Diferentemente de outras mulheres já consagradas nos consoles nintendistas, como Samus Aran e Bayonetta, que já estavam chutando bundas desde seus primeiros jogos, a trajetória de Peach nos videogames não é marcada por um protagonismo. Muito pelo contrário: a querida Princesa Toadstool, como era originalmente conhecida, surgiu no universo da Nintendo em 1985 como o estereótipo de donzela indefesa — e isso quatro anos depois de Pauline (a prefeita de New Donk City em Super Mario Odyssey) já ter “estreado” nesse posto na versão arcade de Donkey Kong.
Com o passar do tempo, a personagem loira de vestido cor-de-rosa foi caindo no gosto do povo, mas nunca como uma protagonista. Claro, é muito bom podermos controlá-la em Super Mario RPG — e ela é uma das melhores personagens do time, melhor até que o protagonista —, mas quem fica com os louros, no fim das contas, é o encanador bigodudo.
O mesmo vale para os outros jogos da franquia Mario: Peach é uma ótima personagem jogável em praticamente todos os títulos, de piloto de kart a tenista; além disso, é considerada por muitas pessoas uma excelente lutadora em Super Smash Bros. Ultimate, porém o protagonismo nunca foi dela. Isso só mudou com Super Princess Peach, lançado para DS em 2006, quando ela estreou sua própria aventura solo.
Peach: de coadjuvante à conquista do protagonismo
Quase duas décadas depois, em 2024, a monarca do Reino dos Cogumelos ganhou os holofotes novamente. Princess Peach: Showtime! chegou hoje como o maior título da Nintendo neste começo de ano; ou seja, o principal AAA do console híbrido é protagonizado por uma mulher. E não apenas isso: até o momento, as avaliações têm sido receptivas tanto no Metacritic (média de 75, com base em 70 análises) quanto no OpenCritic (o agregador classificou o jogo como “forte”, com base nas 43 críticas registradas).
Para muitas pessoas, isso pode não dizer muita coisa, mas, sob a ótica de uma mulher, tal lançamento tem muita importância — em especial se levarmos em consideração que março é o Mês da História das Mulheres. Mesmo que o mês seja celebrado apenas nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Austrália, ele traz importantes marcos na luta por equidade de gêneros.
Metacritic (acima) e OpenCritic (abaixo) |
No entanto, muitas das reivindicações feitas pelas mulheres operárias americanas na década de 1970 são praticamente as mesmas que vemos no Brasil e em diversos países. Falo de salários compatíveis com o mercado, direito de voto e mulheres em cargos de poder, entre outros, mas a luta por esses direitos é diária e contínua, não restrita apenas ao mês de março.
Porém, não estou aqui para dar aula de História sobre o Dia Internacional da Mulher ou o Mês da História das Mulheres, e sim para falar de como o novo jogo da Peach tem importância nisso tudo. Acredito que eu já tenha deixado isso implícito na abertura do texto, quando eu disse que nunca foi dada à personagem condições de protagonismo; claro, nós pudemos presenciar sua evolução de donzela em perigo a uma coadjuvante em outros jogos — um paralelo que podemos traçar com a busca pelo reconhecimento da força feminina em diversos campos, quando as mulheres passaram a trilhar os caminhos ao lado dos homens.
Princesa E protagonista: não é preciso escolher um ou outro
De certa forma, tanto Super Princess Peach quanto Princess Peach: Showtime! podem ser entendidos como a jornada a um cargo de poder. Colocar a princesa no mesmo patamar de protagonismo que o encanador bigodudo ocupa, mas sem depender dele (ou de Luigi, Bowser ou outro personagem masculino da série Mario) para viver sua aventura, abre margens para que outras princesas da franquia comecem a tomar as rédeas de suas próprias vidas e deixem seus castelos um pouco de lado.
Claro, isso não quer dizer que a Nintendo tenha planejado o lançamento de Princess Peach: Showtime! para comemorar o Mês da História das Mulheres. No entanto, sob a ótica de uma mulher, pode-se inferir que temos aqui um importante feito político-social para os videogames.
Arte original usada para a capa da matéria: You can do it! (Princess Peach), por ByLouis |
Revisão: Cristiane Amarante