Análise: Disney Epic Mickey: Rebrushed é uma bela pintura, mesmo com alguns borrões

Corrija os erros de Mickey em uma aventura pelo seu ego.

97 anos atrás, em 1927, um prodígio animador de 26 anos chamado Walter Elias apresentava ao mundo sua mais nova criação: um simpático animal orelhudo e peralta que logo ganharia reconhecimento e seria amado por gerações. Essa seria a história de Oswald, o Coelho da Sorte… se ele fosse um pouco mais sortudo, porque apenas um ano depois, em 1928, aconteceria a grande estreia de Mickey Mouse em três curtas, roubando o estrelato de seu irmão mais velho.


Fiz toda essa recapitulação histórica para contextualizar Disney Epic Mickey: Rebrushed, remake do clássico de Wii que trouxe Oswald de volta aos olhos do público, curiosamente relançado no mesmo ano em que Mickey cai em domínio público. Será que vale a pena se aventurar pelos confins de uma terra esquecida e distorcida? Prepare o pincel e siga o gremlin, pois está na hora de contar uma história.

Os pecados da inocência

Era uma vez um camundongo chamado Mickey Mouse. Certa noite, ele acordou de sua cama e notou que seu espelho estava diferente; ao tocá-lo, atravessou-o para uma sala mágica, onde o mestre feiticeiro Yen Sid estava arquitetando um projeto: uma terra mágica para personagens de desenhos obscuros e esquecidos.

Depois de se retirar, Mickey foi até o canvas e, curioso, começou a usar seu pincel mágico, utilizando tinta para criar e solvente para apagar. No entanto, por sua inocência desastrada, ele acabou deixando cair muito solvente, criando uma abominação profana maligna chamada Mancha Negra, que quase o pegou. Pensando rápido, o camundongo jogou o resto do solvente na criatura, que, por sua vez, caiu no canvas, chamando a atenção de Yen Sid e fazendo Mickey fugir de volta para seu quarto.

Quase um século se passa e Mickey vira um astro de enorme proporções, estrelando em incontáveis desenhos, com diversos produtos criados à sua maneira e, acima de tudo, reconhecido por eras. Então, em mais uma noite qualquer, Mancha apareceu e sequestrou o camundongo, arrastando-o para o seu domínio, agora uma terra desolada e distorcida em tinta e tristeza.

Após um rápido encontro com o diabólico Cientista Maluco, Mickey é resgatado por Gus, um gremlin que está disposto a levá-lo de volta ao seu lar, mas o avisa de toda a dor que Mancha e o Cientista têm causado aos habitantes do mundo. Então, Mickey tem dois objetivos em mente: voltar para casa e corrigir o erro que cometeu décadas atrás.

Numa folha qualquer, eu desenho um Sol amarelo…

Um dos maiores trunfos de Epic Mickey sempre foi sua apresentação. Sua história é rica e ousada, tirando Mickey de sua zona de conforto eternamente imposta pela Disney e jogando-o em uma aventura com tons assustadores (cuja última vez foi no aclamado, mas controverso curta Runaway Brain), mas também com um ar de grandiosidade que só narrativas envolvendo o camundongo conseguem oferecer. Comparado ao lançamento original, Rebrushed parece mais escuro, o que condiz com a pegada da trama (e considerando o quão claro era o jogo no Wii).

Esse sentimento inclusive respinga na trilha sonora, seja no tom misterioso e sombrio do menu de pausa, seja nas melodias vitoriosas do menu principal e quando se coleta um broche especial. O resto da produção sonora, como efeitos sonoros e sons de ambiente, também é muito boa, com poucos engasgos e delays de execução, mas emitindo bem os sons que transmite, como ataques e reações dos personagens.


E com cinco ou seis retas, é fácil de fazer um castelo...

Mesmo sendo um remake, o cerne da gameplay de Epic Mickey Rebrushed se mantém fiel ao original. À disposição do pincel, estão tinta e solvente, podendo criar ou destruir, afetando diretamente o mundo ao redor. Com tinta, inimigos são pintados de azul e convertidos em personagens inofensivos, que inclusive podem atacar oponentes não coloridos. Além disso, ela pode trazer conteúdos do mundo à vida, como partes de prédios, pontes, arbustos e muito mais. Outras vezes, no entanto, é necessário destruir para prosseguir, e o solvente é a solução para as dúvidas mais difíceis. Diferentemente da opção anterior, o solvente mata inimigos e destrói o ambiente, abrindo caminho e podendo revelar segredos escondidos.

Usar sabiamente as magias é a chave para progredir, e é bem divertido ver como as Terras Desoladas reagem a elas. Dentro do jogo, existe um sistema de karma, onde o mundo e os NPCs são diretamente afetados pelas ações de Mickey, positivas ou negativas.

Exemplo: uma das inúmeras contrapartes de Bafo está sendo acusada de um crime que não cometeu. O jogador pode entregar o diário do capitão para as autoridades e provar sua inocência ou dar o objeto a um algoz do personagem e conseguir uma recompensa. São ações pequenas e que poderiam aparecer mais vezes ou pesar mais no personagem de Mickey Mouse, mas cujas diferenças são bastante divertidas de ver.

Rebrushed oferece adições que tornam a jogabilidade da aventura bem mais prazerosa. Em seu lançamento original, um dos maiores defeitos era sua câmera temperamental, a qual não era bem controlada devido ao sistema de movimento analógico do Wii. O remake corrige esse erro, dispondo o controle da câmera com o analógico direito, tornando-a bem mais intuitiva, além de deixar a opção de usar o sistema motor do controle/Joy-Con para controlá-la, caso o jogador queira a experiência original.

Um dos aspectos que mais foi noticiado com o remake foram os novos golpes do Mickey. O camundongo agora pode dar uma investida para se esquivar de ataques e avançar mais rapidamente; uma corrida para acelerar o passo; e um golpe para baixo que atordoa inimigos e ativa botões no chão. São adições muito bem-vindas que melhoram a jogabilidade e deixam a ação mais dinâmica.


Respingos no quadro

Existe uma variedade legal de níveis para se aventurar em Epic Mickey: Rebrushed, remetentes a obras clássicas da Disney, passando por enormes lixões, cidades depressivas e até construções com toques futuristas. A melhor parte desses locais, no entanto, é a construção deles, cuidadosamente feita ao redor de produtos Disney, como estátuas e vitrais com personagens; i, lixão coberto de merchandising do Mickey (como cartuchos de aventuras do NES e SNES, além do icônico telefone do camundongo) e estruturas de fases que remetem a filmes e atrações dos parques temáticos — imagina minha surpresa ver referências a Atlantis, seja o clássico filme animado Atlantis: O Reino Perdido ou o épico 20.000 Léguas Submarinas).

Até as transições de áreas são tematizadas dessa forma, baseadas em curtas metragens de Mickey e Oswald, muito bem pensadas e fiéis na adaptação, me fazendo lembrar dos níveis do clássico de SNES, Mickeymania. E se for cansativo repetir toda a seção para seguir o jogo? Sem problemas, pois, pagando a Gus uma pequena taxa, é possível pular inteiramente o nível 2D.

Não posso dizer que Epic Mickey acerta todas as cores na pintura, no entanto, cometendo erros que borram o Canvas. E quando digo “borram”, eu quero dizer literalmente. Quando o primeiro trailer de Rebrushed foi mostrado, eram prometidos gráficos belíssimos, afiados e bem feitos, com os ambientes cheios de textura e prazerosos de se ver.

No resultado final, no entanto (pelo menos no Switch), as texturas parecem inacabadas. Os gráficos estão aceitáveis, bastante emotivos, mas, comparando com o que foi mostrado previamente parece que foi vendida uma obra inacabada e não um quadro propriamente pintado. Além disso, o tempo de carregamento é absurdamente grande para um remake, especialmente para carregar as fases.

Um problema confuso, mas persistente do jogo original se manteve em Rebrushed, onde as cutscenes e diálogos são relegados a vídeos sem áudio, com apenas música e grunhidos para mostrar que os personagens estão conversando (exceto pela narração inicial, provinda por Corey Burton como Yen Sid, mas apenas isso). É uma decisão absurda sem explicação, mesmo que o jogo esteja totalmente traduzido muito bem para o português brasileiro.

Em análises passadas, eu disse que todo relançamento que se preze deve incluir rascunhos e desenvolvimento de seus jogos para fins de preservação e curiosidade. Epic Mickey Rebrushed cumpre esse papel, mas se esforça para fazer somente o mínimo do mínimo do mínimo.

Sim, coletar as artes conceituais pelas fases é muito divertido, especialmente se elas estiverem escondidas em lugares de difícil acesso, mas seria legal se fosse possível também escutar a trilha sonora em algum lugar específico. Além disso, existem apenas seis roupas diferentes para Mickey usar, sendo que três delas são exclusivas de DLC. Uma grande pena, considerando a vasta variedade de fantasias que o camundongo usou por quase um século (poderia até ser legal adicionar o Oswald como jogável, de alguma forma).

Para um jogo que preza por lembrar o esquecimento, existe um paradoxo na preservação de seu conteúdo interno; seria bacana, por exemplo, ter uma galeria para ver descrições dos personagens envolvidos. Mas o maior pecado dessa pseudo preservação é a seleção de vídeos. Todas as cutscenes do jogo podem ser reassistidas a qualquer momento, o que é bem legal. O que não é legal é a pífia seleção de curtas metragens oferecidas, apenas três.

Com tantas produções mencionadas por personagens esquecidos, como Horácio e Clarabela, é bem insultante que esses filmes estejam ausentes completamente do jogo, incluindo produções em domínio público, como Steamboat Willie, que poderiam servir como forma de preservação da história da animação e tributo a essas figuras.


Clássico revivido 

Apesar dos rabiscos evidentes na obra, Disney Epic Mickey: Rebrushed é uma jornada singular, um dos melhores jogos da Disney no Switch. Se foi coincidência ou não ter sido relançado no ano que Mickey Mouse caiu em domínio público, está além de mim, mas que é um enorme presente para o mundo, isso é inegável.

Alguns erros bem chatos não arruinam a reputação e valor que Rebrushed oferece, corrigindo problemas bem evidentes do lançamento original e o deixando mais acessível aos jogadores. Agora, resta rezar para atualizações e que Epic Mickey 3 vire realidade e conclua a narrativa de Mickey e Oswald.

Prós

  • História criativa que desafia os limites de Mickey Mouse;
  • Mundo interessantíssimo, servindo de tributo a longa jornada da Disney;
  • Legendado em PTBR;
  • Personagens coloridos e carismáticos, com destaque para o retorno de Oswald;
  • Alta contagem de coletáveis, entre broches e artes conceituais;
  • Novos movimentos e controle de câmera que respondem muito bem e melhoram a jogabilidade.

Contras

  • Relativamente bonito, mas mal polido e carregamentos longos;
  • Estranhamente sem dublagem;
  • Galeria bastante decepcionante, com poucas roupas para escolher, sem biografias para ler e poucos filmes para assistir.
Disney Epic Mickey Rebrushed - Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XSX - Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela THQ Nordic
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Formado em Publicidade e Propaganda na USC e especializado em Marketing Digital, sou Editor de Vídeos também, meu TCC foi sobre a Guerra dos Consoles e evolução da publicidade nos games. Jogo um pouco de tudo e também escrevo. Me descrevo como um artista.
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