A rivalidade entre Mario e Donkey Kong

Batendo cabeças desde 1981.

A história mais antiga da humanidade é o Épico de Gilgamesh, o rei-herói que desafiou a vida e os deuses pela busca da eternidade. Um dos pontos cruciais da narrativa é a introdução de Enkidu, um homem bestial criado pelos ditos deuses para tentar parar Gilgamesh. Depois de longas lutas entre os dois, inimigos se tornaram rivais e, depois, rivais se tornaram melhores amigos, embarcando em aventuras juntos. Inclusive um dos motivos pela busca da eternidade se trata de uma tragédia envolvendo Enkidu.


A relação entre Gilgamesh e Enkidu pode ser interpretada de diversas formas, seja a conquista do selvagem pelo civilizado ou a luta de instintos contra inteligência. Eu gosto de interpretar como o equilíbrio da natureza com a evolução, da humanidade com o desconhecido. Alguns milênios depois, chegamos a 1981, com o decisivo confronto entre um carpinteiro e seu bichinho, um enorme Golias que, cansado dos abusos de seu captor, rapta sua amada e escala nos altos de um prédio em construção, culminando na queda da fera (e eventual vingança de seu filho, mas essa é história para outro dia).

Mario e Donkey Kong têm uma das relações mais antigas entre personagens recorrentes em mídias, algo visto primariamente em história de quadrinhos. Seja com o primeiro Kong ou com seu neto, essa richa que já dura mais de 40 anos está catalogada nos games em diversas capítulos e, com o lançamento do remake de Mario vs Donkey Kong, vamos dar uma volta nas páginas da história e relembrar os diversos conflitos entre homem e fera, civilização e selvageria, italiano e macaco.

Mario Kart

De todos os integrantes da dinastia Kong que Mario encontrou e enfrentou de alguma forma, DK Jr. deve ser o que menos teve o (des)prazer de continuar a tradição. Antes de todos os spin offs de esportes, lá estava Super Mario Kart no SNES, queimando pneu e fazendo curvas arriscadas com um generoso elenco de personagens, marcando a primeira vez que Bowser era jogável. E entre os corredores pesados, lá estava o herdeiro da floresta, em sua única aparição num jogo da franquia.

Jr. e Bowser eram os únicos personagens pesados, podendo jogar os pequenos Toad e Koppa Troopa para fora do circuito com seus enormes corpos. A partir do segundo jogo, Jr. foi substituído por seu filho e não apareceria em nenhum outro Kart… até que aconteceu algo muito legal. Em Tour, Jr. não só havia voltado como estava com sprites customizados, tendo um modelo 3D mas que aparecia em sua versão do SNES, inclusive tendo a tema da vitória do primeiro jogo quando ele chega em primeiro lugar. Um modelo atual teria sido incrível, mas essa escolha foi genial e cheia de carinho.

Esportes

Ainda com Jr., ele foi o primeiro Kong a enfrentar Mario e sua turma nas quadras de tênis no primeiro jogo da série lá no Virtual Boy, quando era chamada de Mario's Tennis. Depois disso, ele e seu filho apareceram na sequência de N64, fazendo dupla contra os humanos. Nos títulos seguintes, Jr. não apareceria mais e seria substituído por Diddy, com a crescente popularidade do novo membro da família, enquanto Donkey Kong seria membro de carteirinha das partidas de tênis.

Seja chutando a bola no gol em Strikers, seja enterrando cestas incríveis em Hoops ou até nas Olimpíadas, Donkey Kong faria questão de manter a eterna disputa entre seu clã com Mario, sempre sendo um personagem pesado mas com uma força surpreendente que dá inveja (e personalidade, como mostrado em seu gingado no último Mario Strikers).

Para fora dos games

Você sabia que uma das primeiras adaptações de jogos foi de Donkey Kong? Praticamente mídia perdida, o desenho foi lançado meros dois anos após o sucesso do título de arcade no desenho Saturday Superarcade, que contava com adaptações de Donkey Kong Jr. (em que Mario não aparecia, mas Jr. era amigo de um moleque chamado Bones, no melhor (?) estilo do Fonzie), Frogger, Space Ace, Q*Bert e tantos outros. 

Em Donkey Kong (baseado bem remotamente no título de Game & Watch, Donkey Kong Circus), o macacão foge do circo e cabe a Mario e Pauline (loira e domadora de animais) recapturar o primata brincalhão enquanto se metem em 1001 trapalhadas (ou 19, número total de episódios do segmento. Jr. teve apenas 13 desventuras).

O bloco é praticamente uma mídia perdida, com apenas algumas imagens e trechos disponíveis online, com um único segmento tendo sido encontrado dublado em 2023, do episódio El Donkey Kong. O encontro mais notável dos dois é, obviamente, no filme de Super Mario Bros. de 2023. Não apenas os Kongs têm uma enorme presença no filme (com uma sociedade totalmente moldada em torno de karts), como o herdeiro ao trono (adaptado como filho de Cranky, não neto desta vez) é um dos coadjuvantes mais importantes e dono de algumas das melhores piadas. 

Obviamente, a eterna relação de amor e ódio (bota ódio nisso) continua mesmo nas telonas, com uma batalha animal pela formação de uma trégua em uma enorme arena e as constantes discussões e trocações de farpas entre os heróis, culminando em uma parceria sensacional.

Super Smash Bros.

Não se pode falar de briga entre ícones da Nintendo sem mencionar o maior crossover da história, né? Batendo cartão no elenco desde o primeiro jogo, lá estão Mario e DK, inclusive dividindo os primeiros lutadores na seleção de todos os títulos. Ao lado de Yoshi e Pikachu, a dupla estava presente naquele derradeiro dia, quando Mario decidiu meter a bicuda no joelho de Yoshi, iniciando uma disputa pela glória que se estende por 25 anos.

Enquanto Mario é o personagem mais balanceado do jogo, com ataques nas medidas certas para ser uma entrada para jogadores iniciantes, Donkey Kong é um dos maiores personagens e dono de alguns dos ataques mais devastadores. É curioso perceber que ambos são chefões diferentes no primeiro jogo, com Metal Mario sendo um dos momentos mais icônicos e os jogadores tendo a oportunidade de enfrentar um DK gigantesco (se a Samus derrotá-lo, podemos dizer que foi a bela que matou a fera?).

Donkey Kong '94

Eu deixei o que pode ser o melhor título em que os dois se enfrentaram para o final. Não, arrisco a dizer que este é um dos melhores remakes já criados para uma peça midiática. Lançado pouco tempo antes de Donkey Kong Country, é possível notar o presságio do terceiro DK com a inclusão da gravata e feições mais expressivas.

Este que prometia ser apenas um port do jogo original de arcade (com talvez DK Jr. incluído pela presença do macaquinho na capa) subverteu todas as expectativas no momento em que o macaco gigante levantou-se do chão, bateu o pé e raptou Pauline (cujo icônico design atual surgiu neste game) para mais níveis, cheios de novos inimigos e puzzles. Mario teve que ficar mais rápido, mais ágil e esperto caso quisesse salvar a dama em perigo.

As Sete Auras de Humbaba

Eu poderia ficar dias aqui relatando mais capítulos da eterna saga entre estes ícones. Eu poderia mencionar como eles são partes da constelação que seria o grupo Star Children em Yoshi's Island, o confuso e suspeito doutorado que ambos têm em Dr. Mario ou o grande elefante de brinquedo na sala que seria a franquia Mario vs Donkey Kong…

Mas ao final do dia? É inevitável que eles entrem em choque. Tal como é factual a força da gravidade ou o Sol se pôr e nascer, o civil e o selvagem precisam continuar a dança de poder, mesmo que seja por algo pequeno como jogar uma casca de banana numa pista de kart ou sequestrar a amada de seu captor. Talvez Enkidu algum dia conte para Gilgamesh o que ele viu no Submundo de Nergal.

Revisão: Thaís Santos
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Formado em Publicidade e Propaganda na USC e especializado em Marketing Digital, sou Editor de Vídeos também, meu TCC foi sobre a Guerra dos Consoles e evolução da publicidade nos games. Jogo um pouco de tudo e também escrevo. Me descrevo como um artista.
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