Ruff Ghanor, o jogo, reconta a história da saga literária produzida por Leonel Caldela de uma forma mais interativa, digna do novo formato no qual ela está sendo inserida: os videogames. Misturando elementos narrativos de visual novels com algumas checagens de habilidades de RPG de mesa e, principalmente, com o estilo de jogo de cartas deckbuilder — pense em Slay the Spire —, esse roguelite brasileiro tenta desenvolver o próprio estilo e contar a sua história. O resultado é interessante, porém falha em realmente chamar atenção no Nintendo Switch.
Um baralho narrativo sem rumo
É sempre injusto comparar um jogo diretamente com outro; no entanto, levando em conta que os próprios idealizadores do título costumam vendê-lo utilizando a óbvia comparação com Slay the Spire, sinto que é bastante justo dizer que Ruff Ghanor busca grande inspiração na jogabilidade do popular roguelite de cartas de 2017.Para quem não está familiarizado, aqui vai um rápido resumo do funcionamento de um deckbuilder com elementos de roguelike como Slay the Spire: basicamente, você possui um baralho de cartas que podem causar dano, gerar armadura ou ativar habilidades e magias variadas que afetam o funcionamento do seu personagem e as interações com o deck e os inimigos. O combate se dá em turnos e é possível visualizar qual será a próxima ação de cada inimigo, possibilitando que você planeje seus movimentos de maneira apropriada.
Adicionalmente, é preciso acabar a aventura em uma só campanha. Isso significa que, se for derrotado durante uma batalha, você terá que começar tudo de novo caso queira uma chance de vencer o desafio proposto pelo jogo.
Durante esta campanha, entretanto, existe um claro progresso e desenvolvimento do seu personagem. Cada obstáculo conquistado irá recompensá-lo com espólios. O prêmio mais comum são cartas novas (e geralmente mais poderosas) para o seu baralho, mas também é possível adquirir itens que adicionam efeitos passivos permanentes para o seu personagem.
Tirando algumas especificidades, você pode esperar exatamente por esse loop de gameplay tanto de Ruff Ghanor quanto de sua maior inspiração — e também das outras várias alternativas de deckbuilders disponíveis no mercado atual. A fórmula certamente já provou que funciona, vide o sucesso estrondoso e o impacto permanente de Slay the Spire na cultura gamer atual. No mínimo, se você gosta de jogos de cartas, de estratégia, RPGs ou roguelikes, não é difícil se apegar ao título indie que iniciou uma nova onda de bons jogos em que o baralho é elemento principal.
Tirando algumas especificidades, você pode esperar exatamente por esse loop de gameplay tanto de Ruff Ghanor quanto de sua maior inspiração — e também das outras várias alternativas de deckbuilders disponíveis no mercado atual. A fórmula certamente já provou que funciona, vide o sucesso estrondoso e o impacto permanente de Slay the Spire na cultura gamer atual. No mínimo, se você gosta de jogos de cartas, de estratégia, RPGs ou roguelikes, não é difícil se apegar ao título indie que iniciou uma nova onda de bons jogos em que o baralho é elemento principal.
As semelhanças nós já sabemos, mas a melhor forma de entender como Ruff Ghanor justifica a sua existência é através das suas especificidades. Primeiramente, acredito que a maior faísca de originalidade do título é decidir focar bastante na parte narrativa. Aproveitando a disponibilidade de um material de origem rico em detalhes, a jogabilidade do game chega a evocar o gênero das visual novels com suas escolhas estilísticas. Isso quer dizer que sim, há bastante leitura a ser feita durante as horas adequadas.
A partir do momento em que existem centenas de páginas de conteúdo disponíveis para serem aproveitadas como base para a trama, não é de se surpreender que uma pegada mais narrativa tenha sido a escolha estética do título para criar a sua própria identidade dentro de uma fórmula já existente. Eu não tenho dúvidas que os fãs dos livros irão se empolgar ao reler e presenciar personagens e eventos que são — ou ao menos eu imagino que sejam — clássicos e empolgantes para os já iniciados nesse universo. No entanto, fica a questão: será que a trama engessada faz sentido para os jogadores não familiarizados com a sua origem literária?
Eu, embora fã dos podcasts, confesso que faço parte do grupo dos não iniciados na história de Ruff contada nos livros, sobre o garoto-cabra que viria a se tornar o santo dos pés descalços e salvar o mundo ao derrotar o poderoso dragão Zamir de uma vez por todas. Para mim, a sensação que ficou é que havia história demais no meio do meu jogo de cartas, mas isso não quer dizer que a escolha de apostar na narrativa tenha sido totalmente ineficaz.
Pelo contrário: eu sinto que devo aplaudir a inteligente escolha de trazer elementos do RPG de mesa para o andamento deste deckbuilder, honrando suas origens e referenciando com sucesso elementos como a rolagem de dados para checagem de habilidades e ações da história. As escolhas narrativas afetam diretamente a sua evolução durante a campanha, adicionando cartas que podem ajudá-lo ou atrapalhá-lo de forma bastante orgânica.
O problema é que parece que a sorte possui um peso muito significativo no desenvolvimento do seu deck, já que as cartas negativas adquiridas em encontros narrativos podem realmente arruinar momentos-chave da jogabilidade. Não é anormal perder turnos inteiros por causa de cartas de “culpa” que entram em seu baralho permanentemente apenas por causa de uma rolagem de “dados” aleatória que não ocorreu como você esperava.
Assim sendo, acredito que a intenção com as escolhas narrativas tenha sido boa, porém ineficaz no final das contas. A ideia de um Slay the Spire que aposta mais fundo no jeito de contar e apresentar uma história é interessante, mas aqui sinto que o híbrido de deckbuilder e visual novel tropeçou no caminho e acabou perdendo a fluidez — algo essencial quando falamos de roguelites.
Assim sendo, acredito que a intenção com as escolhas narrativas tenha sido boa, porém ineficaz no final das contas. A ideia de um Slay the Spire que aposta mais fundo no jeito de contar e apresentar uma história é interessante, mas aqui sinto que o híbrido de deckbuilder e visual novel tropeçou no caminho e acabou perdendo a fluidez — algo essencial quando falamos de roguelites.
Ruff Ghanor não é um jogo fácil, pelo contrário. O desafio dos combates é alto desde o início e apenas aumenta durante o transcorrer dos seus três atos. A dificuldade em si não é um problema para uma obra do gênero; no entanto, ela precisa ser justificada e apresentada de forma gradual e saudável. Sinto que o título se equivoca na calibragem da sua curva de dificuldade, passando a sensação de ser um tanto injusto de forma abrupta em dados momentos.
O ponto principal de um roguelite é criar a sensação de one more run com sucesso. Sabe quando você quer tentar só mais uma vez antes de dormir? Jogar só mais uma campanha rápida antes de poder se permitir seguir a sua vida em paz e se ausentar do mundo do jogo de uma vez por todas? É difícil alcançar esse espaço mental pertencente ao vício saudável em Ruff Ghanor; afinal, toda vez que você tenta novamente, é necessário passar por vários momentos narrativos iguais de novo e de novo. Após um certo número não muito alto de runs, isso definitivamente se torna cansativo.
O ponto principal de um roguelite é criar a sensação de one more run com sucesso. Sabe quando você quer tentar só mais uma vez antes de dormir? Jogar só mais uma campanha rápida antes de poder se permitir seguir a sua vida em paz e se ausentar do mundo do jogo de uma vez por todas? É difícil alcançar esse espaço mental pertencente ao vício saudável em Ruff Ghanor; afinal, toda vez que você tenta novamente, é necessário passar por vários momentos narrativos iguais de novo e de novo. Após um certo número não muito alto de runs, isso definitivamente se torna cansativo.
A jogabilidade do título, por si só, é prazerosa. Quem gosta de combates por turnos irá se entreter sem dificuldades, mas fica claro que Ruff Ghanor erra o alvo na hora de unir suas ambições narrativas com uma jogabilidade fluida e que consegue trazer você de volta para mais uma tentativa. Além disso, problemas de performance e falhas visuais definitivamente atrapalham a experiência — que desconfio ser um problema exclusivo do Nintendo Switch.
A arte do jogo é, sem dúvidas, visualmente agradável. As ilustrações em geral, tanto dos ambientes, das cenas mais complexas, quanto dos personagens durante suas falas e em cutscenes são impressionantes e bastante competentes — a sensação é de apreciar uma bela pintura. Entretanto, infelizmente o jogo em si é feio. É impossível não notar a lentidão dos modelos de personagem ao realizar simples ações e o filtro borrado que toma conta do visual das batalhas como um todo.
O resultado final é um game visualmente cansativo. Mesmo sem levar em conta os claros problemas do Switch, a direção de arte foi por um caminho um pouco escuro e opaco demais. Nem mesmo a interface do baralho e a tipografia conseguem salvar a parte gráfica. Para um jogo focado totalmente em cartas, é muito estranho que seja tão difícil ler o texto, interpretar as imagens em preto e branco, e, principalmente, enxergar os números dentro delas. Nesse sentido, a impressão que fica é que faltou um certo carinho na hora de amarrar as pontas.
Slay the Spire, lançado em 2017, já acertava com maestria em todos esses pontos. Se Ruff Ghanor decidiu copiar o dever de casa e mudar só algumas coisas, infelizmente as mudanças foram apenas para o pior. Tirando a opção de ser um conteúdo específico para fãs já existentes desse universo, é difícil recomendá-lo quando existem tantas opções mais competentes disponíveis no Switch. Vale também ressaltar que o jogo está 100% disponível em Português do Brasil, incluindo cutscenes dubladas por alguns nomes famosos, como Guilherme Briggs.
O herói mediano
Ruff Ghanor aparece como uma bela homenagem a um universo brasileiro bastante rico e interessante que infelizmente não alcança suas ambições como jogo de videogame no Switch. A boa premissa e as inspirações valorosas acertam aqui e ali, porém se perdem em meio aos problemas mais sérios, como escolhas polêmicas de game design, a parte gráfica questionável e a performance decepcionante no console da Nintendo. É interessante para fãs do material de origem e entusiastas de deckbuilders, mas uma recomendação difícil em meio a várias opções melhores.Prós
- Uma ótima premissa de criar um híbrido de deckbuilder, roguelite, RPG de mesa e visual novel, possuindo boas referências e inspirações em geral;
- Arte bonita e competente em áreas como cenários, personagens e cutscenes;
- 100% disponível em Português do Brasil, incluindo dublagem em alguns momentos.
Contras
- Dificuldade mal-calibrada;
- Visualmente confuso por suas escolhas gráficas equivocadas;
- Problemas de performance e fidelidade visual no Switch;
- Jogabilidade pouco fluida, repetindo elementos narrativos um pouco demais para um roguelite.
Ruff Ghanor - Switch/PC/PS5/XBX - Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela DX Gameworks
Análise produzida com cópia digital cedida pela DX Gameworks