Como tudo no mundo, quanto mais os anos vão se passando, mais jogos vão sendo criados e se juntando à infindável montanha de títulos já existentes. Como é impossível ser original o tempo todo, é natural que a grande maioria não acrescente muitas novidades a, digamos, um gênero de videogames.
Portanto, a passagem do tempo vai cada vez mais fazendo com que a originalidade seja um conceito progressivamente valioso. Toda essa pequena introdução enfim nos traz a Pepper Grinder, que, ainda que seja um tradicional platformer em seu coração, sustenta-se em uma mecânica principal que é mais do que suficiente para fazer valer a pena as poucas (mas boas) horas de diversão que ele tem a oferecer.
Ninguém liga pra enredo em platformer, então simbora
A Ahr Ech, desenvolvedora de Pepper Grinder, sabe que o enredo dificilmente estará entre os principais pontos de interesse da maioria dos jogadores que procuram um jogo de plataforma; isso explica por que a cena de abertura, bem como todo o resto da campanha, não tem uma única fala ou qualquer tipo de comunicação minimamente expositiva. Unicamente para fins de contexto desta análise, vou poupar vocês de ir na página do jogo na eShop e explicar o que se passa nesses primeiros segundos de gameplay.
Vemos uma jovem naufragada à beira do mar, com um gigantesco baú recheado de joias ao seu lado. Esta é a navegadora Pepper, que, ainda desacordada, não vê quando uma misteriosa vilã e sua gangue de estranhas criaturas roubam o tesouro da nossa pobre protagonista.
Ao acordar, Pepper corre enfurecida atrás dos meliantes, mas acaba caindo em uma emboscada e despenca para a morte — mas não sem antes pôr as mãos em uma furadeira convenientemente posicionada ao seu alcance, que acaba servindo para salvar a vida da moça. Agora, munida da possante broca chamada Grinder, ela vai atrás dos malditos que roubaram sua garantia de uma aposentadoria confortável.
Apostando na humildade do feijão-com-arroz… ou seria feijão-com-broca?
Pepper Grinder não se complica com detalhes de game design exageradamente ambiciosos, como uma trama mirabolante, mecânicas chatas de se aprender ou uma dificuldade excessiva. Tudo gira em torno da furadeira que compõe metade do nome do jogo: combate, movimentação, exploração, desafios de plataforma… Mas vamos por partes.
A campanha segue o modelo tradicional de algumas fases comuns distribuídas linearmente pelo mapa, culminando em uma batalha contra um chefão. Após a conclusão pela primeira vez, cada estágio disponibiliza o modo Contra o Tempo, para chegarmos ao final do percurso o mais rápido possível, então fica a dica para os amantes de speedruns.
Simplicidade e consistência são os dois pilares que pautam o controle de Pepper e sua ferramenta de confiança, pois o deslocamento pelas fases é quase que inteiramente dependente de uma única mecânica: girar Grinder para atravessar os terrenos apropriados. O que torna essa simples premissa tão divertida é a composição dos cenários, que favorece a locomoção via furadeira de inúmeras maneiras criativas.
Para se ter uma ideia, os poucos trechos em que simplesmente conduzimos a protagonista via caminhada comum são o suficiente para percebermos como a movimentação dela é lenta e limitada sem a ajuda da Grinder, o que é nitidamente proposital para incentivar o uso da nossa principal arma/meio de “transporte”. A magia só acontece quando seguramos o botão que faz soar aquele barulho irritante que todo mundo já teve que ouvir em uma manhã de domingo.
A condução de Pepper conta com uma física excelente: é muito gostoso disparar por dentro dos terrenos escaváveis, especialmente quando entram em cena os diversos perigos espalhados pelas fases. A combinação da manobrabilidade da furadeira com o level design engenhoso de cada um dos mundos do jogo é o que faz uma premissa tão básica dar tão certo. Aliás, fazendo um breve aceno às sempre presentes inspirações, em alguns trechos mais frenéticos, não pude deixar de me lembrar de Celeste, que sabe ser desafiador — e como sabe.
Eventualmente, uma ou outra mecânica, como uma nova arma que acoplamos à furadeira, é introduzida para dar um merecido frescor à escavação constante; afinal, é preciso saber quando diversificar para evitar um desgaste da gameplay. Para alegria geral, essas introduções são feitas de maneira bastante natural, respeitando o ritmo da progressão na campanha, sem cair na chatice dos tutoriais enfadonhos. Repito: é louvável o quanto Pepper Grinder respeita os limites de uma jogabilidade organicamente agradável.
Moça, cadê meu dinheiro?
Eu mencionei o costumeiro agrado feito aos speedrunners, mas os entusiastas por coletáveis também são contemplados aqui. Como o objetivo da jornada de Pepper é recuperar seu tesouro, faz sentido que a principal moeda do jogo sejam as pedras preciosas que foram roubadas da protagonista. Vamos acumulando-as ao longo do caminho e podemos usá-las em lojinhas localizadas no mapa para comprar certos itens — mais sobre eles adiante.
Juntar uma boa quantia de bufunfa é legal e tudo mais, mas o grande destaque dos objetos coletáveis são as cinco moedas de ouro com símbolo de caveira escondidas em cada fase. A Ahr Ech mandou muito bem mais uma vez na elaboração da localização dessas peças, pois são elas que tornam essencial que fiquemos constantemente alertas a possíveis padrões nos cenários que indicam uma moedinha oculta.
Todo esse materialismo culmina nas lojinhas localizadas nos mapas, para onde vai todo nosso dinheirinho obtido com muito suor e perfuração. As pedras preciosas servem para comprar peças para o modo Foto do jogo, que consiste em um álbum com diversas paisagens que decoramos à vontade e aplicamos filtros.
Já as moedas de caveira, que obviamente são muito mais limitadas, são usadas para adquirirmos itens especiais, como chaves que desbloqueiam uma fase extra por mapa e itens cosméticos para o cabelo e vestimenta de Pepper.
A única ausência que eu de fato senti foi o recurso de viagem rápida, que faz muita falta principalmente se deixarmos passar uma moeda de caveira ou outra; nesse caso, é um pouco incômodo ter que passar por todos os pontos entre uma fase e outra. Pelo menos nesse sentido, a curta duração da campanha joga a nosso favor, já que não precisamos nos deslocar por um mapa-geral gigantesco — não deixa de ser um recurso básico que poderia ter sido implementado, claro.
Cavei, cavei, cavei… não foi romântico, mas deu um ótimo jogo
Pepper Grinder apostou todas as fichas em sua mecânica principal, e a aposta deu mais do que certo. Não espere por uma aventura de plataforma absurdamente complexa, com dezenas de horas para conseguir os 100% que o jogo oferece, pois não é sobre isso.
A proposta de basear todos os elementos de game design em um único objeto funciona porque seus desenvolvedores souberam trabalhá-la de modo a combinar com tudo ao seu redor, sem fugir das bases do gênero. Portanto, dê a partida na possante Grinder e siga escavando sem medo do que vem pela frente!
Prós:
- Faz um uso praticamente perfeito de sua mecânica principal, que casa maravilhosamente bem com todos os demais elementos de game design;
- A condução de Pepper se beneficia de uma excelente física, que torna muito gostoso movimentar a protagonista pelos terrenos escaváveis com a broca;
- A combinação da manobrabilidade da Grinder com o level design engenhoso de cada um dos mundos do jogo é o que faz o foco no uso da furadeira dar tão certo;
- Graças ao modo Contra o Tempo e os diferentes tipos de objetos ocultos e cosméticos coletáveis, tem conteúdo para todo gosto.
Contras:
- Apesar de ser um ponto subjetivo, a curta duração da campanha pode incomodar os mais sedentos por campanhas longas;
- Faltou um modo de viagem rápida, principalmente para quem quer retornar a determinadas fases para coletar as moedas de caveira remanescentes.
Pepper Grinder — Switch/PC — Nota: 9.0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital