Crônica

Mother e Eu

Como Mother me ajudou a crescer.

As melhores coisas vêm em três. Du, Dudu e Edu; Os Três Patetas; O Senhor dos Anéis; Evil Dead; a Trilogia Godzilla Kiryu; sorvete napolitano… o mesmo vale para o mundo dos games: Mass Effect; Baldur’s Gate; Metroid Prime; e, obviamente, o tópico de hoje, Mother. A obra-prima de Shigesato Itoi, trilogia sobre as desventuras de três jovens em mundos bizarros e tragicômicos, é uma das minisséries mais icônicas e influentes dos jogos, recebendo diversas homenagens e títulos indies diretamente inspirados por suas loucuras.


Mas, para mim, ela serviu como um ponto de transição da minha vida, quando o jovem virava adulto da mesma forma que um garoto saía de sua casa para esmurrar hippies e corvos com tacos de beisebol e poderes psíquicos. Em comemoração aos 35 anos da trilogia, eu resolvi fazer uma trilogia de posts para apresentar meus sentimentos sobre os jogos, começando por uma rápida recapitulação histórica e pensamentos pessoais.

Pegue seu suco de laranja, io-iô e ocarina e venha comigo.

Um introdução incomum

Para muitos jogadores, a introdução de Mother foi por meio da série Super Smash Bros. Ness e sua franquia são figuras presentes desde o primeiro jogo, crescendo em representatividade a cada título, com stages, músicas e Trophies/Stickers/Spirits representando os três capítulos da saga.

Minha história é parecida, mas diferente: meu primeiro contato com Mother foi por meio do jogo flash Super Smash Flash 2, uma versão criada por fãs para ser jogada no computador. Acredito que foi em 2012.

No meio do elenco de personagens como Mega Man e Naruto, estava um moleque cabeçudo, olhos de pontinho no melhor estilo Tintim e uma atitude ativa. Logo que eu o vi, ele não me impressionou. O que um pirralho poderia fazer quando se tem titãs como Wario e Captain Falcon no elenco?
Então ele invocou diversos poderes elementais e me mandou para o espaço com uma chuva de meteoros e estrelas. Com Jigglypuff tendo um moveset igualmente destrutivo e Kirby sendo um conhecido meu de longa data graças ao anime, eu aprendi uma lição valiosa com o jogo: fofo quer dizer mortal.
Entre 2013 e 2014, adquiri tanto meu 3DS quanto Smash for 3DS e ampliei meus horizontes com franquias que eu nunca tinha jogado antes;, entre elas, estava Mother. Eu me apaixonei por RPGs graças a Mario & Luigi: Dream Team, mas demorou mais dois anos para que eu tivesse pique para experimentar a trilogia criada por Itoi.


O segundo filho, o mais famoso

Então veio 2016. Eu finalmente tive a determinação e vontade em experimentar emulação e entupi meu celular com jogos de SNES, completando promessas de jogar títulos que eu tanto ansiava quando crianças, mas nunca conseguia por diversas questões. E entre esses títulos estava Mother 2, conhecido mundialmente como EarthBound (curiosamente, foi nesse período que eu comecei Undertale no PC, mas isso é história para outro dia).

Podem imaginar a minha surpresa quando não apenas o jogo se passava no mundo moderno, mas tudo nele era… bom, moderno. Eu já estava acostumado com a beleza medieval de RPGs, então ver uma narrativa tão próxima da realidade era algo que prendeu minha atenção instantaneamente — isto é, próximo da realidade até um hippie xingar minha mãe, membros da Klan de azul e uma viagem alucinógena “totalmente por causa de café”.

O universo daquele jogo gentil havia me prendido tanto que eu parei de jogar qualquer outro no momento para me focar inteiramente nas desventuras de Ness por Eagleland. A jogabilidade era quase perfeita — digo quase porque às vezes o combate podia ficar frustrante contra certos inimigos, sem botão de correr e como a mochila ficava rapidamente lotada —, cada personagem era memorável, tinha um humor impecável que até hoje me faz rir alto, uma excelente trilha sonora e uma ambientação absurda, com o jogo ficando gradativamente mais sombrio, mas sem perder o carisma de poder ser uma brincadeira de criança.

Então, no icônico e aterrorizante clímax com uma dupla de vilões horríveis (um mal Lovecraftiano imparável e a criança mais diabólica já imaginada desde Damian de A Profecia), aconteceu um dos momentos mais belos que eu já vi em mídia, algo que eu não me atrevo a falar aqui para não estragar a surpresa, mas digamos que Ness precisa de ajuda. Finalizado o jogo, eu tirei alguns dias para digerir o final.

E sabem o que fiz depois? Prontamente instalei um emulador de GBA, porque eu aceitei que a Nintendo não traria Mother 3 para o Ocidente tão cedo.

O terceiro filho, a jornada proibida

2017 foi marcado por três RPGs que entraram na minha vida: Chrono Trigger, Project X Zone e Mother 3. Lembram como eu tinha dito que a franquia simbolizava crescimento, de jovem para homem? Eu não estava brincando: esse foi o ano que eu entrei na faculdade, marcando o começo e término de diversas coisas na minha vida e a descida de Lucas em uma espiral de dor e tragédia.

Meu primeiro conhecimento de Mother 3 foi a parte de EarthBound e num lugar bastante peculiar: antigamente, existiam esses itens valiosos chamados revistas e uma delas era a Mundo Estranho. Em uma das edições da chamada Mundo Estranho Games, teve um Top 10 de finais mais tristes e Mother 3 estava lá no topo, prontamente pegando meu interesse.

O jogo, que era pra ser lançado para o Nintendo 64 (64DD mais especificamente), ficou em development hell por anos até ser finalmente lançado para o GBA, é uma obra-prima em questão de críticas e roteiro, com personagens e músicas tão icônicas quanto seu final. Lucas é o protagonista mais expressivo dos três garotos e sua história é tão trágica que eu me pergunto se o Itoi estava passando por maus momentos em sua vida quando a escreveu.

Admito, porém, que existem dois fatores inferiores aos demais jogos: a escolha de separar o jogo em capítulos foi esperta para se adaptar ao tamanho de armazenamento do GBA e como progressão de história, mas também limita exploração e pode fazer diversos itens serem perdidos permanentemente. O outro é o combate que poderia ser o melhor de todos se não fosse pela escolha de combos por meio de ritmo, que pode ser mais frustrante e tedioso. Fora esses pontos? Glorioso.

Poucos jogos me fizeram chorar, e Mother 3 não é exceção — não apenas no final, pois eu lacrimejei em certa sequência envolvendo girassóis também. E, ainda assim, o jogo segue sendo exclusivo do Japão, com demandas e piadas que se estendem por quase duas décadas.

Se eu aprendi uma coisa, é que demanda popular e insistência têm peso sobre aquilo que o povo quer, então quem sabe…

O que significa crescer

RPG deve ser o melhor gênero para apresentar crescimento e amadurecimento do protagonista, mas, principalmente, do jogador. Aquele chefão logo no começo do jogo que parecia ser imbatível e poderoso, ao ser derrotado, normalmente aparece mais tarde como inimigo comum, facilmente obliterado pela força adicional do jogador.

Mother 3 é um ótimo exemplo disso, com Lucas sendo uma criança bastante delicada que precisa do auxílio de seu irmão gêmeo, Claus, para se defender de tudo, inclusive de um pequeno grilo com má atitude. Depois do timeskip e tendo ficado mais forte, Lucas reencontra o grilo e o vence com uma facilidade enorme.

Talvez tenha sido isso que me atraiu tanto. Como eu disse, eu estava em um período de transição, encoberto de dúvidas e mudanças. O período entre M2 e M3 foi meu último ano no Ensino Médio e meu primeiro na faculdade, além de ter começado meu primeiro namoro.

Eu era jovem, ativo, mas inexperiente, cometendo erros e acertos na minha jornada. Inseguro sobre meu futuro, do que cursar e como seguir adiante, tendo dúvidas inclusive sobre meu potencial devido ao meu desempenho baixo nas Exatas.

Mas ver as aventuras de Ness e Lucas impulsionava o meu melhor. Eu consegui superar o Ensino Médio (fui até o paraninfo da minha classe), passei em uma boa faculdade e comecei um curso que eu queria bastante. Batalhei para ir atrás dos meus outros sonhos, tirei a CNH e terminei uma relação que estava só me puxando para uma espiral de desespero.

Eu devo a muitas coisas pelo meu crescimento, sejam familiares, amigos e até mesmo mídias que consumi, e não posso deixar de dar créditos aos dois garotos que vieram do nada e mudaram o mundo.

Espera… Eu disse dois? Eu acho que estou esquecendo de mais alguém… E uma trilogia deveria contar com três jogos, não dois… Fiquem ligados para o artigo de amanhã.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

Formado em Publicidade e Propaganda na USC e especializado em Marketing Digital, sou Editor de Vídeos também, meu TCC foi sobre a Guerra dos Consoles e evolução da publicidade nos games. Jogo um pouco de tudo e também escrevo. Me descrevo como um artista.
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