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Análise: Dicefolk (Switch) une carisma e diversão em um excelente roguelite

Recrute e crie a equipe perfeita de Quimeras nesta aventura viciante.

Desenvolvido pelos estúdios LEAP e Tiny Ghoul, Dicefolk é um dos títulos mais divertidos que joguei neste ano no Switch. Com jogabilidade e mecânicas únicas, que unem combate por turnos com dados personalizáveis, além da captura e coleção de criaturas fantásticas, este é um jogo que merece ser conferido por quem deseja uma experiência leve, mas cativante dentro do estilo roguelite. Vamos à análise!

Onde habitam animais fantásticos

Dicefolk nos apresenta a Terra do Amanhecer, um universo fictício em que os humanos vivem ao lado de criaturas míticas, chamadas de Quimeras. Embora a coexistência entre ambos fosse pacífica, um terrível acontecimento no passado quase resultou na extinção da humanidade.

Há três séculos, o feiticeiro louco Salem enfeitiçou as Quimeras mais poderosas de toda a Terra, tornando-as agressivas e instaurando um estado de permanente conflito. Confrontada com a possibilidade real de sua dizimação, a humanidade fez o possível para sobreviver até os dias atuais, enquanto Salem descansa profundamente no coração do pico chamado Eborian, exercendo seu domínio maligno sobre a fauna mágica.

É nesse contexto que surgem os Dicefolk que dão nome ao jogo. Mestres do controle de dados, esses humanos são capazes de comandar Quimeras usando os seus dados mágicos. Alea, a nossa heroína, é uma Dicefolk que descobre também ser capaz de fazer amizade com Quimeras e, com isso, decide acabar com o reinado de Salem.

Assim, no controle da jovem e suas comandadas, caberá a você lutar contra as forças do mal e exterminar todo e qualquer risco à humanidade de uma vez por todas. Pronto para a missão, caro leitor?

Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia…

A abundância de Quimeras e o seu caráter fantástico por natureza, bem como o sistema de combate por turnos, podem logo suscitar uma comparação de Dicefolk com Pokémon. Porém, as semelhanças entre a aventura de Alea e a franquia da Nintendo param por aí; esta jornada tem muito mais em comum com deckbuilders à la Slay the Spire e Monster Train, até por conta de sua estrutura e características roguelite. 

Logicamente, a grande diferença é que aqui, ao invés de cartas para o nosso baralho, temos a opção de encontrar e recrutar monstrinhos a cada nova partida. Ao iniciar um jogo e escolher um dos mapas disponíveis, Alea terá à sua disposição três criaturas (este também é o limite máximo para o time) e um conjunto de dados pré-definidos; a partir daí, é preciso explorar e vencer combates para prosseguir. 

Cada um dos mapas de Dicefolk (são quatro, ao todo) possui três biomas, que, na prática, funcionam quase que como andares de uma torre: para prosseguir ao próximo estágio, é preciso localizar e derrotar um chefe; uma vez que o guardião do terceiro e último bioma de cada mapa seja vencido, o mapa é tido como concluído, liberando o próximo e assim por diante.

Claro, como é natural a um roguelike/roguelite (Dicefolk entra na segunda categoria por permitir desbloqueios entre as partidas), elementos como adversários, os itens disponíveis nas lojas, a disposição dos pontos de interesse e até mesmo as criaturas que você poderá encontrar são gerados aleatoriamente, o que torna cada partida diferente da anterior e incentiva o fator replay. 

Além disso, visto que os biomas começam encobertos e a exploração é obrigatória para revelar as áreas adjacentes, há uma interessante e constante dinâmica de risco e recompensa diretamente atrelada à capacidade do jogador de extrair o máximo de cada combate, cujas mecânicas são de longe o ponto mais positivo e o grande diferencial deste título.

Que rolem os dados

Os confrontos em Dicefolk se dão no formato três contra três e suas variações (2x1, 2x2, 1x3…), sendo que as ações são definidas pelos dados de cada time, rolados aleatoriamente a cada novo turno. O grande “pulo do gato” aqui é que o jogador não controla somente os seus movimentos, mas também os do adversário, escolhendo em que ordem seus dados serão executados, por exemplo.

Como somente a Quimera líder de cada time pode performar ações como ataques diretos (ou recebê-los), essa mecânica prova-se muito interessante e abre um leque de possibilidades para cada batalha. Como exemplo, imagine que o oponente possui três dados de ataque, e você, três de rotação do time.

Ao invés de sua Quimera líder receber três golpes diretos (e possivelmente desmaiar no processo), é possível rotacionar o seu time de modo que cada uma das suas criaturas receba um golpe, e, assim, todas sobrevivam até o próximo turno. Outro exemplo: há uma face de dado especial chamada espelho, que repete o último movimento feito, independentemente da equipe que o realizou.

Você precisa de um ataque ou uma rotação extra no turno? Ative o seu espelho após usar o ataque/rotação do inimigo e veja o seu desejo se realizar. Fácil de entender, difícil de dominar, essa dinâmica exige a atenção do jogador para prosseguir, já que uma pequena sucessão de erros simples pode transformar uma vitória encaminhada em uma derrota amarga. 

Junte a isso a imensa variedade de Quimeras (são mais de 100 disponíveis), itens equipáveis e dados que podem ser personalizados e combinados e ficamos com uma fórmula instigante e viciante, que se mantém divertida mesmo após sucessivas partidas. Embora demande prática e um certo entendimento das mecânicas do jogo, recrutar a equipe perfeita (ou algo próximo disso) é uma tarefa, então, que vale a pena em cada um dos cenários.

Temos que pegar todos

Quimeras novas são recrutadas em Santuários. Há três em cada nível, mas é possível recrutar um parceiro em um deles apenas uma vez por bioma. De modo geral, achei as criaturinhas bem carismáticas: monstrinhos como Hydranath e Galvirin não destoariam em títulos como Sword & Shield ou Scarlet & Violet se fossem adaptados para três dimensões, por exemplo, e há até um compêndio que vai sendo completado conforme você as encontra nas partidas, ao melhor estilo Pokédex.

Na busca por ser o melhor treinador Dicefolk que já existiu, é imprescindível prestar atenção nos stats de cada Quimera, como ataque, pontos de vida, habilidades e espaços para equipamento. Esse último ponto é especialmente importante, pois há mais de 120 itens in-game e muitos deles podem gerar combinações “quebradas” (no bom sentido), capazes de conduzir a uma vitória fácil graças à sinergia entre seus elementos.

Minha Hydranath iridescente, por exemplo, possuía uma habilidade especial: toda vez que se tornasse ou deixasse de ser a líder da equipe em combate, ela atacaria até três vezes o líder oponente. Sabendo disso, assim que possível, procurei transformar mais faces dos meus dados em ações de rotação, fazendo com que qualquer movimento nesse sentido infligisse altos danos nos oponentes.

Agora, algo que pode desapontar alguns jogadores e precisa ser mencionado é a ausência de desenvolvimento das Quimeras, algo um pouco incomum em jogos que contam com o aspecto de coleção de monstros. Basicamente, independentemente de perder ou vencer uma partida, não há como continuar usando o mesmo time, até por conta da estrutura roguelite de Dicefolk.

É até possível encontrar o mesmo monstrinho novamente, mas os desbloqueios entre partidas são voltados totalmente para novos itens e Quimeras, que passam a integrar o leque de opções procedurais, ficando assim disponíveis para as runs subsequentes. A meu ver, seria muito interessante poder salvar um time para partidas futuras, talvez na dificuldade mais elevada (Provação), que traz novos modificadores para as partidas e é desbloqueada quando se completa o jogo da primeira vez.

Dessa forma, seria possível inclusive estabelecer uma conexão maior entre Alea e seus comandados, até mesmo para fins narrativos — outro ponto que é subdesenvolvido durante a aventura, apesar das belas animações e ilustrações que hora ou outra pipocam na tela. Quem sabe em uma eventual sequência?

Um port competente

Dicefolk foi originalmente lançado para PCs e recentemente chegou ao Switch. Felizmente, o processo de adaptação foi bem-conduzido, e alegro-me ao dizer que estamos diante de um port sem problemas técnicos como quedas na taxa de quadros ou baixa resolução no modo portátil/TV. Também há suporte completo ao português brasileiro, o que ajuda principalmente na leitura e compreensão dos efeitos e gatilhos condicionais mais complexos durante as batalhas. 

Devo mencionar que o estilo de jogo de Dicefolk também combina perfeitamente com a natureza híbrida do console da Nintendo, sendo possível progredir em pequenas sessões ou até mesmo de combate em combate, o que acaba se tornando mais fácil quando se tem a versatilidade do Switch à disposição. Caso você não possua um Steam Deck ou um notebook em mãos, são pontos a se considerar e que transformam, na minha opinião, a versão nintendista em uma ótima forma de experimentar a obra dos estúdios LEAP e Tiny Ghoul.

Uma aventura inovadora e recomendada

Como um fã de roguelites e jogos de combate em turnos, Dicefolk me surpreendeu muito positivamente, se tornando rapidamente uma aventura que eu recomendaria facilmente para quem também aprecia esses gêneros. Embora alguns aspectos como a narrativa e a relação com as Quimeras sejam subutilizados, é difícil não se engajar com o seu sistema de combate inovador, especialmente tendo em vista o vasto número de combinações possíveis a cada nova partida. Que venham as sequências!

Prós

  • Sistema de combate divertido, que prende a atenção do jogador ao colocá-lo como responsável direto pelas suas ações e também as do oponente;
  • Centenas de Quimeras disponíveis para serem encontradas e usadas em batalha;
  • Milhares de combinações possíveis entre monstrinhos, itens e dados, incentivando a experimentação e recompensando os mais ousados com builds capazes de “quebrar o jogo” (no bom sentido);
  • O modo desbloqueável Provação, com modificadores, fornece mais desafio para os entusiastas da proposta;
  • Suporte ao português brasileiro;
  • O estilo de jogo que combina com a versatilidade do Switch e a adaptação competente tornam a versão nintendista uma ótima forma de vivenciar este título.

Contras

  • A narrativa do jogo é subutilizada, contrastando com as belas ilustrações e animações que surgem ocasionalmente;
  • A ausência de desenvolvimento das Quimeras e da opção de salvar um time ou monstrinho acaba minando o desenvolvimento de vínculos entre o jogador (no papel do Dicefolk) e suas criaturas.
Dicefolk — PC/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Good Shepherd Entertainment

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
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