Há 35 anos, mais precisamente em agosto de 1989, o Ocidente foi apresentado a Dragon Quest, o primeiro capítulo de uma série que se tornaria uma das mais importantes e influentes no universo dos RPGs de consoles. Desde então, fomos agraciados com o lançamento de mais dez títulos principais e inúmeros spin-offs, embora alguns tenham chegado até nós com certo atraso.
Apesar de a franquia estar recebendo atualmente mais atenção do nosso lado do globo, muito disso graças ao oitavo e ao décimo primeiro jogos, ela ainda está longe de alcançar o merecido reconhecimento e protagonismo que ostenta no Japão. Mesmo diante dessa realidade, DQ permanece fiel às suas origens, mantendo os principais elementos que vêm encantando os fãs desde o seu princípio.
Um tipo de história, múltiplas experiências
Em Dragon Quest, não temos intrigas políticas elaboradas, personagens extremamente complexos ou discussões filosóficas profundas. Ao invés disso, somos constantemente apresentados a um enredo acessível para pessoas de todas as idades, ambientado em um contexto de fantasia medieval, repleto de momentos bem-humorados e com alguns pontos dramáticos que servem para impulsionar certos eventos ou indivíduos.
Sendo assim, uma das principais características que norteiam a série concebida por Yuji Horii é a sua simplicidade narrativa, que geralmente consiste em apresentar uma trama praticamente maniqueísta de um herói se fortalecendo para combater um vilão que representa uma ameaça ao mundo. Diante dessa perspectiva, é impressionante observar como cada novo lançamento da franquia traz uma experiência distinta da que foi oferecida por seus antecessores, mesmo que a estrutura geral de narrativa e gameplay seja bastante semelhante entre os títulos numerados.
Isso ocorre porque, desde o primeiro lançamento, um dos principais objetivos de Yuji Horii era entregar uma aventura confortável que conseguisse aproximar o jogador dos protagonistas e dos demais personagens que compõem cada jogo, fazendo com que o mundo pareça real e vivo. Essa verdade não se traduz em um mundo que funciona independentemente das ações do jogador ou que traga personagens com rotinas próprias, como ocorre em obras como Skyrim; em vez disso, a ideia é de que cada NPC em Dragon Quest sempre tenha algo relevante a compartilhar sobre aquele universo por meio de diálogos que soam naturais.
Assim, mesmo que alguns jogos apresentem uma composição de roteiro diferenciada, como DQIV e V, podemos sempre esperar narrativas com um protagonista mudo que assumirá a responsabilidade de um herói e embarcará em uma grande aventura, um vilão que vem prejudicando o mundo, personagens extremamente carismáticos que se unirão ao herói e cidades povoadas por NPCs que, embora tenham poucas linhas de diálogo e quase nenhuma variação de comportamentos, sempre possuem um aspecto humano que contribui para imergir o jogador naquela realidade.
Claro que essa identidade não se resume apenas aos elementos de enredo e de jogabilidade idealizados e dirigidos por Yuji Horii, mas também é resultado da presença constante dos traços inconfundíveis de Akira Toriyama e das melodias envolventes de Koichi Sugiyama. Embora frequentemente se mencione que Chrono Trigger foi criado pelo "time dos sonhos" (Yuji Horii, Hironobu Sakaguchi e Akira Toriyama), é igualmente verdadeiro que Dragon Quest sempre contou com um trio extraordinário de talentos, cuja contribuição de cada um é igualmente essencial para moldar a série e definir o que ela é.
Sob essa perspectiva, cada novo título lançado parece ser uma celebração da própria franquia. Para usar um exemplo simples e até bobo, é como se cada novo lançamento de DQ tivesse um papel semelhante ao de Final Fantasy IX, que representou um verdadeiro resgate das origens da série criada por Hironobu Sakaguchi, tanto em termos de gameplay quanto em ambientação e narrativa.
Não é necessário perder a essência
Se a narrativa de Dragon Quest permanece com a mesma identidade ao longo dos anos, podemos afirmar sem qualquer receio que o mesmo ocorre com a jogabilidade. Embora ela evolua com o tempo para se tornar mais dinâmica e compatível com a sua atualidade, a série nunca deixa de lado suas raízes de um RPG de turnos.
Sem mencionar nomes, já que o intuito deste texto não é criticar outras obras, é fácil se lembrar de RPGs japoneses que estagnaram no tempo, fazendo com que seus produtos mais recentes pareçam datados. Ou ainda, que mudaram tanto sua fórmula para se aproximar do que é aceito com maior facilidade no Ocidente, que acabaram perdendo muitas das características que cativaram os fãs no início, levando muitos deles a afirmarem que a série foi boa até o título X ou Y.
Diferentemente dessas séries, é completamente possível afirmar que uma pessoa que se encantou com o primeiro Dragon Quest certamente amará DQXI. Mesmo que elementos que não fazem mais tanto sentido hoje em dia tenham sido eliminados, como encontros aleatórios ou a necessidade excessiva de grinding, os combates permanecem sendo por turnos e mantendo a mesma simplicidade do DQ original, sendo acessíveis para novos jogadores e oferecendo inúmeras opções para veteranos que querem se aprofundar.
No entanto, o fato de a série manter sua tradição não significa que ela não ouse experimentar, o que ocorre, sim, tanto em seus títulos principais quanto em seus spin-offs. Para exemplificar, podemos citar a abordagem de ação em tempo real empregada em Treasures, de musou em Heroes, de roguelike em Torneko's Great Adventure, voltada ao sandbox em Builders ou focada em captura e combate de criaturas em Monsters.
Já na sequência numerada, sem alterar a fórmula principal de seu combate por turnos, algumas mudanças pontuais também ajudam a fazer com que cada lançamento forneça uma experiência distinta das dos demais. Exemplos disso são o sistema de classes em DQIII, VI e VII, o sistema online de DQIX, a fragmentação em capítulos de DQIV (com um deles não focando em lutas), o recrutamento de monstros em DQV e até mesmo a jornada solitária do primeiro jogo.
Para finalizar, outra grande prova da manutenção das características fundamentais que caracterizam a franquia desde o seu princípio é a existência e a importância de Dragon Quest VIII e XI, que, como já mencionado, foram cruciais para o contínuo crescimento da série no Ocidente. De forma louvável, esse sucesso em construção no nosso lado do globo está sendo alcançado sem a necessidade de abandonar os combates por turnos e a trama simplificada ou se adaptar à tendência de se enquadrar dentro dos jogos de ação em mundo aberto repletos de preenchimento questionável.
Que venha o futuro
Dragon Quest, até o seu lançamento mais recente, demonstra que, em um mundo de constantes mudanças, é possível permanecer fiel às origens e, ao mesmo tempo, se manter atraente para veteranos e convidativo para estreantes. O que o futuro reserva para a série, sem a presença dos mestres responsáveis pela arte e pela música, é algo que só o tempo dirá.
Resta-nos torcer para que Dragon Quest XII ofereça uma experiência única, mantendo a capacidade da franquia de proporcionar uma inconfundível aventura envolvente, repleta de carisma e confortável, como apenas esta franquia sabe fazer.
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli