Posso até estar enganado, mas a impressão que eu tenho em relação aos games das Tartarugas Ninja é que eles estão em um constante 8 ou 80: ou acertam em cheio em suas propostas ou fracassam miseravelmente. O histórico recente, entretanto, pode ser considerado positivo, com os excelentes Shredder’s Revenge e Cowabunga Collection.
Teenage Mutant Ninja Turtles: Splintered Fate (O Destino de Splinter, em português do Brasil), lançado em abril do ano passado para Apple Arcade e agora para Switch, certamente pende para o lado positivo da balança. O título da Super Evil Megacorp não tem um conteúdo muito robusto, nem tenta ser muito ambicioso ou original, mas cumpre com os requisitos mais importantes de um bom roguelike.
Uma armadilha com consequências inesperadas
O líder das Tartarugas, Leonardo, está treinando nas alturas de Nova York em um dia aparentemente comum quando é emboscado pelo Clã do Pé, encabeçado pelo Destruidor em pessoa, e inevitavelmente derrotado.
É aqui que as coisas começam a ficar estranhas: o Destruidor decide poupar Leo, que é transportado do absoluto nada para o QG das Tartarugas nos esgotos, por meio de um portal roxo. E não para por aí: o Mestre Splinter, pai adotivo e sensei do quarteto, simplesmente sumiu!
Sem fazer a menor ideia do que está acontecendo ou dos planos do Clã do Pé, Leonardo, Raphael, Donatello e Michelangelo sabem apenas uma coisa: seu pai precisa ser resgatado. E na dúvida, o caminho mais fácil para encontrar respostas é descendo a porrada em seus eternos inimigos.
Feijão com arroz para as tartarugas amantes de pizza
A falta de ambição que eu citei no começo da análise parece ser uma presença frequente na trajetória das Tartarugas Ninja nos videogames, e Splintered Fate é regra, não exceção. Não me entendam mal: o jogo não é ruim, falando de um ponto de vista mais objetivo, mas ele não vai além do que se espera de um roguelike básico.
No comando de uma das quatro tartarugas, precisamos realizar múltiplas incursões (as populares runs) por uma série de cenários de Nova York, que por sua vez se dividem em salas, derrotando inimigos; passando por eventuais chefes; recebendo recompensas; acumulando diferentes tipos de moedas; e aprimorando os personagens com uma vasta gama de habilidades, algumas permanentes, outras apenas durante a atual incursão.
O ponto final de uma incursão é, naturalmente, o confronto contra o Destruidor. Como se trata de um roguelike, sabemos que derrotá-lo não significa o fim da gameplay (até porque, se fosse o caso, essa seria uma campanha de poucos minutos); ao invés disso, um acontecimento inesperado (sem spoilers) nos mostra que esse triunfo é apenas o primeiro de muitos que teremos que alcançar para reaver o Mestre Splinter.
Muita calma na hora de criar expectativas
A razão para precisarmos repetir várias vezes o percurso de apenas quatro estágios é mais uma prova da lei do menor esforço que a Super Evil Megacorp adotou no desenvolvimento de Splintered Fate. Tudo no jogo segue o manual do gênero, denotando um nível de cuidado suficiente para que o produto final seja um roguelike minimamente aceitável com temática das Tartarugas Ninja.
Repito: essas críticas não são indicativos de um jogo de baixa qualidade, entediante, sem qualquer brilho — nada disso. Só não espere por um novo Hades (até porque Hades II já é uma realidade), pois o que temos aqui é uma obra medíocre na acepção da palavra, mas que faz o que se espera dela e garante um entretenimento honesto, ainda que raso.
Essa combinação de esforço mínimo e eficiência já começa pela caracterização dos personagens jogáveis, que é básica, mas reflete com fidelidade as personalidades de cada uma das Tartarugas e suas armas icônicas. Leonardo, o líder, tem uma jogabilidade mais balanceada; Raphael, sempre cabeça-quente, é mais ofensivo e focado em causar muito dano; Donatello, o mais inteligente da família, se sustenta em habilidades defensivas; e Michelangelo, o brincalhão cheio de energia, especializa-se em dano em área com seus nunchakus.
Além do ataque básico e esquiva como movimentos padrão, cada personagem tem um kit fixo de habilidades de diferentes elementos, que podem ser trocadas ou aprimoradas ao longo da curta jornada rumo ao Destruidor. A liberdade de personalização em Splintered Fate é bem agradável, resultando em builds que vão ficando cada vez mais satisfatórias à medida que o jogador vai acumulando recursos e comprando upgrades permanentes, fortalecendo as Tartarugas de forma geral.
Após a vitória sobre nosso arqui-inimigo que garante o retorno do Mestre Splinter, não há muito a fazer além de repetir o mesmo loop de quatro fases. Para garantir aquela tradicional sobrevida que marca presença em todo roguelike, surgem alguns modificadores de dificuldade, que alteram a quantidade de inimigos fortes, aumentando a vida e o dano que eles causam, mas rendendo ao jogador mais recursos e itens encontrados apenas nesse modo. Não é um acréscimo que melhora tanto o fator replay, mas não deixa de ser melhor do que nada — novamente, apenas o básico do básico.
Não foi por falta de tentativa
Para não dizer que Splintered Fate é completamente desprovido de ambição, a quantidade de mecânicas, moedas e objetos coletáveis diferentes é impressionante. Inicialmente, entender a função de cada um desses recursos pode ser um pouco confuso, mas a curva de aprendizado é naturalmente tranquila. Só achei a quantidade de sistemas um pouco excessiva, mas nada que atrapalhe o maior propósito do jogo: montar uma build divertida e forte o suficiente para derrotar inimigos fortes.
Outro demonstrativo de que a Super Evil Megacorp tentou sair um pouco da zona de conforto é a adição de um multiplayer cooperativo para até quatro jogadores localmente ou online. A jogabilidade é a mesma, com o único diferencial de cada jogador ter seus próprios recursos temporários, ao passo que os upgrades permanentes são compartilhados entre os membros da equipe.
Achei esse detalhe muito positivo, pois evita a péssima decisão de game design que é recompensar todos os jogadores com os mesmos itens e moedas. Oferecer uma recompensa de sala distinta para cada jogador torna suas builds tão diferentes quanto as quatro tartarugas que eles estão representando.
O ponto absolutamente negativo fica por conta do modo online. Podemos criar salas ou ingressar em salas criadas por outros jogadores — até aí, tudo bem. O que inviabiliza completamente as jogatinas remotas (pelo menos na minha opinião) é que só podemos ingressar em outras salas ou receber jogadores na nossa por meio de um código disponibilizado ao hospedeiro; ou seja, caso você não tenha amigos para convidar, vai ter que procurar por colegas de equipe fora do ambiente do jogo.
Confesso que, por mais que eu não esperasse muito de Splintered Fate, a ausência de um lobby público definitivamente não era o que eu imaginava em um videogame de 2024, por ser um recurso online tão básico. Até não faz tanta diferença para um roguelike, que normalmente vale mais a pena jogarmos por conta própria, mas se foi tomada a decisão de incluir o modo, que pelo menos ele viesse melhor implementado.
Erros que tanto faz como tanto fez
Uma das “vantagens” de se fazer um jogo que não ousa, mas acerta na maior parte do que tenta, é que quaisquer falhas eventuais provavelmente seguirão o escopo dos pontos positivos — ou seja, não atrapalham tanto. Splintered Fate confirma essa hipótese.
Sem esticar muito neste tópico, destaco dois problemas irritantes, mas irrelevantes para o aproveitamento da gameplay: o primeiro é um enquadramento completamente irregular de algumas janelas em relação à tela do Switch/da televisão, deixando de fora parte da imagem. Isso não chegou a ser um problema porque eu não perdi nenhuma informação importante, mas ainda é um erro bem primário.
O outro problema, que ocorreu com uma frequência inacreditável durante as cenas de conversa, foi um bug que fez com que as janelas com as falas dos personagens parassem de aparecer, deixando o jogo eternamente preso na cena em questão até que eu retornasse ao menu inicial do Switch e de volta à conversa, fazendo com que a próxima fala aparecesse.
A questão é que eu tive que fazer isso toda vez que outro personagem começava a falar, resultando em um vai e volta insuportável; sempre que isso aconteceu, eu simplesmente pulei a cena inteira e segui com a minha vida, até porque os diálogos desse jogo e nada são praticamente a mesma coisa.
Um paliativo para os saudosistas
Teenage Mutant Ninja Turtles: Splintered Fate serve mais como uma curta solução temporária para quem se encontra órfão ou órfã do seu roguelike favorito, como Dead Cells ou o supracitado Hades, e é um fã das Tartarugas Ninja.
Não tem segredo: você vai escolher um personagem e fazer o rápido percurso completo várias vezes até se cansar e partir para um desafio mais difícil ou largar o jogo de vez. Não há muitos atrativos para além de controlar Leonardo, Raphael, Donatello e Michelangelo em confrontos contra vilões icônicos, então não espere por nada grandioso, que não irá se decepcionar.
Prós:
- É um roguelike honesto, que se sai bem o suficiente em todas as principais características do gênero;
- A liberdade de personalização de cada herói permite a construção de builds que vão ficando cada vez mais satisfatórias à medida que o jogador vai acumulando recursos e comprando upgrades permanentes, fortalecendo as Tartarugas de forma geral;
- As quatro tartarugas titulares estão bem caracterizadas, com personagens que combinam com o estilo de jogo de cada uma;
- Os recursos temporários são diferentes para cada jogador, evitando a péssima decisão de game design que é recompensar todos com os mesmos itens e moedas.
Contras:
- Praticamente não sai da zona de conforto do seu gênero, resultando em uma experiência rasa e curta;
- A quantidade de moedas, mecânicas e objetos coletáveis diferentes é um pouco excessiva;
- O multiplayer online não possui um lobby público, limitando a conexão entre jogadores ao compartilhamento de um código para o acesso às salas;
- Dois bugs que, apesar de pouco relevantes, quebraram o enquadramento de algumas janelas e frequentemente impediram o progresso dos diálogos.
Teenage Mutant Ninja Turtles: Splintered Fate — Switch/PC/PS5/XSX/Mobile — Nota: 6.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Super Evil Megacorp