultaneamente.

Infelizmente, diferentemente do que acontece quando estamos no comando do protagonista, as investigações de Ayumi são mais limitadas, na sua maioria se resumindo a conversar com o personagem Tsubasa Fukuyama. De resto, a assistente do nosso detetive finalmente ganhou seus momentos de protagonismo, e seus achados são tão importantes para a resolução do caso de Emio quanto os outros.

A beleza audiovisual com aquele quê da Mages

The Smiling Man também foi produzido em parceria com a Mages, mantendo a qualidade audiovisual impecável de uma das mais consagradas desenvolvedoras no ramo de visual novels. O visual atualizado e bastante charmoso em Live2D é reforçado pelo cuidado de sincronização labial e dublagem integral em japonês (com nomes de peso do ramo, vale destacar) para todos os personagens, sendo que até aqueles que estão de passagem ganharam vozes.

A trilha sonora, assinada por Takeshi Abo, também se junta ao rol de qualidades positivas do jogo, ajudando a transmitir ainda mais emoções para além das expressões faciais e posturas dos personagens. Ou seja, a composição audiovisual é de suma importância para conhecer mais sobre os personagens da trama — graças a isso, é muito difícil não gostar de secundários como Daisuke Kamihara e de Tsubasa Fukuyama ou não simpatizar com os dilemas morais e pessoais de Junko Kuze, para citar alguns exemplos.

Arrisco dizer que o ponto alto de toda a produção da Mages está no conteúdo pós-jogo, que nos é apresentado como uma animação de quase uma hora que nos explica mais a fundo o que não foi abordado na campanha principal. Não vou dizer sobre o que se trata, mas fica aqui meu incentivo para você acompanhar o caso até o fim.

Temos também ferramentas de qualidade de vida típicas de visual novels, como a possibilidade de rever o histórico de mensagens, velocidade de leitura e também a opção de ativar texto automático, entre outras comodidades. Para concluir, completar a campanha principal e o conteúdo pós-jogo libera suas respectivas galerias, nas quais podemos selecionar os capítulos e ouvir as faixas que compõem as respectivas porções narrativas.

Um thriller visceral do início ao fim

Emio - The Smiling Man: Famicom Detective Club, com um mistério muito mais próximo da nossa realidade do que os outros dois jogos da série, surpreende com sua qualidade narrativa. É bastante difícil chegar a uma conclusão concreta sobre este título, mas arrisco dizer que, além de a melhor entrada da série Famicom Detective Club, é, acima de tudo, uma recomendação sólida para quem é fã de histórias de suspense.

Não se deixe enganar pelo rótulo de aventura textual e uma jogabilidade que remete ao século passado: mesmo com seus pequenos defeitos, o caso do homem sorridente é promissor do início ao fim. E sinceramente falando? Torço para que este não seja o fim de Famicom Detective Club, mas, se for, temos aqui um fechamento com chave de ouro.

Prós

  • História instigante e verossímil, com direito a várias reviravoltas, cenários bem construídos e personagens extremamente críveis;
  • A adição de ativar o realce de termos e expressões importantes durante os diálogos nos ajuda a prestar mais atenção na trama, fazendo com que o progresso na campanha seja mais fluido e menos pautado em tentativa e erro;
  • O conteúdo pós-jogo surpreende com sua qualidade narrativa e audiovisual;
  • A trilha sonora e a dublagem integral em japonês contribuem para a ambientação e transmissão de sentimentos ao longo da trama;
  • Os modelos em Live2D dão ainda mais vida aos personagens;
  • A possibilidade de jogar como Ayumi traz mais dinamismo às investigações, que finalmente parecem um trabalho em equipe;
  • Possibilidade de jogar com apenas o Joy-Con direito;
  • Ferramentas de qualidade de vida para facilitar a leitura, como histórico de mensagens, regulagem da velocidade de texto e até opção de deixá-lo automático;
  • O jogo, embora faça menção aos títulos anteriores da série, pode ser aproveitado até mesmo por quem não a conhecia.

Contras

  • A jogabilidade pode ser considerada “engessada” para os padrões atuais;
  • As porções jogadas como Ayumi poderiam ser mais variadas;
  • Sem suporte à tela de toque do Switch exceto quando é necessário digitar;
  • Sem localização de textos para o português brasileiro.
Emio - The Smiling Man: Famicom Detective Club — Switch — Nota: 9.0
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida por Nintendo
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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