Análise: El Shaddai ASCENSION OF THE METATRON HD Remaster (Switch) resgata uma das obras mais peculiares da sétima geração de consoles

A aventura de Enoch finalmente chega a um console da Nintendo com esta remasterização.

em 02/05/2024
Lançado para PC em 2021, El Shaddai ASCENSION OF THE METATRON HD Remaster é a remasterização em alta definição de um dos jogos mais excêntricos e interessantes da sétima geração de consoles (PS3/Wii/Xbox 360). Agora, três anos após a estreia nos computadores e mais de dez anos após o lançamento original, a aventura com inspirações religiosas finalmente chega ao Nintendo Switch em toda a sua glória. Mas será que a espera valeu a pena? Confira a seguir em nossa análise.

A história de Enoque, revisitada

El Shaddai é amplamente inspirado no Livro de Enoque, texto religioso que, acreditam os historiadores, teria sido escrito por volta de 300-100 a.C. Conhecida por parte dos judeus e dos primeiros cristãos e — especula-se — pelos autores do Novo Testamento, a obra pseudepígrafa aborda temas como a queda dos anjos do Paraíso, revelações sobre o fim do mundo e as peregrinações místicas de Enoque, bisavô de Noé e descendente de sétima geração de Adão, ao céu.

Embora existam menções ao Livro e à figura de Enoque em diversos textos históricos, a obra caiu em desuso após a Vulgata — edição da Bíblia em Latim — por volta do ano 400, sendo considerada hoje um texto apócrifo. Não obstante, a sua riqueza de detalhes sobre como teria sido a origem do mundo, bem como sobre acontecimentos como o Dilúvio e o Apocalipse, impressionam, o que justifica a criação ter servido como inspiração para a hoje extinta Ignition Tokyo desenvolver este título.

Assim, em um contexto em que os anjos mandados à Terra para vigiar a humanidade pecaram gravemente ao se relacionar sexualmente com os mortais (dando origem a criaturas gigantes conhecidas como os Nephilim), caberá ao jogador, no controle do protagonista Enoch, triunfar sobre esses seres renegados e evitar a grande inundação, evento previsto como castigo celestial. Preparado para a missão, caro leitor?

Liberdade criativa 

Na prática, El Shaddai pode ser descrito como um hack’n’slash com seções de plataforma, tanto 2D quanto 3D. Aproveitando-se dos temas fantasiosos de cada capítulo do livro que toma como base, a Ignition Tokyo não poupou esforços na ambientação virtual, que contempla desde reinos subaquáticos até corredores aparentemente infinitos, estruturas futuristas e mais. 

De fato, a não ser que você possua grande intimidade com a narrativa apócrifa, é praticamente impossível adivinhar o que vem a seguir em cada momento da campanha, que dura em torno de dez horas e constantemente flerta com a abstração em seu desenrolar, subvertendo as expectativas e instigando o público.

Um dos aspectos mais elogiados do jogo na época de seu lançamento original foi a direção artística, que continua impressionante apesar de mostrar os sinais da idade em diversos elementos, como as texturas demasiadamente simples para os padrões atuais da indústria. Ainda assim, é realmente notável e atemporal o bom uso de elementos psicodélicos e contrastantes, como luzes e sombras — este é certamente um daqueles títulos que se destacam na versão OLED do console da Nintendo. 

“Excêntrico” e “fora do padrão”, então, são termos que definem perfeitamente El Shaddai. Conforme se avança no jogo, fica progressivamente mais claro que os desenvolvedores prezaram pela experimentação e expressividade nesta aventura. É uma pena, porém, que a jogabilidade já não exiba o mesmo refino, gerando a sensação de repetição um tanto cedo demais, na minha opinião.

Button masher

Para enfrentar os inimigos, Enoch pode usar desde os seus próprios punhos até três armas divinas — arco, escudo e espada —, que podem ser obtidas dos oponentes após causar dano suficiente. Cultivar uma boa performance em combate, com sequências longas de combos, carrega uma barra responsável pela técnica Overdrive, que restaura a vida perdida, invoca o apoio do anjo Uriel e libera um ataque especial bem poderoso.

Porém, embora até exista um sistema de fraquezas e resistências e a maioria dos chefes roube a cena quando aparece, não é preciso muito tempo de jogo para perceber que não há tanta profundidade assim nas mecânicas de combate do título, logo causando a tão incômoda sensação de mesmice nesses segmentos. Na maioria dos conflitos — que se dão contra oponentes menores —, ficar apertando o botão de ataque repetidamente já resolverá o embate sem muitas preocupações ou dificuldades. 

Para piorar, ironicamente ou não, quando Enoch morre em confronto, o jogador também deve ficar apertando os botões do console rapidamente (?) para tentar revivê-lo. Essa é uma daquelas decisões de design que até soava aceitável duas gerações atrás, mas que poderia tranquilamente ter sido atualizada nesta remasterização, caso os responsáveis decidissem ser mais ousados e tocar em mais aspectos que os gráficos, por exemplo. 

Junte a isso a ausência de clareza e responsividade em algumas seções de plataforma, a grande linearidade do jogo e até o final um pouco abrupto, e compensa avisar que, apesar do caráter de remasterização deste lançamento, El Shaddai precisa ser encarado fundamentalmente como uma obra de seu tempo, tanto em termos de duração da campanha quanto na variação (ou não) de mecânicas. 

Hack’n’slash por hack’n’slash, por exemplo, há opções bem melhores e mais atuais no Switch. Porém, poucos games têm a coragem de sair da zona de conforto e experimentar tanto em sua apresentação e desenrolar — este era e continua sendo o grande trunfo desta obra, no fim das contas. Afinal, quantos jogos hoje no mercado só mostram a sua tela de título verdadeira após um game over obrigatório? Pois é…

Perfeito no Switch… ou nem tanto assim?

Quando falamos dos jogos de sétima geração que gostaríamos de ver no console da Nintendo, tendemos a acreditar que a performance não será exatamente um problema; afinal, o Switch é mais moderno e poderoso que os já finados PlayStation 3 e Xbox 360, correto?

Infelizmente, El Shaddai ASCENSION OF THE METATRON HD Remaster sofre com alguns problemas de performance no console da Nintendo, mais especificamente em relação à taxa de quadros e fluidez. Enquanto os visuais continuam belos — especialmente na versão OLED do console, como mencionado — não é incomum, com muitos elementos na tela, perceber alguns travamentos — os famosos “engasgos”, por assim dizer.

Não são variações muito brutas nem suficientes em quantidade para chegar ao ponto de evitar uma recomendação, mas ainda assim é um pouco decepcionante, considerando o hardware e o status de relançamento. Também não há suporte ao português brasileiro, nem em menus nem em legendas; logo, compensa ficar de olho em possíveis atualizações e patches de correção por parte da desenvolvedora.

Por fim, esta edição também inclui o extra Lucifer's Fall Chronicles of Ceta, que funciona como um epílogo para o jogo, e o ArtBook, com ilustrações e artes conceituais. Considerando o preço módico na eShop brasileira, ambos são extras bem-vindos que elevam o valor desta remasterização, que se prova simples em termos de melhorias, mas inegavelmente importante pelo valor histórico.

A ascensão em uma nova era

El Shaddai ASCENSION OF THE METATRON HD Remaster atualiza em alta definição um dos títulos mais peculiares do PlayStation 3 e do Xbox 360. Embora a obra inspirada no Livro de Enoque não esteja imune aos ocasionais problemas de performance no Switch, este é um ótimo lembrete de que a experimentação e os diálogos com a arte deveriam ser encorajados na indústria dos games, ao invés de deixados somente para as obras independentes. 

Em suma, se você deseja reviver esta aventura ou conhecê-la mais a fundo, o console da Nintendo é, sim, um ótimo meio para fazer isso. Só convém, vistos os sinais do tempo, ajustar as expectativas.

Prós

  • Estreia no console da Nintendo um clássico cult da sétima geração que merece ser conferido por entusiastas de temas que mesclam fantasia e religião;
  • A direção artística do título continua a impressionar, mesmo mais de uma década após seu lançamento;
  • Flertes com abstracionismo e o impressionismo são bem-vindos e uma oportuna lembrança para uma indústria que parece ter abandonado os títulos “AA” e a coragem de inovar na narrativa e na apresentação;
  • Inclui o epílogo Lucifer's Fall Chronicles of Ceta e um Artbook, aumentando o valor do produto.

Contras

  • Já está datado em diversos aspectos, das texturas simples à mecânica de renascimento, que exige que o jogador fique amassando os botões do console para trazer o protagonista de volta à partida;
  • Sistema de combate repetitivo pode desanimar;
  • O trabalho de remasterização poderia ter tocado nos pontos acima, além dos gráficos;
  • Problemas ocasionais de performance no Switch;
  • Sem suporte ao português brasileiro.
 El Shaddai ASCENSION OF THE METATRON HD Remaster — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Crim
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