Análise: TSUKIHIME -A piece of blue glass moon- (Switch): o clássico sobrenatural urbano renasce sob uma nova ótica

Remake da visual novel clássica chega ao Ocidente pela primeira vez em sua edição de Switch.

em 12/07/2024

TSUKIHIME -A piece of blue glass moon- é um remake da visual novel clássica Tsukihime, desenvolvida pela Type-Moon e lançada no Japão no ano 2000 como um doujin. De lá para cá, a empresa e o seu autor, Kinoko Nasu, se tornaram muito mais famosos desde o lançamento e popularização de Fate/Stay Night e seus vários spin-offs na forma de anime, mangá, light novel e jogos variados.

Agora em uma condição mais confortável no mercado, a Type-Moon firmou parceria com a Aniplex para retornar a sua obra seminal no mundo das visual novels. Melhor ainda, ao contrário do mercado da época, temos a oportunidade de jogar o título em inglês e conferir o resultado.

Na prática, o que temos em mãos agora é um remake que cobre a Near Side of the Moon, o que equivale às duas primeiras rotas do jogo. Porém, muito mais do que isso, esta é uma versão totalmente reprojetada para um contexto contemporâneo e com uma visão muito mais detalhada do mundo concebido por Nasu. Como resultado, já adianto que estamos diante de um ótimo representante do que o gênero é capaz de fazer.

Repensando um clássico

Tsukihime é uma visual novel de fantasia urbana e mistério com elementos de terror sobrenatural e psicológico que foi originalmente lançada no ano 2000 no Japão. A obra conta a história de Shiki Tohno, um jovem rapaz que retorna para a mansão de sua família após a morte de seu pai, mas acaba se envolvendo com o lado sobrenatural da cidade em que vive durante um caso de misteriosos assassinatos em série.

Com A piece of blue glass moon, a história foi bastante ampliada, tendo em especial o foco em desenvolver mais a fundo os elementos de lore que compõem o universo ficcional projetado por Kinoko Nasu. Embora possa ser jogado independentemente, o título compartilha o seu mundo com as outras obras do escritor, incluindo Witch on the Holy Night e Fate/Stay Night.

Porém, o título não é apenas o mesmo clássico alargado para expressar mais conceitos e adicionar novas personagens. Na verdade, temos aqui uma releitura completa dos eventos. Um bom exemplo disso é que, desta vez, a história se passa em uma época mais moderna, na qual smartphones são parte da vida cotidiana.

Outra preocupação que impactou drasticamente a produção foi o uso de vozes para os personagens. O título original não tinha nenhuma dublagem, enquanto a nova versão tem dubladores para todos os personagens. Com isso, foi importante repensar toda a lógica dos diálogos para que eles fluíssem de forma natural e expressassem de forma clara as personalidades dos indivíduos.

Por conta de todas as diferenças, temos aqui um verdadeiro remake, que repensa totalmente a sua lógica e a forma de apresentar o drama de Shiki em uma nova geração. Mesmo já tendo jogado o original, senti que a nova trama é bastante empolgante e consegue apresentar as personagens sob uma nova luz.

Vale destacar, porém, que em alguns momentos, especialmente no início, há algumas introduções um pouco forçadas. Parece que a ideia era expandir bastante a lore, mas isso quebra um pouco momentos que poderiam ajudar mais na introspecção, especialmente se compararmos com a apresentação do Tsukihime original.

Um modelo labiríntico de escolhas

Quando se trata de uma visual novel, há várias formas de se pensar no design de escolhas para o jogador e a forma como elas ramificam a narrativa. No caso específico de Tsukihime, é como se as opções formassem um labirinto que ameaça levar o jogador a um beco sem saída a qualquer momento em casos nos quais se toma uma decisão errada.

Durante vários pontos da trama, podemos fazer escolhas; algumas delas nos levarão a desenvolver mais a fundo as rotas, enquanto outras levarão Shiki a uma morte prematura. Em alguns momentos, seremos mortos pela falta de cautela; em outros, é justamente cautela demais que faz com que o protagonista perca um timing ideal de ação.

Inicialmente, podemos fazer apenas a rota da Arcueid, a garota loira que estampa a capa do jogo. Entender sobre as condições dela primeiro é central para a obra, já que ela explica vários detalhes sobrenaturais fundamentais. Só depois disso é que podemos focar nossa atenção em Ciel, com decisões adicionais que permitirão abrir a sua história e explicarão mais a fundo quem é a “senpai” carismática e igualmente misteriosa.

Caso o jogador tome uma decisão ruim e alcance um final prematuro de morte, acessamos um sistema especial chamado “Teach Me, Miss Ciel!”. Nele, versões metaficcionais de Ciel e Arcueid (na prática, Neco-Arc) comentam sobre o que o jogador fez de errado. Além de ser uma forma útil de entender o que fazer para avançar, são momentos divertidos que recompensam o jogador que quiser vasculhar todas as possibilidades em vez de simplesmente usar um guia para avançar para o final correto.

Também temos a possibilidade de criar vários saves em paralelo para testes e há um fluxograma detalhado para revermos nossas decisões a qualquer momento. Sistemas de qualidade de vida incluem: registro de falas (com possibilidade de retornar a esses momentos para tomar outras decisões), passagem automática do texto, skip, rewind e até mesmo botões para pular para o próximo capítulo ou o anterior. Com tudo isso em mãos, a experiência é muito confortável e ideal dentro do que o gênero consegue oferecer.

Um espetáculo à parte

A qualidade de seus aspectos audiovisuais é uma coisa que chama muito a atenção em particular em TSUKIHIME -A piece of blue glass moon-. Não temos apenas as belas ilustrações de Takashi Takeuchi atualizadas, mas um verdadeiro espetáculo em animações.

Muitas obras do gênero costumam se contentar com um enquadramento simples dos personagens simulando um diálogo e algumas poucas cenas especiais (CGs), pois o corte de custos é fundamental para o gênero. Aqui, o enquadramento frequentemente muda e temos muitas ilustrações para cada cena e efeitos especiais para ressaltar aspectos psicológicos e momentos de ação. Até mesmo alguns trechos mais simples de diálogo abusam do posicionamento dos personagens para criar momentos únicos e especiais.

Como alguém que acompanha o mercado há um bom tempo e entende as limitações do gênero, a sensação de jogar este remake é a de vivenciar um absurdo. A equipe fez um esforço muito maior do que o que se espera e abusou das suas sensibilidades artísticas para construir uma experiência acima de qualquer padrão de qualidade que o mercado possa oferecer no momento.

Junto com essa alta quantidade e qualidade de ilustrações e animações, temos efeitos visuais e sonoros que reforçam o tom de estranheza de tudo. Tsukihime é, antes de tudo, uma experiência de percepção que busca nos colocar na pele do protagonista, sentindo o peso de como as coisas sobrenaturais tomam conta de seu cotidiano e ele fica impossibilitado de simplesmente levar uma vida comum.

No lado sonoro, a trilha chama a atenção com várias músicas de alta qualidade, sendo possível notar como elas se aproveitam dos motifs do jogo original. Um bom exemplo disso é Tsukihime:re, que repensa o tema do original com uma instrumentação mais suave. Ao mesmo tempo, o toque mais grave de Vlov:I reforça a atmosfera sombria e pesada do encontro com esse novo personagem.

Além disso, é fundamental mencionar a excelente atuação vocal dos dubladores dos personagens. O jogo só conta com vozes em japonês, enquanto o texto inclui inglês, japonês e chinês (simplificado e tradicional). Como é usual de dublagens nipônicas, os personagens realmente ganham vida com performances recheadas de emoção e altamente vívidas.

O texto em inglês também oferece, de forma geral, uma ótima leitura. Momentos com errinhos ou construções gramaticais estranhas foram raríssimos e as escolhas de terminologia e apresentação do texto fizeram com que isso se tornasse cada vez menos notável. Conforme a história escala, o esforço de manter as vozes dos personagens bem diferenciadas vai acumulando em um texto bem cativante.

Um novo clássico do gênero

TSUKIHIME -A piece of blue glass moon- é uma ótima visual novel de ação, suspense e magia que reprojeta o clássico de acordo com o estilo atual de escrita do seu criador. Com belíssimas animações e um esforço de dublagem de alto nível, o jogo nos oferece um mergulho profundo no universo fantástico proposto por Kinoko Nasu e uma releitura que também vale a pena para quem já conhece o original.

Prós

  • Trama de fantasia urbana extremamente detalhada e empolgante;
  • Uma das obras mais impactantes do gênero visual novel em termos de qualidade audiovisual;
  • Mesmo para quem já jogou o original, os novos elementos da trama são suficientes para valer a leitura;
  • Ótimas opções de qualidade de vida permitem uma navegabilidade confortável pelo texto;
  • Ótimo trabalho de dublagem japonesa e tradução para o inglês;
  • Trilha sonora empolgante que aproveita alguns motifs do original.

Contras

  • Alguns segmentos da história, especialmente no início, parecem forçados para introduzir elementos de lore.

TSUKIHIME -A piece of blue glass moon- — Switch/PS4 — Nota: 10.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Aniplex


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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