Análise: Eiyuden Chronicle: Hundred Heroes (Switch) confunde desafio oldschool com escolhas ruins de design

Este sucessor espiritual da série Suikoden traz um belo mundo e personagens cativantes, mas a experiência de gameplay é desnecessariamente hostil.

em 21/04/2024
Eiyuden Chronicle: Hundred Heroes
é um RPG bastante aguardado pelos fãs de RPGs. Sucessor espiritual de um dos maiores clássicos do PlayStation, a obra teve uma campanha de Kickstarter muito bem-sucedida, indicando o enorme interesse do mercado. Tive a oportunidade de jogá-lo antecipadamente para esta análise e já adianto que a obra é bastante charmosa, mas acaba ficando aquém do seu potencial.

Um mundo de fantasia e tensões políticas

A história de Hundred Heroes começa em uma missão conjunta entre o exército do Império Galdeano e a Patrulha composta por representantes da Liga das Nações. Embora essa seja uma forma de demonstrar que esses dois grandes poderes não possuem animosidade, na prática, a tensão é palpável e todos esperam que em algum momento as coisas escalem para uma guerra.

Acompanhamos a história pelo olhar do protagonista Nowa, um jovem rapaz de uma vila afastada e pacata. Sempre disposto a ajudar as pessoas ao seu redor e incapaz de não se intrometer nos assuntos dos outros, ele viu na Patrulha a oportunidade de sair de casa e conhecer melhor o vasto mundo.

Nessa ocasião, o rapaz encontra um jovem imperial chamado Seign Kesling. Membro da nobreza, o rapaz sonha em conseguir representar com orgulho a sua casa. O encontro dos dois e a formação rápida de uma forte amizade entre eles é um ponto importante da trama, sendo responsável por alguns dos momentos mais impactantes da campanha.

Conforme a narrativa avança, os conflitos de interesse envolvem tanto o combate direto quanto disputas no âmbito político. A narrativa é bem coerente e os personagens envolvidos nessa grande guerra são todos carismáticos e interessantes, embora geralmente subdesenvolvidos.

Sem entrar em grandes spoilers, acredito que um dos pontos mais fortes do jogo é a forma como ele desenvolve com bastante naturalidade os aspectos políticos e as relações humanas. Ir de momentos sérios a leves piadas, mantendo o tom e evitando exageros, é algo bem difícil, mas Eiyuden consegue fazer isso de uma forma incrivelmente orgânica.

Vale destacar que o jogo está disponível com legendas em português, o que também facilita bastante a leitura. Como fã de RPGs, fico feliz de ver um exemplar do gênero com esse tipo de investimento, já que infelizmente ainda é raro que títulos com tanto texto sejam lançados na nossa língua.

Porém, a qualidade da tradução deixa muito a desejar. Há momentos muito fluidos e agradáveis de ler, mas há muitos erros em ocasiões variadas. Alguns problemas parecem claramente derivados da falta de contextualização para os tradutores, um processo infelizmente comum no mercado, mas há até mesmo expressões em inglês traduzidas porcamente, de forma que as frases nem fazem sentido isoladamente.

Recrutamentos e missões

Assim como acontece em Suikoden, um ponto importante da trama é o recrutamento de mais heróis. A partir de certos eventos, assumimos o controle de uma espécie de exército de resistência, e toda ajuda é bem-vinda. Aqui contamos não apenas com lutadores, mas também com pessoas que serão fundamentais para a infraestrutura da nossa base e para liberar funcionalidades como o teleporte para áreas já visitadas.

A importância desse elemento é alta, então idealmente o jogador deve tirar um tempo para investir nessa busca em vez de só avançar. Infelizmente, o processo não é tão intuitivo quanto deveria. A única forma de detectar se um personagem é um potencial aliado é pela diferença de design em relação aos NPCs comuns e, além disso, não há como rastrear essas missões.

O jogo apenas indica objetivos das missões principais de história nos mapas. Mas, mesmo pensando nisso como uma escolha para que o jogador não tenha as coisas de bandeja, não há sequer uma listagem dessas tarefas adicionais. Isso significa que se o jogador esquecer o que tinha que fazer, terá que buscar na memória para se recordar de onde aquele personagem estava e conversar com ele para poder reler a missão.

O resultado é que o jogador tende a ficar perdido ao explorar por conta própria, sem nem saber se está no caminho certo ou confundiu alguma informação. No fim das contas, em vez disso realmente se tornar um desafio interessante, o que temos é uma experiência maçante em que as pessoas vão tender a simplesmente buscar guias e outros tipos de ajudas externas.

Além das pessoas, também precisamos buscar recursos variados para nos ajudar a reerguer a fortaleza que usamos como base. Cada área possui pontos de coleta com pedras, madeira, comida e vários recursos que também podem ser coletados em instalações da base após conseguirmos a ajuda de personagens específicos.

Para saber onde encontrar esses recursos, podemos conferir o menu da base em que desbloqueamos as instalações e evoluímos o nível da fortaleza. Temos um inventário limitado e é importante ter uma boa consistência na evolução da base para otimizar a obtenção de recursos.

O combate em turnos

Eiyuden Chronicle: Hundred Heroes é um RPG no qual o combate é baseado em turnos. Temos ao todo seis personagens na equipe, três na vanguarda e os outros na retaguarda. Além disso, podemos contar com um aliado de suporte cujas habilidades podem melhorar a coleta de materiais, permitir alterar personagens, entre outras funções. Há ainda uma espécie de reserva na qual só é possível colocar os aliados relevantes de história para que eles não tomem o lugar de uma equipe que o jogador prefere.

Vale destacar que as batalhas seguem o paradigma de encontros aleatórios, fazendo com que novos inimigos apareçam após alguns passos nas dungeons ou no mapa múndi. O jogo também adapta o ganho de experiência ao nível do personagem, fazendo com que enfrentar inimigos muito fracos seja completamente ineficiente, mas aliados mais fracos possam rapidamente alcançar o nível dos outros se lutarem junto de uma equipe mais forte.

Durante o combate, podemos escolher comandos para os seis personagens, deixá-los agir de forma automática ou tentar fugir. Os ataques básicos de cada aliado têm áreas diferentes dependendo das armas que usam, sendo necessário que os personagens com alcance curto fiquem na linha de frente para poder atingir os inimigos.

Em vez de todos os aliados terem a mesma opção de defesa, cada personagem possui uma manobra defensiva individual, que pode ser voltada à redução de dano ou ao ganho de evasão. Outro elemento que pode variar bastante são as habilidades, que dependem das runas equipadas pelos personagens. Os poderes podem consumir a barra de MP ou a de SP, e a diferença entre as duas, a grosso modo, é que a segunda recarrega a cada turno de batalha.

Itens de consumo, como poções, também são uma opção de combate e, na prática, acabam sendo muito importantes. Embora no início tenhamos a opção de dificuldade “normal” e “difícil”, mesmo optando pelo nível mais fácil, o balanceamento do jogo tende a exigir bastante esforço. Até com os melhores equipamentos disponíveis, há certos momentos nos quais os inimigos comuns podem causar danos massivos em poucos ataques e a barra de MP acaba sendo baixa para depender apenas de magias restaurativas.

A situação é tal que a inteligência artificial dos personagens já leva em conta o uso de itens por padrão no modo automático, pois, caso contrário, seria muito difícil sobreviver às hordas de inimigos. No menu Estratégia, é possível alterar as prioridades dos aliados para atender às preferências do jogador e garantir uma experiência automatizada mais adequada para o contexto atual.

Os personagens ainda contam com uma habilidade especial chamada Combo de Herói, que permite que dois ou mais aliados combinem o seu turno em um golpe ultrapoderoso que consome SP de todos os envolvidos. A lista é limitada, então apenas aliados que possuem conexões fortes podem utilizar o sistema.

Em termos do combate, ainda podemos destacar a presença de gimmicks no combate dos chefes. Explorar esses elementos é fundamental para poder lidar com esses inimigos mais rapidamente, e é uma escolha até refrescante, considerando a tendência dos combates básicos à repetição.

Detalhes adicionais

Além do combate e da obtenção de recursos para a evolução da base, Hundred Heroes tem minigames, que incluem pescaria, um jogo de cartas e até uma espécie de competição de pião a la BeyBlade. De fato, trata-se de um mundo rico em desafios e exploração.

Ao mesmo tempo, existe um esforço deliberado de design para reproduzir a experiência oldschool dos RPGs, mas que acaba indo além até mesmo das escolhas de design da época. Um bom exemplo disso é o save, que só pode ser feito em totens específicos nas dungeons e nas estalagens das cidades. Nem mesmo o mapa-múndi permite salvamento. Há uma opção automática, mas ela é ativada de forma bem espaçada, antes de entrarmos nas localidades, sendo ainda menos confiável do que a opção manual.

Em conversa com o público, os desenvolvedores comentaram sobre como essa escolha é intencional para adicionar um elemento de tensão à exploração. Da mesma forma, temos limitações à nossa capacidade de ajuste da equipe, dependendo de lojas para alterar as runas equipadas, e assim mudar as habilidades disponíveis. Alterar os aliados no grupo de combate também só pode ser feito nas estalagens ou em totens se o jogador tiver a dona da pousada como suporte.

Essas escolhas tornam a experiência menos confortável, mas são compreensíveis em comparação com os problemas dos menus. Além da questão das missões secundárias e de não termos uma forma de visualizar as informações da base fora dela, não podemos sequer alterar os equipamentos e outros aspectos de aliados que não estão na equipe ativa, mesmo aqueles que estão no grupo como reserva.

Em vez de evocar os bons desafios dos velhos tempos, a combinação das escolhas só faz com que a experiência seja desnecessariamente inconveniente. Nesse sentido, também gostaria de deixar registrado aqui, como costumo fazer com títulos que têm bastante texto, que Hundred Heroes não conta com um log para podermos rever os diálogos. Essa ferramenta textual básica poderia até ser um tapa-buraco para a questão da ausência de missões evitando que todas as informações se perdessem no vácuo da memória do jogador.

Ainda é importante destacar a performance do jogo, que em boa parte do tempo é até razoável. Tive congelamentos e um crashes que me forçaram a retraçar os meus passos por conta dos saves limitados, mas eles foram bem raros. O problema mais frequente são os loadings, que podem demorar muito, especialmente tendo em vista que temos batalhas aleatórias com frequência. Porém, isso é ainda pior na hora de carregar os menus, o que demora muito mais do que deveria.

A abertura e o fechamento dos menus possuem claros engasgos, e isso vale tanto para os que acessamos durante a exploração para ver o mapa ou o status dos personagens quanto para as lojas e instalações da base. Esse tipo de elemento precisa carregar de forma instantânea, e esses travamentos acabam pesando contra a experiência geral. Houve melhorias ao longo dos updates pré-lançamento, mas ainda é um gargalo de performance do jogo.

Em termos visuais, o título é bastante bonito, com designs 2D interessantes e cheios de vida. O uso de cores e brilho chama a atenção, e as animações em combate são excelentes. Porém, o jogo opta por um esquema de borrar ambientes de acordo com a distância que às vezes esconde informações importantes do background e pode desagradar alguns jogadores em certos momentos. A trilha sonora também é ótima, com músicas vibrantes que ajudam a dar mais energia à exploração e ao combate.

Uma pedra preciosa que insiste em não ser polida

Eiyuden Chronicle: Hundred Heroes é um RPG que ativamente se esforça em ir contra os esforços de qualidade de vida do mercado em busca de um ideal oldschool. Porém, o resultado é uma obra que se fecha em si mesma e atende apenas aos fãs mais ferrenhos do gênero. É uma pena, pois até mesmo ajustes simples, como um menu de missões e mudanças pontuais no menu, seriam o suficiente para manter o desafio sem a parte que é puramente inconveniente.

Prós

  • Trama e personagens cativantes e apresentados em uma escrita agradável e vívida;
  • Recrutar aliados e evoluir a base é um sistema interessante;
  • Designs carismáticos e ilustrações em sprite 2D bem bonitas;
  • Opção de português para os textos.

Contras

  • A ausência de menu de missões torna a realização das tarefas muito mais inconveniente do que deveria;
  • Alguns ajustes importantes para explorar a gameplay são dependentes de menus restritos a localidades específicas;
  • Textos em português cheios de erros de tradução;
  • A performance no Switch envolve carregamentos muito demorados, especialmente nos menus;
  • Alguns congelamentos no carregamento e crashes.
Eiyuden Chronicle: Hundred Heroes — Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela 505 Games

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é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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