Análise: Tales from Toyotoki: Arrival of the Witch: folclore, comédia e drama em uma história sobre superar as dificuldades da vida

A história desta VN é uma excelente pedida para quem gosta de ficção que retrata a realidade nua e crua de pessoas que só querem o melhor para si.

em 13/08/2024

Originalmente lançada no Japão em 2022, a visual novel Tales from Toyotoki: Arrival of the Witch (ou Ihanashi no Majo, no título original), desenvolvida por Fragaria, chega ao Switch e demais plataformas no próximo dia 22 em uma inédita localização para o inglês. Apesar de seu início lento, a trama traz uma importante lição sobre viver um dia de cada vez — mas atenção: prepare os lenços de papel.

Do tudo ao nada em poucos minutos

Hikaru Nishime é um estudante colegial que perdeu seus pais quando ainda era muito novo e, devido a isso, ele viveu praticamente a vida toda sob tutela de sua tia. Contudo, certo dia ele recebe uma passagem de barco para a remota ilha de Toyajijima, em Okinawa — e, dessa forma, Hikaru é abandonado pela única família que lhe resta.

Sozinho e sem um tostão no bolso, ele chega à sua nova moradia. Vindo de Tóquio, o garoto não é bem visto pela população local, que mal chega a mil habitantes, a sua maioria composta por idosos. Sentindo-se um “estranho no ninho”, Hikaru decide ir até a casa de seu avô, mas, para sua infeliz surpresa, o homem também saiu do país, largando tudo para trás.

Desesperado por ajuda, Hikaru tenta de tudo para encontrar seu lugar em Toyajijima, porém sem sucesso: sua tia não retorna às ligações, não há nenhum registro para “Hikaru Nishime” na escola para a qual ele supostamente seria transferido e, acima de tudo, ele não tem um teto nem para passar a noite.


Quando tudo parecia perdido, o protagonista encontra uma cabana improvisada em uma plantação de cana de açúcar. Então, o pobre rapaz decide passar a noite na nova “casa”, a princípio desabitada, até ser surpreendido por uma moça desconhecida, cujo nome logo é revelado: Lilun.

Em meio a mal-entendidos e estranhamentos, Hikaru e Lilun percebem que têm muito mais em comum do que aparentam: os dois estão em um local desconhecido, não têm um centavo para chamar de seu e precisam encontrar uma maneira de sobreviver em meio às hostilidades do povo local — e o primeiro passo para isso é invadir a casa do avô de Hikaru e garantir um teto para si.

No entanto, a moça esconde um segredo, que só é descoberto quando nosso herói faz de tudo para salvar a vida de um cachorro: ela é uma bruxa. Agora, na promessa de não interferir na vida de Lilun, os dois passam a viver juntos, porém essa coabitação está longe de ser “cada um na sua”, pois eles começam a se envolver, pouco a pouco, com outros habitantes dessa ilha isolada.

Foram seis parágrafos para descrever o conceito básico da história, que, apesar de ter um início arrastado, logo se prova uma grande colcha de retalhos de pequenas tramas paralelas que formam um inteiro, e é muito difícil me conter para não dar spoilers. No entanto, se eu tivesse que resumir a trama de Tales from Toyotoki, eu diria que esta VN está longe de ser uma história cotidiana.

Não é bem a história que imaginamos

Além das adversidades pelas quais Hikaru, Lilun e companhia passam, cada qual por uma razão diferente, existem muitos aspectos folclóricos da própria região de Okinawa que são explorados ao longo da narrativa. Porém, mais do que os acontecimentos da trama em si, são os personagens que merecem os holofotes.

Como exemplo, cito Akari, a primeira garota que Hikaru encontra (sim, antes de Lilun até) e também a primeira a ser desenvolvida na história. De cara, achei que ela fosse ser a típica personagem metida a sabichona só porque vem de uma família abastada; no entanto, me partiu o coração conhecer toda a trágica história por trás da menina.


Até mesmo personagens secundários e outros estereotipados escondem uma boa caracterização por trás de suas máscaras. Por exemplo, eu jamais imaginaria que a solução encontrada por Hikaru para lidar com um delinquente fosse persuadi-lo com sua paixão por uma animação famosa (ops, perdão pelo spoiler!).

Como comentei, em um primeiro momento, Tales from Toyotoki dá a impressão de ser uma história que foca no dia a dia de jovens que passam por algum tipo de dificuldade para se adaptar ao cotidiano “normal” da região rural de Okinawa, mas logo aparecem elementos místicos e sobrenaturais, assim como temas mais pesados, fazendo com que tudo dê um giro de 180°. Para mim, que estava esperando apenas um drama cotidiano, foi uma agradável surpresa a súbita mudança de tom na narrativa.


Embora existam alguns furos de roteiro — mais especificamente conveniências para justificar certos acontecimentos, mas nada forçado ou incômodo —, é difícil não se emocionar com os inúmeros turbilhões de emoções a cada reviravolta. Ou seja, se você é fã de suspense e drama (talvez até mais deste que daquele), Tales from Toyotoki é uma pedida mais que ideal. Não se preocupe, pois também há clichês e comédia de sobra ao longo das aproximadas dez horas de leitura.

Porém, preciso deixar avisado que, por se tratar de uma VN linear, este título produzido por Fragaria pode decepcionar quem esperava romance. Ou seja, não existem pretendentes para Hikaru e as rotas dos demais personagens com quem ele cruza o caminho servem basicamente para contextualizá-los no todo.

Comodidades parciais em um jogo feito com esmero

Como visual novel, Tales from Toyotoki consegue entregar tudo o que é esperado em termos de qualidade de vida, como possibilidade de ajustar o texto já lido, velocidade dos diálogos, possibilidade de salvar e carregar o progresso a qualquer momento, pular texto já lido, log para reler alguma coisa que passou batido, dentre muitas outras que deixam a leitura mais cômoda. Ainda, há total suporte à tela de toque do Switch, o que deveria garantir um ponto mais alto ao título, mas sempre há um porém.

Diferentemente de outras visual novels adaptadas para o console híbrido, em especial as da publicadora Prototype, o jogo desta análise não possui um guia para explicar os gestos manuais. Ou seja, por mais que eu tenha descoberto como esconder a caixa de diálogo ao deslizar meus dedos pela tela ou apertar os botões virtuais para acessar alguns recursos de leitura, precisei recorrer aos botões físicos para voltar à interface original e até mesmo abrir o menu de salvamento/carregamento.


No âmbito audiovisual, Tales from Toyotoki deixa transparecer que é um jogo simples em vários sentidos, muito provavelmente tendo sido produzido dentro de um orçamento limitado — prova disso é a dublagem dos personagens principais ter sido feita por vtubers (criadores de conteúdo virtuais) japoneses, a escassa quantidade de CGs e um estilo artístico que pode parecer amador se você for uma pessoa muito exigente. No entanto, por mais que exista essa simplicidade, dá para notar que a desenvolvedora se empenhou para entregar um produto de qualidade; novamente, reforço que os pontos fortes da obra são seus personagens e o desenvolvimento da história.

Eu também poderia encaixar a trilha sonora, com sua pouca quantidade de faixas, como um ponto negativo proveniente do baixo orçamento, mas seria um grande equívoco da minha parte: as composições realmente ajudam a criar a imersão nos momentos certos. Indo na contramão das expectativas, a minha grande decepção mesmo foi ver vários erros, tanto de digitação quanto de gramática, no texto em inglês, especialmente quando estamos falando de uma publicadora de grande renome como a Aksys; o resto até que está dentro do aceitável.

Uma história que demora para engatar, mas entrega o que promete

Misturando temas cotidianos (e um tanto quanto miseráveis, se levarmos em consideração o pano de fundo dos personagens), folclóricos e sobrenaturais, Tales from Toyotoki: Arrival of the Witch entrega uma narrativa que consegue nos fisgar pela curiosidade. Mesmo com algumas conveniências no roteiro, a história como um todo é bem-desenvolvida, muito disso graças aos personagens que fazem parte dela.

As limitações audiovisuais, bem como a falta de cuidado com a localização do texto para o inglês, podem desagradar a algumas pessoas, é verdade, mas, sinceramente, perde quem não queira dar uma chance a esta incrível história simplesmente por um julgamento equivocado.

Prós

  • Mesmo com um início arrastado, a trama é bem-desenvolvida e consegue misturar temas cotidianos com folclore e ocultismo;
  • Ótimo equilíbrio entre drama, comédia e seriedade;
  • Os personagens são um dos pontos altos do jogo, atiçando nossa curiosidade de saber mais sobre eles;
  • Embora limitada devido à falta de recursos, a composição audiovisual é satisfatória e contribui para uma boa ambientação;
  • A arte, por mais que visualmente amadora, é charmosa;
  • Boa dublagem em japonês;
  • Presença de ferramentas de qualidade de vida que toda VN que se preze deve ter;
  • Compatível com a tela de toque do Switch.

Contras 

  • Muitos erros de digitação e gramaticais no texto em inglês;
  • Ausência de um manual de gestos para usufruir da tela de toque em sua totalidade;
  • O início arrastado pode ser desmotivador para algumas pessoas.
Tales from Toyotoki: Arrival of the Witch — PC/PS5/XSX/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Capa: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida por Aksys Games
Siga o Blast nas Redes Sociais

Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).