Capcom Five: A grande quebra de exclusividade da Capcom com o Nintendo Gamecube

A Capcom Five foi um dos momentos mais controversos da Capcom e um capítulo não tão inusitado da história dos games.

em 05/06/2024

A Nintendo e a Capcom são duas das mais sólidas e antigas empresas da indústria dos jogos, que tiveram um início de importância mútua no mercado. Muitas das franquias mais clássicas e importantes da Capcom se consolidaram e se desenvolveram em consoles Nintendo, principalmente na época do NES e Super Nintendo, o que também contribuiu para tornar esses consoles da "Big N" grandes gigantes do mercado. 

No entanto, não há apenas boas recordações em relação a ambas as empresas, e a história do infame Capcom Five, e como isso prejudicou ainda mais o Gamecube, mostra como a indústria dos jogos é repleta de reviravoltas e atitudes comerciais questionáveis.

Um pouco de história 


Enquanto o NES e SNES tiveram uma adesão massiva de empresas desenvolvedoras e publicadoras de jogos, e a Nintendo estava cercada de companhias parceiras, no Nintendo 64 as coisas mudaram repentinamente. Quando os acordos com a Sony e a Philips sobre a produção de um console com CD foram infrutíferos e problemáticos, a Nintendo preferiu continuar com a mídia de cartucho para o seu então Ultra 64.

A escolha pelo cartucho no Nintendo 64 acabou se tornando um obstáculo que a própria Nintendo criou. Apesar de ser uma mídia mais veloz, o alto custo de produção dos cartuchos e seu espaço de memória limitado acabaram desencorajando as produtoras a trabalharem com a plataforma. Somado a isso, o sistema de desenvolvimento menos amigável e a demora do lançamento em comparação com o PlayStation fizeram que diversas produtoras se afastassem da Nintendo, muitas trabalhando exclusivamente com a Sony.

Uma das empresas que deixou de apoiar a Nintendo de forma mais presente foi a Capcom, lançando apenas três jogos para o console de quinta geração da Big N, apesar de, inicialmente, tido planos de lançar muito mais jogos para o console como o próprio Resident Evil 0.


Para a geração seguinte, a gigante japonesa veio com a promessa de um console poderoso, com um marketing mais maduro e até futurista. Mas logo surgiram problemas como a perda de uma de suas maiores parceiras, a Rare, e a persistente cisma das empresas em relação à Nintendo devido ao N64, além da escolha de uma mídia diferente da usual no momento. 

O Nintendo Gamecube teve um lançamento sutil, aquém do esperado, mas a empresa e uma figura ilustre da Capcom tinham planos que poderiam alavancar o console.

Shinji Mikami e o Capcom Five


Mesmo não estando tão presente nos consoles de mesa da Nintendo desde o N64, a Capcom e a Big N mantiveram relações próximas, com, por exemplo, diversos lançamentos para o GameBoy Advance. Muito dessa proximidade entre as companhias deve-se a Shinji Mikami, diretor e produtor de diversos jogos icônicos, tais como os principais jogos da franquia Resident Evil, que tinha uma ótima relação com a Nintendo. Essa relação entre Mikami e a Nintendo possibilitou, só para citar, a presença exclusiva de Resident Evil e Resident Evil 0 no Gamecube. 

Em dezembro de 2002, a Capcom anunciou cinco grandes jogos exclusivos para o Gamecube, que viriam a ser conhecidos como Capcom Five. Não coincidentemente, todos os jogos desse grupo tinham grande participação de Shinji Mikami. Dos cinco jogos anunciados, sendo eles Dead Phoenix, P.N.03, Killer 7, Viewtiful Joe e Resident Evil 4, apenas quatro foram de fato lançados, três fizeram sucesso e apenas um acabou sendo de fato exclusivo para o console da Nintendo.

Resident Evil 4 e a Quebra da Exclusividade

Ao que tudo indica, Shinji Mikami queria fazer do Gamecube o console definitivo em se tratando de jogos na época, trazendo os principais títulos já lançados da franquia, como o remake do primeiro jogo da série Resident Evil, Resident Evil 0, e os ports de Resident Evil 2, 3 e Code Veronica X. Enquanto o remake de RE foi um sucesso de vendas, RE0 acabou ficando aquém do número de vendas esperado pela Capcom.

Apesar do resultado de RE0, Shinji Mikami não voltou atrás no seu apoio e nos planos para o console, seguindo com o anúncio do Capcom Five, que incluía a continuação da saga Resident Evil, mas com a preocupação de o jogo não ter um desempenho de vendas suficiente no Gamecube. Com o lançamento e fracasso do primeiro jogo, P.N. 03, e o cancelamento de Dead Phoenix, as coisas em torno do Capcom Five começaram a mudar.


Até então, a Capcom reafirmava a exclusividade desses jogos na plataforma Nintendo. No entanto, após o fracasso de P.N. 03, a comunicação da empresa passou a indicar a possibilidade de futuros ports. O segundo game do Capcom Five a ser lançado foi Viewtiful Joe, que, apesar de ter vendido bem e sido ovacionado pela crítica, ainda ficou aquém das expectativas da Capcom. Isso levou a empresa a oficializar a quebra de contrato com a Big N, lançando um port do jogo para PlayStation 2 na tentativa de maximizar as vendas.

Apesar do posicionamento estritamente contrário de Shinji Mikami quanto a levar esses jogos, especialmente Resident Evil 4, para outro console, eles também foram portados para o console da Sony. 


Enquanto o caos ocorria entre Nintendo e Capcom durante os anos de lançamento do Capcom Five, de 2003 a 2005, a mídia especializada e os fóruns fervilhavam. A Capcom, mais de uma vez, tentou afirmar que houve uma confusão de comunicação e que esses games jamais foram pensados como exclusivos, exceto Resident Evil 4, que acabou, de qualquer maneira, nunca sendo exclusivo.

Perdas para a Nintendo, Perdas para a Capcom e a Formação da Platinum Games

Mesmo com o sucesso absoluto de RE4, Mikami ficou insatisfeito com o fato de o jogo não ter sido exclusivo da plataforma Nintendo e com o anúncio do port para PS2 antes mesmo de seu lançamento para o Gamecube. Isso criou claras rusgas entre o produtor/diretor e a empresa. Mikami acabou sendo realocado para outro estúdio da Capcom, o Clover Studio, formado para a criação da continuação de Viewtiful Joe e que deu origem a outros jogos, como Okami. 

Dois anos mais tarde, o estúdio foi fechado e, um ano depois, Shinji Mikami e alguns de seus companheiros do Clover Studio e do Studio 4 abriram uma nova produtora, a Platinum Games. Assim, a Capcom acabou perdendo muitos de seus talentos criativos, responsáveis por grandes franquias como Resident Evil. A Platinum, por sua vez, tornou-se uma boa parceira da Nintendo, produzindo diversos jogos exclusivos para os consoles da empresa.


Enquanto a Capcom perdeu Mikami e sua equipe, as consequências da quebra da exclusividade tiveram um efeito imediato no Nintendo Gamecube. O Capcom Five, que poderia ter alavancado não só a venda do console como também atraído outras produtoras para a plataforma, acabou tendo um efeito quase contrário. As vendas do console ficaram muito aquém do esperado, prejudicando sua imagem perante os estúdios. 

A tentativa de conseguir novamente o apoio massivo das produtoras fracassou e perdurou por muitos anos, até o sucesso absoluto do Switch ter chamado a atenção dos estúdios, que hoje falam de um apoio direto ao sucessor do console.

Por fim…


Há muita confusão quando se trata do Capcom Five, seja com relação à natureza do acordo entre Nintendo e Capcom ou quando essa confusão teria começado. O fato é que Mikami e sua equipe acabaram ficando cada vez mais descontentes com as escolhas da companhia, o que pode ser notado em diversas entrevistas de Mikami ao longo dos anos, em muitas das quais ele se desculpa pela presença de RE4 em outros consoles além do Gamecube. 

Há muito material que ainda pode ser encontrado em agregadores de sites antigos, contendo notícias e mesmo notas oficiais da própria Capcom. Ainda assim, independentemente do destino e da conclusão da história do Capcom Five, muitos desses jogos ou serviram de base para games que viriam depois, como Vanquish, Bayonetta e No More Heroes, ou então revolucionaram completamente estilos, como foi o caso de Resident Evil 4.


Revisão: Cristiane Amarante



Fernando Paixão Rosa, normalmente referenciado por Lorde está escrevendo pela internet a fora há mais de dez anos e com alguns livros publicados. Escutando música 24h/dia, fã de cultura pop em suas muitas manifestações e mais fã ainda das IP's da Nintendo. Registrando as aventuras nos games no Instagram (@lordeverse) e Twitch (@lordeverso).
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