Tal qual o tempo entre o período da Academia e o de guerra em Fire Emblem: Three Houses, já se passaram cinco anos desde o lançamento do 16º título da série criada pela Intelligent Systems. Mesmo com meia década de idade, Three Houses ainda é recomendado como uma porta de entrada para pessoas que querem conhecer Fire Emblem, mas não sabem por onde começar — o motivo disso não está propriamente na jogabilidade do jogo, mas sim no modo como a narrativa é conduzida.
É bem verdade que tanto Path of Radiance e Radiant Dawn já tinham capturado a atenção de fãs da série por trazer um foco maior nos conflitos político-sociais de suas tramas, enquanto Fates tentou proporcionar três rotas diferentes para solucionar um mesmo conflito. Antes disso, tivemos Gaiden (e seu remake, Shadows of Valentia) e The Sacred Stones trazendo rotas separadas para seus protagonistas (Alm/Celica e Eirika/Ephraim, respectivamente), mas que culminam no mesmo final.
O sétimo Fire Emblem, The Blazing Blade, também não fica de fora nessa tentativa ao introduzir um modo difícil de jogabilidade sob a ótica de Hector, o Marquês de Ostia. Porém, repito: nenhum desses títulos conseguiu inovar a contação de histórias tal qual Three Houses fez.
Os três (na verdade, quatro) lados de Fódlan
Em Fódlan, temos três reinos que convivem aparentemente em harmonia: o Império Adrestiano, liderado por Edelgard von Hresvelg; o Sacro Reino de Faerghus, de Dimitri Alexandre Blaiddyd; e a Aliança Leicester, sob o comando de Claude von Riegan. Esses três estudantes também lideram suas respectivas casas na Academia de Oficiais do Monastério de Garreg Mach, a saber: Black Eagles; Blue Lions; e Golden Deer.
Na pele de Byleth, nosso avatar recém-recrutado como instrutor para a Academia, temos a missão de guiar uma das três casas à vitória em um campeonato amistoso, uma tradição antiga em Garreg Mach. Dessa forma, na primeira metade do jogo, nosso foco é ensinar os alunos da casa escolhida enquanto tentamos recrutar novos alunos para ela.
Chama a atenção, contudo, a segunda parte de Three Houses, quando entramos no período de guerra (também chamado de post-timeskip no fandom). É aqui que a verdadeira ramificação acontece: diferentemente da abordagem de Fates, que trouxe uma “rota verdadeira” (o DLC Revelation) que une todos os personagens de Hoshido (Birthright) e Nohr (Conquest), no 16º Fire Emblem focamos no caminho da casa escolhida previamente.
Como consequência, uma hora ou outra o jogo nos obriga a enfrentar aqueles que antes chamávamos de amigos. E a complexidade narrativa não acaba aí: temos ao todo quatro pontos de vista diferentes para a mesma guerra que assola Fódlan, com cada líder — Edelgard, Dimitri, Claude e Rhea (representando o Monastério) — abordando seus próprios anseios, desejos e motivos.
O peso da guerra
Logo, percebemos que não existe uma “rota cooperativa”. Nem todos os personagens são recrutáveis, seja por estarem atrelados às convicções dos líderes das casas (Hubert, Dedue e Hilda), seja por não conseguirmos desenvolver laços suficientes com eles durante o arco escolar. Em alguns raros momentos, já no campo de batalha, podemos ter a chance de convencê-los a se juntar à nossa causa, mas, caso não, eles são perdidos para sempre.
Ou seja, indo na contramão da maioria dos jogos anteriores, nos quais alguns personagens ficam indisponíveis para recrutamento porque escolhemos rota A ou B (você pode conferir este guia de The Binding Blade como exemplo) ou não completamos algum pré-requisito, literalmente matamos nossos ex-colegas de estudo na maior parte dos casos. Dessa forma, podemos perceber que Three Houses não mede esforços para nos colocar como “peões do nosso próprio destino” e nos penalizar (emocionalmente, claro) por ter escolhido Claude e não Edelgard.
Além da altercação dos três reinos, outra característica que Three Houses deixa marcada em sua trama é o fato de que Edelgard, Dimitri e Claude não são mocinhos nem vilões: eles simplesmente estão numa área cinzenta da moral humana, e cabe a nós julgá-los ou não por seus atos e decisões. Essa, na minha opinião, é a maior sacada deste Fire Emblem, já que nós, como indivíduos únicos, fazemos o julgamento que preferirmos a respeito dos personagens — e conselho de amiga: jogue todas as rotas para entender o contexto completo da guerra.
Com o Passe de Expansão, que adicionou uma quarta casa, a esquecida Ashen Wolves, a lore do jogo é ainda mais explorada por meio da história paralela Cinder Shadows, especialmente porque os alunos adicionais — Yuri, Constance, Balthus e Hapi — têm ligações com Edelgard, Dimitri, Claude e o próprio Monastério, isso sem mencionar os locais adicionais que podemos explorar em Garreg Mach. E sim, os Ashen Wolves, se não recrutados, também se tornam nossos inimigos durante a guerra, a depender da rota que escolhemos.
Um cuidado ímpar com a história
A jogabilidade de Fire Emblem: Three Houses pode ser considerada um divisor de águas dentro do próprio fandom, com algumas pessoas dizendo que, embora ela traga mecânicas de qualidade de vida bem-vindas, peca na parte estratégica que consagrou a franquia. Contudo, é inegável que a qualidade da trama é extremamente elogiada: os personagens e seus relacionamentos trazem um lado humano, mesmo dentro da ficção, que, até então, era pouco explorado nos outros jogos.
Eu poderia passar horas e mais horas discorrendo sobre Three Houses, explicando meus motivos por gostar ou desgostar de certas personalidades — assunto não me falta. Seja como for, após cinco anos de seu lançamento, vale a pena relembrar, mesmo que a pinceladas, o motivo pelo qual Three Houses se destaca como um dos melhores títulos no âmbito narrativo desta incrível série da Intelligent Systems.
Revisão: Davi Sousa
Capa: Juliana Paiva Zapparoli