Uma das características principais que costumo observar em jogos de puzzle é de que forma eles são capazes de se sustentar sem que se tornem repetitivos ou frustrantes ao longo de todo o curso. Arranger: A Role-Puzzling Adventure conseguiu me surpreender nesse quesito através de uma bela apresentação e de mecânicas únicas de jogabilidade, rapidamente se tornando um de meus jogos independentes favoritos de 2024.
Uma criança especialmente destranbelhada
A história é centrada em Jemma, uma jovem que, ainda quando bebê, foi abandonada nos portões de uma cidade. Acolhida por seus moradores, ela cresceu em um lar para desabrigados sem ter qualquer informação sobre suas origens.
Só que Jemma não é apenas mais uma criança comum. Ela possui a estranha habilidade de mover objetos e pessoas do mundo enquanto se desloca por ele. Isso logo se torna um problema, ao passo que os demais moradores se sentem prejudicados por inevitáveis acidentes causados pela presença da garota. Logo que assumimos o controle da personagem, percebemos isso ao realizar um simples movimento pelo cenário que derruba a zeladora de uma escada.
Cansada de ser repreendida por algo que parece ser incapaz de controlar, Jemma percebe que está na hora de deixar a cidade para explorar outras oportunidades e, quem sabe assim, obter resposta sobre quem ela é e como adquiriu seus problemáticos poderes.
Conforme progride pela campanha, mais mistérios vão sendo revelados. Um deles diz respeito à estática, uma energia capaz de bloquear caminhos e ameaçar a segurança das cidades. O Forte é o lugar responsável por drenar essa energia e manter a ordem no mundo. No entanto, por algum motivo (revelado só mais para o final da história), ele não tem cumprido sua função devidamente.
Assim, a jornada de descobrimento de Jemma também se torna uma aventura para tentar livrar o mundo dos problemas causados pela estática e ajudar os habitantes ameaçados por ela.
Um quebra-cabeça digno de se colocar em um quadro
Quem, assim como eu, já montou muitos quebra-cabeças, vai entender ao que me refiro. Muitas vezes, a apresentação da imagem após a conclusão da montagem é tão bonita, que sentimos vontade de colocá-la em um quadro. Em Arranger: A Role-Puzzling Adventure, a direção de arte me fez relembrar essa sensação.
A forma como os cenários são construídos se assemelha bastante aos jogos de tabuleiro. O game se destaca por sua apresentação em uma paleta de cores vivas, revelando um mundo cheio de oportunidades para uma aventureira recém-chegada.
Conforme mais áreas vão sendo desvendadas, pequenas imagens são inseridas lateralmente como numa espécie de história em quadrinhos que vai ganhando vida aos poucos. O mesmo também acontece em momentos importantes da trama, nos quais cenas são criadas como em tiras animadas. Por sinal, a história de Arranger: A Role-Puzzling Adventure funciona muito bem.
Ao longo de sua jornada, Jemma passa por vilas, cavernas, rios e muitas outras regiões. A cada nova área, ela conhece personagens que fornecem informações sobre o mundo, dando pistas que podem levá-la de encontro com seu passado.
Esses personagens também possuem seus próprios problemas, que devem ser resolvidos como uma forma de progredir na história ou também como missões secundárias. Em uma das passagens mais legais, Jemma precisa convencer os reclusos moradores de uma cidade, que apenas se comunicam através de pássaros, a saírem de suas casas. Isso dá uma boa noção de que, além de sua narrativa principal, o jogo também tem a intenção de transmitir outras mensagens relevantes.
Rearranjando seus neurônios
Por mais que possua uma boa história e ambientação, o grande destaque do game está mesmo em sua jogabilidade. Mesmo que ela seja limitada apenas aos quebra-cabeças, a maneira como eles são resolvidos e as muitas alternativas adicionadas ao longo da campanha resultam em um ótimo jogo do gênero.
A forma com que Jemma se movimenta nas direções horizontal e vertical possibilita que carregue consigo objetos e personagens para acionar mecanismos, atravessar barreiras e muito mais. Algumas dessas barreiras são objetos presos pela estática. Essa energia também pode se manifestar na forma de monstros, sendo necessário que Jemma empurre uma espada até eles para abrir o caminho.
Inicialmente, as soluções são simples, mas, em níveis mais avançados, alguns puzzles se mostraram bem desafiantes. Além disso, cada área possui uma mecânica particular que também é aprofundada conforme o level progride, garantindo que o jogo jamais se torne repetitivo. No mapa do rio, por exemplo, é necessário utilizar as jangadas para seguir adiante. Em uma caverna escura, animais luminosos devem ser carregados para conseguir enxergar o caminho.
E mesmo não contando com nenhuma mecânica de combate, o jogo ainda é capaz de oferecer algumas batalhas contra chefes bem interessantes. Tudo isso contribui para engrandecer o espírito aventureiro, que é seu propósito principal.
E para embalar essa jornada, a trilha sonora é variada e acolhedora, ao menos durante a maior parte do jogo. Apenas em algumas situações, me senti incomodado por efeitos e músicas que se tornaram persistentes perante minha demora para solucionar alguns puzzles.
Acessibilidade e localização em português brasileiro
Para os que quiserem uma experiência mais focada na história ou estiverem sofrendo em puzzles mais complicados, o game oferece a opção de pulá-los. Apesar disso, acredito que um melhor sistema de tutoriais para descrever algumas mecânicas ou uma opção para receber dicas seriam boas adições.
Uma outra função permite colocar um indicador para apontar o caminho para o objetivo principal. A ausência fica por conta de uma maneira para rastrear as missões secundárias. Antes de avançar para o último mapa, recebi uma mensagem de que aquele seria um ponto de não retorno. No entanto, mal me lembrava quais eram os objetivos secundários que havia deixado para trás.
Um outro destaque positivo é que a localização em português brasileiro é ótima, inclusive privilegiando um linguajar mais direto, no qual o uso de expressões e gírias se adaptam perfeitamente ao perfil da protagonista e de outros personagens.
Encontrando um propósito
Assim como a jornada de Jemma em busca por sua identidade, Arranger: A Role-Puzzling Adventure conseguiu encontrar uma forma de se posicionar muito bem entre os demais jogos do gênero. A forma como sua história se desenvolve junto com a habilidade de solucionar puzzles mais desafiadores se combinam para criar uma bela aventura que vale cada desafio encarado para ser desbravada.
Prós
- A história se desenvolve muito bem, mantendo o jogador interessado mesmo diante de puzzles mais complicados;
- A direção de arte combina uma paleta de cores vibrantes com elementos similares aos quadrinhos para criar uma ótima ambientação;
- Os puzzles estão sempre se renovando e subindo de nível, mantendo o jogo interessante ao longo de toda sua duração;
- A localização em português brasileiro com uso de expressões do nosso dia a dia contribuem para uma experiência mais leve.
Contras
- A ausência de um sistema de rastreio de objetivos secundários torna mais difícil concluí-los;
- Ainda que haja uma forma de pular os quebra-cabeças, explicações mais detalhadas para algumas mecânicas seriam bem-vindas;
- A repetição da trilha sonora pode incomodar durante alguns puzzles.
Arranger: A Role-Puzzling Adventure — PC/PS5/PS4/Switch — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Furniture and Mattress