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Análise: Shin Megami Tensei V: Vengeance (Switch) é a excelência em forma de RPG com recrutação de monstros

O incrível título da Atlus retorna em uma versão aprimorada e traz uma campanha inteiramente nova.

Pouco menos de três anos após seu lançamento original, o quinto jogo numerado da franquia de RPGs da Atlus recebe uma versão definitiva denominada Shin Megami Tensei V: Vengeance, trazendo diversos aprimoramentos e uma nova campanha. Superando todas as nossas altas expectativas, o resultado final é simplesmente um dos melhores e mais ambiciosos títulos que o Switch e o próprio gênero têm a oferecer.

O trono divino está vago

Em uma Tóquio aparentemente pós-apocalíptica, Lúcifer aparece no céu e declara que derrotou Deus. Desse evento, nasce uma guerra na qual seres mitológicos e religiosos de todas as crenças imagináveis disputam entre si para alcançar o trono vago e impor sua vontade ao mundo.

No princípio, todas essas entidades eram deuses. No entanto, quando o Deus da Lei assumiu o comando e instaurou o mundo da ordem, ele removeu o conhecimento de seus iguais, rebaixando-os à categoria de demônios. O conhecimento foi escondido por Ele em um paraíso e, por meio da tentação provocada por uma serpente, de forma similar à história contada no Gênesis, acabou indo parar nos humanos.

É nesse contexto que o protagonista de SMT V, um estudante comum, é inserido quando é misteriosamente transportado de uma estação de trem para a Tóquio alternativa. Por sorte, quando está prestes a ser atacado por monstros, um ser misterioso surge e se une ao jovem, dando origem a algo conhecido como Nahobino, uma entidade com potencial tão grande que causa curiosidade, medo e admiração em todas as outras criaturas que habitam essa realidade.

Diferentemente da série spin-off Persona, que é muito mais conhecida no Ocidente e foca bastante em cada indivíduo por meio de relacionamentos e da apresentação de ambições ou desejos suprimidos ou distorcidos (especialmente a partir do terceiro jogo), SMT adota uma perspectiva mais macro, no qual cada personagem pode ser visto como uma representação de aspectos da humanidade ou conjuntos de pensamentos e filosofias.

Graças a essa abordagem, SMT V não apresentava um aprofundamento e desenvolvimento tão grande em cada personagem. No entanto, o mesmo não se aplica ao Cânone da Vingança, a nova campanha trazida por Vengeance. Embora essa nova história utilize muitos elementos da narrativa original (Cânone da Criação, que também está disponível neste título), ela inclui diversos aspectos que a tornam fascinante.


Cabe a você, jogador, decidir qual é o melhor caminho

No novo enredo oferecido por Vengeance, os rapazes Yuzuru Atsuta e Ichiro Dazai, que já estavam presentes anteriormente, são inseridos em novas situações e possuem uma evolução um pouco mais visível, expressando melhor suas motivações. No entanto, o verdadeiro destaque fica para as garotas Tao Isonokami, que também é veterana, e Yoko Hiromine, a estreante do título.

Em relação à primeira jovem, ela recebe muito mais participação, profundidade e linhas de diálogos em comparação com a presença que possuía na campanha original, transmitindo de forma mais palpável sua gentileza e esperança. Mesmo diante de um cenário tão complicado e tendo presenciado alguns episódios horríveis, Tao mantém sua fé de que é possível construir um futuro melhor para todos.

Por sua vez, Yoko é uma pessoa que questiona as autoridades e desconfia da bondade, além de sempre enfatizar que as pessoas deveriam tomar decisões motivadas pelo pensamento próprio. Muitas vezes, a novata confronta, de forma cordial, Tao e seu modo de ver o mundo, colocando Nahobino no centro de diversas situações com pontos de vista distintos.

SMT V: Vengeance traz muitas questões, mas não dá respostas a elas, deixando que o jogador reflita e tire suas próprias conclusões. A atitude de Deus é justificável para manter a ordem e a segurança dos humanos ou é um ato de tirania? A ação de Lúcifer foi mera rebeldia ou o primeiro passo para criar a liberdade? Humanos e demônios podem coexistir ou um deve ser priorizado sobre o outro? Esses são apenas alguns exemplos com que nos deparamos o tempo inteiro.

O fascinante é que os questionamentos não ocorrem apenas durante a campanha principal, mas estão espalhados por todo o mundo por meio de missões secundárias. Para exemplificar, já no início, encontramos uma entidade denominada Apsaras sendo cultuada por criaturas que a veem como uma protetora dos oprimidos.

Ela nos pede para derrotar Leannan Sídhe, que ameaça sua liderança. Ocorre que esta segunda entidade defende a ideia de que cada indivíduo tem condições de explorar seu próprio potencial e que Apsaras está apenas criando escravos. Neste cenário, devemos escolher de qual lado ficar.

Embora essas subquests não tenham relação direta com os finais disponíveis, elas convidam o jogador a refletir constantemente sobre diferentes pontos de vista, preparando-o mentalmente para as decisões que serão oportunizadas no desfecho. Além dos humanos mencionados, há muitos outros seres interessantes que são importantes para o andamento da narrativa e possuem suas próprias formas de ver o mundo.

Nesse sentido, é importante mencionar que a nova trama é muito influenciada por um grupo antagonista chamado de Qadištu, o qual é composto por quatro demônios femininos e possui Lilith como líder.

Dominar todas as mecânicas de combate não é opcional

Finalmente entrando no âmbito da jogabilidade, SMT V: Vengeance é um RPG com combate baseado em turnos no qual podemos recrutar diversos seres mitológicos para compor uma equipe de quatro integrantes (incluindo o protagonista). No Cânone da Vingança, a novidade é que os humanos mencionados anteriormente também ingressam como parceiros em determinados pontos da campanha, com o destaque ficando novamente com as duas garotas, que permanecem por mais tempo no time.

Além do ataque padrão, que não consome nada, cada indivíduo possui habilidades que custam MP. Existem inúmeros tipos de skills elementais com diferentes graus de dano, talentos focados em buffs, debuffs e curas, além de maestrias passivas. Outra novidade trazida por esta versão definitiva é que agora cada monstro conta com uma técnica passiva inata, a qual pode estar relacionada às ações de combate ou até mesmo à interação de recrutamento.

Cada criatura em SMT V possui resistências (parciais ou completas), absorções e fraquezas a sete elementos diferentes (ainda existe um oitavo elemento neutro). Como é de se imaginar, ser atingido no ponto fraco pode ser devastador e resultar na morte instantânea do aliado dependendo do nível do adversário.

Caso isso aconteça com Nahobino, é game over na hora. Atingir as fraquezas dos inimigos ou ocasionar golpes críticos beneficia o jogador com turnos extras, mas o contrário também acontece para favorecer o oponente. Em razão disso, a atenção com as afinidades é indispensável.

Embora cada demônio tenha suas próprias especificações, somos capazes de alterar suas habilidades por meio de essências de outros monstros, as quais são adquiridas de várias maneiras. Sendo assim, é possível pegar skills de um bicho A para colocar no B.

Embora as afinidades não possam ser alteradas, existem maestrias passivas de resistência, anulação ou absorção para cada elemento. Vale destacar que toda essa liberdade de customização também se aplica a Nahobino, com a diferença de que, neste caso, conseguimos alterar as resistências.

Outro aspecto importantíssimo relacionado ao combate são as técnicas de Magatsuhi, que possuem uma barra própria compartilhada entre a equipe e é preenchida com o decorrer da batalha ou coletando pontos vermelhos espalhados pelo mapa, e existem diversas opções desses talentos e eles podem ser adquiridos principalmente pelo cumprimento de missões. O curioso é que algumas dessas skills requerem que dois ou mais seres específicos estejam ativos no time para serem utilizadas, o que nos dá ainda mais motivos para ter inúmeros aliados diferentes.

No âmbito do recrutamento, ele acontece por meio de duas formas principais: convencimento e fusão. No primeiro caso, temos uma opção específica durante as lutas que nos faz interagir com o adversário. 

Durante uma conversa, os oponentes costumam fazer perguntas e temos algumas opções de resposta que podem agradá-los ou desagradá-los. Na maioria das vezes, quando uma criatura está disposta a nos seguir, ele solicita previamente alguns itens, dinheiro ou parte do nosso HP ou MP.

Essa interação é muito agradável, pois os monstros são extremamente carismáticos e oferecem diálogos fascinantes. O que torna tudo ainda mais incrível é que Vengeance está perfeitamente legendado em português, permitindo que qualquer pessoa desfrute por completo de todos os textos do jogo. Vale mencionar que alguns demônios apresentam uma forma especial de desafio, testando o nosso conhecimento ao melhor estilo de "quem é esse Pokémon".

Com respeito às fusões, elas podem ser normais, envolvendo dois bichos, ou especiais, que possuem requisitos para se tornarem disponíveis e podem exigir a participação de mais seres. Nesse sentido, independentemente do tipo, o recém-nascido é capaz de aprender habilidades de todas as partes envolvidas na combinação, desde que não seja uma skill exclusiva.

Shin Megami Tensei V: Vengeance não é um jogo fácil e apresenta alguns oponentes extremamente complicados. O título oferece inúmeras ferramentas para que o jogador customize seus demônios e exige que elas sejam compreendidas e utilizadas, pois este não é um RPG em que é possível ir avançando de forma automática ou distraída.

Aqui, graças ao nível crescente de desafio e a multiplicidade de elementos, somos verdadeiramente convidados a ter diversos monstros diferentes e fazer constantes alterações ao longo da jornada.

Um mundo que vale a pena ser explorado minuciosamente

Embora existam muitos RPGs divertidos com recrutamento e batalhas com monstrinhos, poucos deles se destacam no âmbito da exploração, pois a maioria apenas distribui diferentes criaturas pelo mundo para tentar incentivar o jogador a explorá-lo. Em um jogo em que completar o catálogo é o principal objetivo, como Pokémon Legends: Arceus, essa abordagem pode até funcionar bem, mas em outros casos, essa escolha acaba apenas fazendo com que uma pessoa não complecionista não se desvie da campanha principal.

Nessa perspectiva, SMT V: Vengeance brilha mais uma vez, trazendo grandes mapas que recompensam muito o explorador. A primeira razão pela qual digo isso diz respeito às já mencionadas missões secundárias, que, além de serem interessantíssimas e trazerem situações de reflexão, nos premiam com dinheiro, itens, essências, novas fusões e experiência (muitas vezes sendo suficiente até mesmo para substituir a necessidade de grinding).

O outro ponto que faz a exploração ser satisfatória é que, espalhados pelo mundo, existem Miman e aglomerados de Glória. Miman são pequenas criaturas que podemos entregar ao mercante Gustave, que nos recompensa com itens restaurativos, essências, objetos que aumentam determinados atributos dos monstros e habilidades de Magatsuhi. Vale destacar que cada bichinho encontrado também concede uma quantidade reduzida de Glória.

Por sua vez, Glória são pontos utilizados para desbloquear talentos passivos chamados de Milagres, os quais são relacionadas a basicamente todas as mecânicas do jogo, algo um tanto semelhante às habilidades de domador de Digimon World: Next Order. Para exemplificar, uma maestria específica nos permite conversar com oponentes e usar itens durante o turno de qualquer aliado, e não apenas no turno de Nahobino, que é o padrão.

É importante destacar que podemos ser acompanhados por um monstrinho em nossas expedições, que, além de ocasionalmente dialogar conosco, revela pontos no chão com os quais conseguimos interagir. Nesses locais, é possível ser surpreendido com batalhas, adquirir itens ou desbloquear trilhos que nos deslocam rapidamente para diferentes pontos do mapa. Existem várias opções de seguidores e o primeiro deles é Amanozako, uma pequena demônio de kimono que esbanja carisma e possui um arco narrativo próprio.

Como grande ponto negativo, embora Vengeance tenha recebido um trabalho maior com respeito às cores do mapa para identificar elevações, ainda existem áreas em que é muito difícil visualizar trajetos, especialmente quando se tratam de rotas que se iniciam a partir do andar de algum prédio ou outra estrutura vertical. Esta nova versão também traz a possibilidade de ver a área em que estamos com uma perspectiva aérea, mas a movimentação da câmera nessa mecânica é bastante limitada e acaba não sendo tão útil em muitas ocasiões.

Um RPG fora de série

Há realmente muito o que falar sobre Shin Megami Tensei V: Vengeance, como o ótimo desempenho no Switch e o fato dele ser um dos produtos mais belos da plataforma, além da maravilhosa dublagem em japonês (também há opção de vozes em inglês) e a divertida possibilidade de controlar diretamente alguns demônios em missões especiais. 

No entanto, para não prolongar ainda mais esta análise, encerramos aqui afirmando que este título da Atlus é um RPG com recrutamento e batalhas com monstros simplesmente inigualável, além de uma verdadeira aula de como entregar uma versão definitiva de um jogo.

Prós

  • Narrativa interessantíssima que aborda temas profundos e questionamentos morais;
  • Os personagens são cativantes e recebem um aprofundamento maior nesta nova versão, com destaque especial para Tao Isonokami, cujo papel é ampliado no Cânone da Vingança, e Yoko Hiromine, que oferece um contraste fascinante com Tao;
  • Muitas missões secundárias não são apenas tarefas adicionais, mas oportunidades para explorar pontos de vista distintos, além de proporcionar recompensas valiosas;
  • O sistema de combate é complexo e requer um planejamento estratégico cuidadoso, exigindo que o jogador compreenda totalmente suas mecânicas e utilize todas as ferramentas de personalização disponíveis para ter sucesso;
  • Explorar os ambientes do mapa é gratificante, pois o mundo é preenchido com elementos compatíveis com a proposta do jogo e somos recompensados com recursos que têm um impacto significativo em todo o restante da jogabilidade;
  • Os visuais deslumbrantes e a dublagem de alta qualidade tanto em inglês quanto em japonês contribuem para tornar a experiência ainda mais imersiva;
  • Legendado em português.

Contras

  • Algumas áreas do mapa podem ser confusas de navegar, especialmente em locais com trajetos que se iniciam a partir de uma estrutura vertical;
  • A movimentação da câmera na perspectiva aérea é limitada, o que não ajuda muito a resolver os problemas de navegação.
Shin Megami Tensei V: Vengeance — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 10
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli 
Análise produzida com cópia digital cedida pela SEGA

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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