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Análise: Another Crab’s Treasure (Switch) é uma porta de entrada equilibrada e bem-humorada

Esta jornada de um inocente caranguejo para recuperar sua concha apresenta uma dificuldade desafiadora, mas receptiva.



O carro-chefe das características do famigerado gênero soulslike é a sua dificuldade elevada, com destaque para batalhas extremamente desafiadoras contra criaturas gigantescas. Muito se discute a respeito do nível de desafio das entradas da série Souls e semelhantes ser exagerado, “barrando” muitos jogadores de desfrutar das demais qualidades destes títulos.


Sem entrar no mérito da validade ou não desse argumento, pois prezo pela minha sanidade mental, o que posso dizer a respeito da dificuldade de Another Crab’s Treasure, desenvolvido e publicado pela Aggro Crab, conhecida por Going Under, é que foi feito um excelente trabalho de simplificação da punitividade das batalhas e das principais mecânicas do gênero, mas sem descaracterizar o que torna o soulslike tão apaixonante.

Especulação imobiliária em alto-mar

Kril é um pacífico caranguejo-eremita que vive tranquilamente com sua concha em uma piscina de maré. Durante um dia qualquer, uma estranha figura surge diante do nosso protagonista: uma cabeça de tubarão de plástico apoiada em uma vareta. Esse visitante inusitado informa que o Ducado de Baixa-mar tomou posse do lugar, o que significa que seus habitantes terão que pagar por “proteção”.




No caso de Kril, isso significa quitar a suposta dívida que ele tem acumulada de várias marés passadas ou perder seu único bem: a concha que lhe serve de abrigo e proteção. Infelizmente, é exatamente isso que acontece, e agora o relutante caranguejo precisa se aventurar pela imensidão do oceano para recuperar seu lar.

Essa trama simples está bem distante do que estamos acostumados a ver em outros soulslikes (apesar de muita gente sequer entender o que está acontecendo nesses jogos, então tudo bem), o que já é um indicativo de como Another Crab’s Treasure se propõe a descer alguns degraus do padrão para esse tipo de jogo.

Uma decisão de game design como essa definitivamente é uma aposta, pois o risco de desviar muito do que atrai o público de um Dark Souls ou Elden Ring da vida é grande. Felizmente, como eu disse no começo da análise, a simplificação não tirou nem um pouco da alma do gênero, apenas suavizou a complexidade de alguns aspectos-chave da experiência.

Para a surpresa de ninguém, o fundo do mar é um lugar perigosíssimo

A base da gameplay de Another Crab’s Treasure segue a cartilha do soulslike: desbravar um gigantesco mapa de mundo aberto para cumprir objetivos maiores e menores enquanto enfrentamos todo tipo de adversário, dos menores aos mais colossais e mortíferos. Ao longo do caminho, vamos coletando recursos e adquirindo experiência para evoluir nosso personagem em cinco atributos: ataque, vitalidade, defesa, resistência do escudo e poder mágico.




Muitos dos elementos-padrão do gênero marcam presença, como os tradicionais itens de cura (Estus), que aqui são as Vitalgas; e os pontos remotos de salvamento (Fogueiras), as Conchas da Caramuja, que servem também como bases para subir de nível e se transportar para outras bases ativas, ao custo de fazer todos os monstros derrotados ressurgirem.

Também não posso deixar de citar a ideia de, quando morremos, deixar para trás a concha que estava equipada e todos os nossos Microplásticos, que servem como a principal moeda do jogo para comprar itens e subir de nível. A concha contendo nosso montante de Microplásticos fica no exato local em que Kril foi abatido, e podemos ir até lá para recuperar o tesouro perdido, mas, caso o pobre coitado seja derrotado novamente antes disso, perde tudo que estava acumulado.

Naturalmente, também foram utilizados conceitos comuns a outros gêneros, como as polarizadas árvores de habilidades, que utilizam outro tipo de recurso, os Cristais de Umami, a força mágica que dá a Kril a capacidade de utilizar os poderes das conchas. Pelo menos esses cristais não são perdidos quando somos derrotados.




A mecânica do escudo, aliás, é um dos principais fatores de incentivo à exploração e experimentação durante a campanha. Como Kril perdeu sua concha e está se jogando em direção ao perigo justamente para recuperá-la, ele precisa de alguma forma de proteção.

A solução está em quaisquer objetos que possam ser acoplados às costas do protagonista para servir como conchas temporárias, que podem ser substituídas a qualquer momento ou quebradas quando sua barra de “vida” acabar. Mas isso não é tudo: esses equipamentos incluem também habilidades especiais, tanto ofensivas quanto defensivas, e possuem diferentes pesos, influenciando na agilidade de Kril.

Existem quase 70 tipos de conchas, e a variedade apresentada nos itens desta coleção é uma de muitas demonstrações de criatividade por parte da Aggro Crab, não só pela multitude de habilidades que eles concedem, mas também pela comicidade (pra não dizer “bizarrice”) de usar objetos como uma peça de Lego ou um patinho de borracha para se defender de criaturas marinhas gigantescas que, por sua vez, estão portando armas igualmente excêntricas.




As conchas não são o único equipamento usado por Kril. Nosso herói conta também com a ajuda dos Caroneiros, que fornecem incrementos nos status do personagem se ele estiver usando uma concha.

Crítica social aquática

A temática de usar como equipamentos objetos que são comuns no nosso cotidiano, mas se tornam lixo jogado no mar, combina com um dos principais temas narrativos de Another Crab’s Treasure: a poluição marinha.

Toda a campanha é marcada por uma crítica nem um pouco sutil ao que a humanidade está fazendo com os oceanos, chegando ao ponto de as criaturas que habitam o mar desenvolverem uma espécie de idolatria pelo lixo despejado constantemente sobre elas. Existe todo um contexto por trás dessa mentalidade desenvolvida pela sociedade marinha, mas obviamente não vou entrar em detalhes sobre o enredo.




É bem interessante observar as reflexões de alguns personagens que aparecem ao longo da jornada, pois muito do que é dito é uma referência até óbvia demais à maneira como nós, seres humanos, tratamos a questão da poluição e suas consequências para a vida marinha.

A antropomorfização de peixes, crustáceos e outros tipos de criaturas que habitam o mar azul gera vários paralelos com a nossa própria sociedade, e um dos grandes pontos positivos da obra da Aggro Crab, para além das batalhas estrategicamente desafiadoras, é acompanhar o desenrolar das trajetórias pessoais de alguns dos personagens mais frequentes do elenco.

Dois fatores que nos ajudam a desenvolver empatia e interesse por esses seres multifacetados são o humor bem-desenvolvido que forma a base dos diálogos da obra e a excelente localização para o português brasileiro, que faz maravilhosos jogos de palavras e adapta termos próprios do jogo com muita criatividade.



A sujeira não fica apenas no fundo do mar

Está ficando cansativo falar sobre problemas de desempenho nesse fim de ciclo do Switch, né? Infelizmente, esse é um lado não tão feliz da realidade do console mais bem-sucedido da história da Nintendo, e Another Crab’s Treasure é mais uma vítima das limitações técnicas do não tão possante híbrido de 2017.

Pelo menos não há muito a dizer em relação a esse ponto negativo. Além de um óbvio downgrade na parte visual, o caso mais gritante de queda na taxa de frames que eu observei, por exemplo, acontece sempre que Kril faz a transição entre diferentes áreas do mapa, mas exceto pelo aborrecimento curto e temporário, não há nenhum outro contratempo mais grave nesse particular.

O mesmo não se pode dizer do desempenho no modo portátil do Switch. A média de fps é sofrível, principalmente quando há muitos elementos na tela. Recomendo fortemente a jogatina na televisão sempre que possível.




Falando no mapa, não gostei muito de como ele funciona aqui, pois não podemos navegar pelo território mostrado. A visualização está limitada ao ponto onde estamos e o que aparece no enquadramento. Também não existem ícones mostrando pontos de interesse e locais úteis, apenas a setinha indicando onde Kril está e as miniaturas dos chefões mais fortes.

Eu entendo que esse design minimalista tem como finalidade aumentar o desafio da exploração, mas pessoalmente eu preferia um mapa um pouco mais detalhado. Contudo, este é outro contra que não chega a comprometer a experiência significativamente — é apenas uma preferência minha.

Deixando um desejo do tamanho do mar por mais mundos abertos

Another Crab’s Treasure entregou exatamente o que eu esperava dele: uma versão muito mais inclusiva, em termos de dificuldade, de um típico soulslike.




Tudo (ou quase) na jornada de Kril exala esmero: personagens, jogabilidade, combate, exploração, mecânicas principais… São poucos os elementos que deixam a desejar o mínimo que seja, e, como eu falei no tópico anterior, eles pouco interferem no resultado final — A exceção é o desempenho do jogo no modo portátil do Switch, que, reitero, recomendo evitar ao máximo.

Como alguém que nunca experimentou outro título do gênero, posso dizer que, no mínimo, Another Crab’s Treasure me deixou curioso para conhecer mais sobre outros souslikes; não posso afirmar que definitivamente vou entrar de cabeça nesse universo, mas posso deixar meu testemunho de que outros jogadores em situação semelhante certamente despertarão em si uma sede por mais confrontos épicos contra chefões dificílimos.

Prós:

  • É uma excelente porta de entrada ao gênero dos soulslikes, com praticamente todos os seus conceitos principais simplificados, mas sem perder a essência ou o bom nível de dificuldade;
  • A mecânica das conchas como forma de escudo é um dos principais incentivos à exploração e experimentação;
  • A ótima variedade de conchas é um de muitos demonstrativos da criatividade da Aggro Crab, não apenas pela diversidade de habilidades, mas pelo fator cômico de usar objetos inusitados para se proteger;
  • Uma crítica social bem-construída à poluição marinha causada pelo ser humano;
  • Um elenco repleto de personagens secundários cativantes e interessantes de acompanhar;
  • Um humor certeiro, refletido nos diálogos e na excelente localização para o português brasileiro.

Contras:

  • Desempenho sofrível principalmente no modo portátil do Switch, com destaque para os breves congelamentos sempre que Kril faz uma transição entre áreas;
  • O mapa do jogo é muito limitado, não permitindo a navegação e apresentando poucos ícones úteis.
Another Crab’s Treasure — Switch/PC/PS5/XBO/XSX — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Aggro Crab

Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
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