Análise: Valiant Hearts: Coming Home (Switch): De volta às trincheiras da Grande Guerra

Apesar de defeitos óbvios comparados com seu antecessor, a continuação é uma bela história sobre preconceito, perda e a vontade de viver.

A guerra faz os homens ficarem loucos”. Emille, o protagonista central de Valiant Hearts: The Great War, escreveu isso em uma carta. A frase também é a mais icônica de um dos primeiros trailers do jogo, lançado no aniversário de 100 anos do começo da Primeira Guerra Mundial, em 2014.


Subvertendo completamente narrativas focadas em combates, que mostram a glória da luta em jogabilidades frenéticas de tiro, Valiant Hearts focou-se no centro da guerra: as almas arrastadas para o terror e morte, pela primeira vez registradas em grande escala pelo advento da tecnologia. Anos depois, sairia sua sequência para o Netflix Games, Valiant Hearts: Coming Home, apresentando novos rostos e trazendo velhos amigos. Mas será que vale a pena salvar? Encare o horror comigo.

A linha de frente

Enquanto o jogo original percorre quase todo o período da guerra (1914-1918), Coming Home foca principalmente de 1916 até 1918. Animado para se juntar à luta e defender a honra de seu país, James entra para o exército contra a vontade de seu irmão, Freddie (um dos protagonistas do jogo anterior). Contudo, antes de lutar contra as forças adversárias, existe um inimigo mais presente em sua vida: o racismo. À época, a segregação racial continuava forte nos Estados Unidos, separando soldados por sua cor, com distinções por qualidade de equipamentos, treinamento e tratamento.

Além de James, somos introduzidos a Ernst, um mergulhador germânico que faz amizade com James ao atracar certa vez nos Estados Unidos, enquanto o país era neutro. Ernst relutantemente entra na guerra, fazendo de tudo para não causar baixas e querendo uma vida de paz. Por fim, George (previamente planejado para ser jogável no primeiro título mas depois reduzido para uma simples ponta) é um aviador britânico que não sabe pilotar bem aviões, mas logo mostra seu valor e faz amizade com os demais protagonistas.

Dos heróis anteriores, Freddie continua a liderar as forças aliadas, tendo feito pazes com seu passado e ódio contra um general. Enquanto isso, Anna (ao lado do fiel cão médico, Walt) continua a tratar os feridos de guerra, soldados ou civis, com novos métodos de socorro com a introdução do raio X.

Harlem Hellfighters

Antes de mais nada, vale destacar a tradução. O jogo continua em inglês, isso não é problema considerando a brilhante narração de Dave Pettitt e como todos os personagens (com certa exceções) falam em onomatopeias. O grande ponto é a brilhante ideia de, como no original, inserir certos fatos do envolvimento do Brasil no conflito. Os diversos fatos históricos e coletáveis são um prato cheio para historiadores e entusiastas do período, trazendo curiosidades incríveis e um olhar profundo nos eventos.

A escolha gráfica, tal qual o anterior, é magistral. Como se fosse uma história em quadrinhos, é uma interpretação única da guerra, dando uma identidade própria para a franquia. Além disso, todos os personagens são carismáticos e simpáticos, mostrando que não existe propriamente um lado na história. Principalmente com os tratamentos que James e Ernst sofrem, seja por sua etnia ou por suas escolhas morais.

A apresentação do jogo também é brilhante, assim como sua trilha sonora, usando e abusando com jogos de sombras e detalhes pequenos para demonstrar evolução. James começa o jogo com um sorriso enorme no rosto e olhos vivos, totalmente puro comparado à cara fechada e olhos resguardados de todos os outros personagens, quando estes elementos são lentamente mutados com o passar da história. Mas provavelmente o melhor momento? Bom… digamos que Ernst viu mortos chovendo.

Trégua amarga

Infelizmente, mesmo sendo uma sequência digna, ela comete erros bobos pelo caminho que poderiam custar a vida em um conflito, muito provavelmente derivados de o jogo ter sido previamente excluído de uma plataforma tão limitada como Netflix Games, primitiva e pouco intuitiva comparada a concorrentes como Xbox Game Plus. A quantidade de carregamentos é absurda, interrompendo cenas atrás de cenas pequenas sem motivo algum. Em comparação com o anterior, a posição dos coletáveis é pateticamente óbvia, tirando completamente o desafio de procurar pelos fatos divertidos.

Talvez os maiores problemas com isso sejam o quão fáceis os novos puzzles são, a localização tão óbvia dos coletáveis, o delay em raros momentos nos controles (inclusive tive alguns problemas para sair da tela de pausa, mesmo apertando o botão repetidamente para sair) e a duração tão curta da campanha e sem altas apostas como do jogo anterior (onde todos precisavam sobreviver e os objetivos pessoais se interligam. Em Coming Home, isso não existe).

O jogo teria se beneficiado mais se tivesse sido desenvolvido em mente para os consoles primeiro e para o streaming depois, uma vez que essas ideias poderiam e deveriam ter sido melhores aproveitadas em vez de serem exclusivas por quatro anos em um streaming que praticamente ninguém tem ciência da existência. Tanto que eu me lembro da recepção negativa de quando o jogo havia sido anunciado como exclusivo da plataforma.

É notável também a diferença gritante de jogabilidade. Enquanto no título anterior cada um dos quatro protagonistas tinha um estilo único de jogo, no mais novo todos têm basicamente o mesmo tipo de jogabilidade, tirando a individualidade da jornada de cada um dos heróis. As exceções são Anna e George, com minigames de socorro e aventuras aéreas como os níveis de táxi do jogo anterior. Também é triste a falta de envolvimento do jogador com os novos personagens.

James tem bastante tempo de tela, o que faz dele um personagem muito bem desenvolvido, mas seus amigos do Harlem mal recebem atenção, então não conseguimos criar uma conexão com eles. E o mesmo se aplica a George e Ernst, cujos níveis são tão divertidos e únicos, mas relegados a papéis menores e deixando confusas suas dores e perdas. 

Por quem George sente falta? Com quem Ernst velejava junto? São perguntas que ficam sem respostas, sem tempo de desenvolvimento. Além disso, sem entrar em spoilers, mas o final pode ser insatisfatório. Depois de quatro anos de conflito e dez de espera para ver como a história desses personagens amáveis acaba, o final pode ser um tanto decepcionante.

Cruzes de madeira

Apesar dos erros listados, vale a pena. Não é necessário jogar o título anterior para entender e apreciar a história, mas vale muito a pena experimentar para sentir com mais força os socos no estômago e facadas no coração.

Perdoem-me por repetir-me, mas na análise de Torn Away, eu parafraseei o que o personagem Hawkeye disse na série M*A*S*H*:
Não há espectadores inocentes no Inferno. A guerra está repleta deles — crianças, aleijados, idosos. Na verdade, com exceção de algumas pessoas, quase todos os envolvidos são espectadores inocentes.
Para todas as almas que se foram no conflito que começou 110 anos atrás, descansem em paz. Para as almas nos conflitos atuais, que estão tremendo de medo ou desejando o fim da insanidade, que fiquem bem.

Prós:

  • Excelente tradução para o português, com fatos históricos envolvendo o Brasil;
  • Personagens carismáticos e divertidos;
  • Imersão profunda, com designs únicos e música de alta qualidade;
  • Fatos históricos curiosos e interessantes;
  • Continuação digna de um dos melhores jogos de guerra/antiguerra de todos os tempos.

Contras:

  • Carregamentos longos e repetitivos;
  • Falta de foco em todos os personagens novos;
  • Gameplay fácil demais, com puzzles fáceis e coletáveis muito à mostra;
  • Final pode ser insatisfatório para fãs do primeiro título.
Valiant Hearts: Coming Home — PC/PS4/PS5/XBOXSX/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida por Ubisoft

Formado em Publicidade e Propaganda na USC e especializado em Marketing Digital, sou Editor de Vídeos também, meu TCC foi sobre a Guerra dos Consoles e evolução da publicidade nos games. Jogo um pouco de tudo e também escrevo. Me descrevo como um artista.
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