Metroidvania: a cronologia de um gênero (1984-2024)

São 40 anos de história e evolução que ainda tem muito a dar.

em 22/07/2024

Este artigo está relacionado a outros dois que publiquei no GameBlast, chamados Enciclopédia Metroidvania:
O objetivo de hoje complementa o panorama: traçar uma cronologia de metroidvanias desde os precursores até a atualidade, mencionando mais de 90 títulos. O começo deste tipo de jogos foi lento e levou bastante tempo até formar características claras e ainda mais tempo restrito a algumas poucas desenvolvedoras e séries, até deslanchar de vez como um formato muito popular entre os indies.

Por isso, vamos ver períodos de tempo que abarcam vários anos e, a partir de 2015, as principais obras de cada biênio. É bom lembrar que nem todo título apresenta todas as características de um gênero, nem todos as carregam nas mesmas proporções. A ideia é que, mais que uma fronteira exata, um gênero é um descritor. Logo, alguns títulos a seguir não são metroidvanias estritos, mas compartilham de parentesco suficiente para fazer parte de sua história.

Sem mais delongas, vamos voltar a 1984, antes de o primeiro Metroid existir.

1984-1993



Esses jogos não são metroidvanias, mas fazem parte do universo de design que experimentava com mapas grandes, contínuos, conectados, ramificados e não lineares. Podem ser chamados de precursores ou de protometroidvanias, como ensaios para as possibilidades que seriam desenvolvidas depois.

Em 1984, dois jogos singraram essas trilhas tortuosas: Montezuma’s Revenge e H.E.R.O.  No ano seguinte veio Xanadu. O ano marcante, porém, foi 1986, que deu ao mundo Metroid e The Legend of Zelda, com importantes avanços de design que aprofundaram vários conceitos de liberdade e agência e influenciaram as aventuras criadas a partir de então.

Assim, a segunda metade da década de 1980 viu mais bons títulos surgirem, como Castlevania II: Simon’s Quest, The Goonies II, Blaster Master e, em especial, Wonder Boy III: The Dragon’s Trap. Os anos seguintes foram mais contidos, mas 1991 trouxe a heroína espacial de volta em Metroid II: Return of Samus e o menos conhecido Ufouria:The Saga.

1994-1997


Alguns jogos de SNES em 1994 brincaram com conceitos de progressão e interconexão que mais tarde seriam definidores, como Demon’s Crest, Super Adventure Island 2 e Monster World IV. No entanto, foi com Super Metroid que a base do gênero nasceu de verdade, com todas as armas prontas. O mundo interconectado, a exploração progressiva por ganho de habilidades, as melhorias de personagem, o sistema de mapa, estava tudo ali com uma grande qualidade que se sustenta até hoje. O ano de 1995 merece uma menção honrosa de Magic Pop’n.

Em 1997 a metade “-vania” entrou na equação com Castlevania: Symphony of the Night. A inspiração declarada pelo produtor Koji Igarashi é o mundo aberto de The Legend of Zelda, mas as semelhanças com Super Metroid são inegáveis. SotN foi um metroidvania exemplar que adicionou elementos de RPG e envelheceu muito bem.

2001-2002


Após alguns anos adormecido, 2001 marcou o retorno de Drácula, com Castlevania: Circle of the Moon, no Game Boy Advance. Metroid só deu as caras no ano seguinte, mas foi em grande estilo: além de Metroid Fusion, para o portátil, deu uma guinada com Metroid Prime em primeira pessoa no GameCube. Mesmo com o sucesso deste jogo, até hoje os metroidvanias tridimensionais são pouco difundidos. Foi nessa época que o termo metroidvania começou a ser usado aqui e ali pela internet.

Em 2002 teve também The Eternal Daughter (de Derek Yu, que depois criaria Spelunky). Ainda que seja amplamente desconhecido até hoje, é um título historicamente importante por ser um lançamento independente para PC (gratuito) e ter se inspirado intencionalmente em Super Metroid e SotN, antecipando o surgimento do conceito como um gênero expandido para além das duas franquias.

2003-2008


Os anos que se seguiram deram continuidade tanto a Metroid quanto Castlevania. A saga de Samus Aran teve mais quatro incursões entre esses anos, sendo uma delas um remake (Zero Mission) e três em primeira pessoa na série Prime (Echoes, Corruption e Hunters).

Com cinco lançamentos praticamente anuais e restritos aos portáteis da Nintendo (Harmony of Dissonance, Aria of Sorrow, Dawn of Sorrow, Portrait of Ruin, Order of Ecclesia), a série dos caçadores de vampiros manteve seus jogos de consoles domésticos fora do formato metroidvania.

Esse período teve apenas mais três destaques. O primeiro foi Cave Story, de 2004. Criado por um desenvolvedor solo, Daisuke Amaya, o jogo mostrou elevada qualidade de game design e uma narrativa bem mais elaborada que suas inspirações famosas, ganhando relançamentos e remake para três consoles Nintendo. O segundo foi La Mulana, de 2006, um jogo obscuro e punitivo, muito bem definido pela dicotomia ame ou odeie. O terceiro foi Aquaria, em 2007, que também foi feito por Derek Yu e apresentou movimento livre em um mundo sob a água.

2009-2014


Os anos seguintes ainda foram tímidos para os metroidvanias. Após o morno Lords of Shadow: Mirror of Fate, Castlevania abandonou o formato e Metroid Other M foi marcado por mudanças polêmicas, tornando-o um dos mais rejeitados da série.

Um ponto alto foi Shadow Complex: em 2009, ninguém esperava um metroidvania com cara de blockbuster, com gráficos 2.5D que, feitos no Unreal Engine 3, não ficavam muito atrás dos jogos daquela geração.

A interrupção das séries de Samus e dos Belmont deixou a oferta escassa e alguns títulos específicos tiveram relevância entre os apreciadores, cobrindo a lacuna deixada pelos grandes nomes e difundindo o gênero um pouco mais: Guacamelee!, Steamworld Dig e Dust: An Elysian Tail fecharam a época com bons jogos.

Também Rogue Legacy saiu nesse período, adicionando elementos de geração procedural. São dignos de menção Strider, um reboot da série do ninja, e também Valdis Story: Abissal City, de menor fama que seus contemporâneos por estar até hoje restrito ao PC.

Ao saírem de seus nichos pelas mãos de mais desenvolvedores mundo afora, era perceptível que os metroidvanias estavam em fase de crescimento.

2015-2016



O ano de 2015 foi quando o gênero engatou de vez e não parou mais. Ori and the Blind Forest encantou por unanimidade, Axiom Verge impressionou pelo game design e Apotheon fez um experimento estético marcante. Limitados ao ecossistema do PC, foram lançados Environmental Station Alpha e Castle in the Darkness.

Já 2016 não quis ficar para trás e trouxe os soulsvanias, jogos que perceberam o quanto Dark Souls combina com metroidvanias, traduzindo o estilo da FromSoftware em 2D: Momodora: Reverie Under Moonlight e Salt and Sanctuary.

AM2R foi um ótimo remake de Metroid II feito por fãs. Song of the Deep foi um projeto de paixão de uma desenvolvedora AAA, a Insomniac Games. Rabi-Ribi misturou bullet-hell à fórmula e Severed foi uma mudança de tom dos criadores de Guacamelee!, fazendo um jogo atmosférico com visão em primeira pessoa e bom uso de mecânicas de toque na tela.

2017-2018


Se 2017 tivesse apenas Hollow Knight já seria um grande marco influente, mas aquele ciclo ainda nos trouxe o ótimo SteamWorld Dig 2 e outras boas obras, como o remake Metroid: Samus Returns, Rain World e Sundered. Foi também o ano em que tivemos o remake Wonder Boy: The Dragon’s Trap, que segue fielmente o jogo de 1989 e prova quão bem a gameplay envelheceu, ajudada pela nova animação desenhada que deixa o movimento muito mais intuitivo.

Quando chegamos em 2018, os metroidvanias já estavam aparecendo por todos os lados e já havia quem dissesse que o gênero estava saturado. Eles não faziam ideia de que aquele era apenas o começo! Naquele ano, Iconoclasts fez uma narrativa mais elaborada do que o costume nesse tipo de jogo; já o brasileiro Dandara experimentou com surrealismo e um modelo de movimentação completamente diferente do tradicional de plataforma 2D — e deu muito certo.



Guacamelee! 2 e La Mulana 2 foram continuações de jogos importantes no gênero e também foi quando saiu The Messenger, mas esse eu acho que ficou muito bom na parte linear e fraco no segmento metroidvania.

Se tiver que escolher os dois melhores do ano, fico com Yoku’s Island Express, que fez a loucura de embaralhar metroidvania com pinball (e ficou magnífico) e Monster Boy and the Cursed Kingdom, uma sequência para a série primordial Wonder Boy que se mostrou muito bem feita em todos os aspectos.

2019-2020



O ano seguinte foi especial porque trouxe dois ótimos AAA de ação em terceira pessoa que declaradamente seguiram o modelo metroidvania de perto: Control e Star Wars Jedi: Fallen Order. Outro espécime 3D, Supraland optou pela visão em primeira pessoa.

Como a Konami deixou Castlevania na geladeira por anos, um dos grandes nomes da série, Koji Igarashi, resolveu fazer um sucessor espiritual por conta própria: Bloodstained: Ritual of the Night, jogo de enorme sucesso de financiamento coletivo.

Um soulsvania chamou a atenção do público com sua pixel art detalhada e repleta de simbolismo mórbido: Blasphemous. No campo dos pequenos projetos, Vision Soft Reset inovou com sua mecânica única de manipular o tempo e os pontos de salvamento.

Em 2020, Ori and the Will of the Wisps superou seu antecessor e se estabeleceu como o metroidvania mais exuberante já feito. Carrion deu arrepios com sua abordagem de horror em que nós controlamos a coisa monstruosa devoradora de gente e Phoenotopia Awakening deu a luz a um mundo enorme e repleto de segredos. Se os dois últimos não se encaixam perfeitamente na fórmula e você prefere algo mais tradicional, então Alwa’s Legacy pode servir mais ao seu gosto.

2021-2022


Os lançamentos constantes realmente parecem saturar o gênero! Felizmente, muitas obras continuam sendo dignas de atenção. Em 2021, Samus retorna após muito tempo nos bastidores, trazendo o melhor combate da série em Metroid Dread.

F.I.S.T. Forged in Iron Torch colocou um coelho durão em um exoesqueleto para lutar no futuro distópico com gráficos 2.5D de alto nível. Aeterna Noctis apelou para seu mundo gigantesco e desafios intensos de plataforma de precisão.

Unsighted, game brasileiro, fez um design eficiente como um todo e implementou um tenso sistema de gerenciamento de tempo de vida limitado (seu e dos NPCs). Astalon: Tears of the Earth introduziu um grupo de personagens intercambiáveis com diferentes habilidades. Dois ótimos soulsvanias deram o ar de sua graça: Grime e Ender Lillies: Quietus of the Knights.

Já 2022 foi mais discreto, ofertando vários jogos que, mesmo sendo bons, não fizeram muito barulho. Destaco a atmosfera profunda de Ghost Song, o gracioso Islets, o retrô Infernax, o pós-apocalíptico HAAK e a sequência soulslike Salt and Sacrifice.

2023-2024



Além de sequências de renome, como Blasphemous 2 e Star Wars Jedi: Survivor, 2023 nos brindou com os enormes Afterimage e TEVI, além de The Last Faith, Pseudoregalia, Vernal Edge, Lone Fungus, entre muitos outros.

Os mais inusitados? Que tal Disney Illusion Island, estrelado por Mickey e seus amigos? Quer um mais diferentão? Laika: Aged Through Blood faz sua ação brutal com combates acrobáticos sobre uma moto, que se move como em Elasto Mania e a série Trials (e a trilha sonora é incrível, sério, vá ouvir agora no YouTube).



Chegando à atualidade, 2024 começou muito bem ao reviver uma série clássica com Prince of Persia: The Lost Crown, um metroidvania que acerta em tudo o que faz. Animal Well impressionou com seus puzzles e atmosfera, enquanto Nine Sols o fez com seu desafio brutal. Ultros viajou no visual psicodélico e nos loops temporais. As sacerdotisas que lutam com folhas de bordo deram seu adeus em Momodora: Moonlit Farewell. Minishoot Adventures fundiu com jogo de "navinha". Tales of Kenzera: ZAU passeou por uma África fantástica. Bo: Path of the Teal Lotus mostrou que é um ótimo discípulo de Hollow Knight e também bonito de cair o queixo.

E mal passamos da metade do ano!

Interlúdio

Com essa linha temporal, podemos ver como as fontes dos metroidvanias remontam a quatro décadas atrás e como duas séries dominaram o estilo por quase quinze anos. Apenas alguns indies pioneiros ousaram entrar em campo nessa época, mas foram eles que abriram as portas para os jogos independentes que viriam suprir a lacuna deixada pela ausência de Metroid e Castlevania. Foram esses desenvolvedores inspirados que saíram da estagnação, aprimoraram o gênero e o tornaram firme, forte e confiante para expandir suas raízes e se misturar a outros tipos de games.

Este é o final da cronologia — até agora. Na verdade, esta conclusão está mais para interlúdio do que para encerramento. Dá para ver que os metroidvanias continuam brotando de todas as partes e criando híbridos de variadas ideias. Com as dezenas de jogos previstos para os próximos anos, o gênero continua crescendo em conceitos, estética e alcance. Veremos o que o futuro guarda.

Revisão: Vitor Tibério
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Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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