Análise: Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy (Switch): uma atualização digna dos clássicos dos tribunais digitais

Trilogia traz os jogos 4, 5 e 6 da série aos sistemas modernos.

em 22/01/2024
A série Ace Attorney é um grande clássico dos adventures japoneses. Iniciada no Game Boy Advance, a franquia chegou ao Ocidente apenas no DS e se tornou uma das obras associadas ao sistema a despeito de seu estilo altamente textual não ser particularmente popular fora do Japão naquela época.

Enquanto a trilogia original com a história de Phoenix Wright foi toda lançada no GBA, o DS foi o primeiro sistema a receber um jogo que pode ser considerado um divisor de águas na série: Apollo Justice: Ace Attorney. O título, conhecido no Japão como Gyakuten Saiban 4, introduz um novo protagonista para a série, o jovem Apollo.

A história desse personagem continua nos jogos subsequentes, mas, curiosamente, o lugar de protagonismo dele é um tanto controverso nas sequências. Apesar disso, a Capcom decidiu reunir os títulos em uma trilogia e considerá-lo o seu foco, dando-lhe o nome de Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy. O pacote inclui três jogos que, embora possuam alguns tropeços, continuam sendo um prato cheio para os fãs de advogar em tribunais loucos nos quais tudo pode acontecer.

Uma nova página

O conceito da franquia Ace Attorney é a de disputas de tribunal. O jogador assume o papel de um advogado de defesa e deve investigar os casos, reunir provas e interrogar testemunhas. Ao olhar friamente para as mecânicas, o que temos é basicamente um jogo de detetive, mas a busca pela verdade por trás do que aconteceu também envolve uma discussão calorosa com promotores para defender o seu cliente.

A principal graça dos jogos é que os seus casos são bastante convolutos, tendo reviravoltas insanas que geralmente o jogador não estava esperando no início. Em vez de montar toda a resposta antes do julgamento começar, o que se espera é que a pessoa, assim como o próprio advogado, tenha que desvendar os elementos dos crimes durante a discussão. Tudo isso também é tratado com bastante humor, que vai dos nomes dos personagens (ricos em trocadilhos) às reações exageradas de cada um.

No caso específico dos jogos da trilogia Apollo Justice, temos três protagonistas. No primeiro título, acompanhamos exclusivamente o rapaz homônimo, mas Phoenix Wright retorna na sequência junto com a introdução de Athena Cykes. O trio trabalha em conjunto de forma alternada em Dual Destinies e Spirit of Justice.

A escolha de ter esses três personagens faz com que a jornada não seja exatamente do Apollo como o nome da trilogia pode dar a entender. Há vários momentos em que o personagem perde o protagonismo e isso leva à sensação de um pouco de deslocamento em relação à sua evolução, o que é especialmente notável em momentos do Dual Destinies.

De forma geral, a trilogia tem seus altos e baixos nos casos apresentados, fazendo com que não seja tão bem amarrada quanto a duologia The Great Ace Attorney Chronicles. A sensação de vários momentos das tramas é a de “retcon” (alteração de continuidade em português), especialmente pela forma como cada jogo tenta trazer mais elementos para o passado do Apollo que não tinham sido pensados anteriormente.

Por outro lado, em termos mecânicos, temos a adição de sistemas notáveis ao longo da trilogia. Enquanto Phoenix conta com o apoio da Magatama para interrogar as testemunhas e fazer com que elas revelem verdades escondidas, Apollo e Athena também possuem suas próprias metodologias nada ortodoxas.

Nos casos em que Apollo é protagonista, o rapaz consegue ver se uma testemunha tem algum tipo de cacoete que indique que ela está escondendo alguma coisa. Cabe ao jogador notar a animação e apontá-la no momento específico em que acontece, levando à discussão da causa daquele comportamento e a forma como ele se liga ao caso.

Já Athena consegue “escutar a voz do coração das pessoas”, o que ela usa para avaliar o seu estado psicológico. Com esse sistema, ela pode apontar discrepâncias entre o que as pessoas falam e sentem, o que leva o personagem a mudar seu testemunho e aos poucos chegar mais perto da verdade.

A transição do 2D para o 3D

Além da introdução dos novos protagonistas, a trilogia é um momento importante da franquia representando a sua transição de jogos 2D para 3D. Enquanto Apollo Justice era um jogo 2D que já apresentava alguns elementos de 3D durante a resolução dos casos, Dual Destinies já é um jogo tridimensional, usando modelos com cel shading que consegue se manter bem alinhado ao estilo tradicional da série.

A mudança implicou em mais animações, dinamismo de câmera e até mesmo a capacidade de explorar os ambientes por vários ângulos. A exploração com vários ângulos permite curiosos elementos de perspectiva e é uma boa evolução para a série, mas, em Dual Destinies, temos uma limitação considerável na exploração, que só pode ser feita em alguns poucos cenários. Tradicionalmente, os jogos sempre permitiram vasculhar todas as áreas, rendendo diálogos engraçados quando o jogador interage com alguns objetos aleatórios como escadas ou a planta de estimação Charlie.

Spirit of Justice felizmente corrige esse problema, permitindo a interação em formato point-and-click para cenários de menor relevância fora das cenas dos crimes. Ao mesmo tempo, ambos os jogos trazem momentos de animação 2D com dublagem em inglês e japonês. Apollo Justice já tinha cenas animadas bem detalhadas e que ficaram surpreendentemente boas em alta definição, mas algumas delas tinham formatos mais experimentais, enquanto o estilo dos jogos de 3DS era mais coeso.

De forma geral, Spirit of Justice também traz outros elementos que chamam a atenção, como a dança coreografada da princesa Rayfa. Ela é parte de um ritual que invoca os últimos momentos do morto e que Phoenix usa para investigar casos enquanto está em outro país. O conceito mais exótico do jogo, essa mecânica específica e todo o contexto social e político do país de Khura’in fazem dele um título bem peculiar dentro do pacote.

O ás na manga

Assim como nas coletâneas anteriores de Ace Attorney, a trilogia Apollo Justice foi feita como uma edição definitiva dos seus jogos. Temos aqui versões que não apenas tiveram seus gráficos remasterizados para alta definição, mas atualizam os seus jogos para o nível de qualidade de vida esperado pelo jogador moderno.

Temos um log que mantém o registro de tudo que foi falado até o momento; autosave e espaço para até 10 saves manuais para cada jogo; sistema de episódios que permite jogar qualquer caso a qualquer momento e ir até mesmo a momentos específicos deles em vez de ter que começar do início; menu com vários ajustes visuais; autoplay para poder avançar o texto sem apertar botões; botão para acelerar a passagem dos textos; entre outras coisas.

Para quem tem dificuldade de descobrir a evidência correta para apresentar, pode até usar o sistema Story Mode para que o jogo avance automaticamente. Já quem quiser evitar que os parceiros deem dicas muito detalhadas (um problema que Dual Destinies tinha no 3DS), pode simplesmente desligá-las no menu. Com isso, independentemente do tipo de jogador, essa é a melhor edição dos três jogos.

Apesar do bom trabalho na qualidade de vida de modo geral, em alguns momentos não é possível salvar. Isso acontece principalmente em Apollo Justice quando o juiz pressiona o protagonista a apresentar uma evidência, mas também em certos momentos de Spirit of Justice no qual há um vídeo que precisa ser pausado e investigado. É uma escolha estranha só ser bloqueado o save nesses momentos, tendo em vista que ele é liberado na apresentação de outras evidências.

Junto a essa questão de qualidade de vida, o jogo também conta com uma galeria recheada de conteúdo para os fãs. No Orchestra Hall, podemos escutar as músicas dos jogos incluindo arranjos orquestrados e duas composições exclusivas da trilogia; já na Art Library, temos as ilustrações promocionais e usadas em jogo, imagens conceituais dos personagens e as animações, incluindo clipes especiais feitos para a coletânea com base nos jogos originais.

Além de serem uma ótima forma de ter acesso a esse conteúdo de colecionador, essas galerias podem ser usadas para customizar o menu principal. Podemos escolher uma música e uma ilustração (ou animação) específicas para representar cada jogo. Outros elementos presentes no Museum incluem conquistas chamadas de Accolades e um Animation Studio com as animações dos personagens no julgamento. É uma pena, porém, que esse último não dê um passo além para permitir que o jogador monte um mini-julgamento falso com as animações.

Sem objeções, meritíssimo!

Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy pode não ser o ponto alto da série até aqui, mas consegue manter o humor e carisma dela enquanto explora a adição de novas mecânicas. A história de Apollo, Phoenix e Athena traz personagens cativantes em casos bizarros que são muito mais fáceis de aproveitar na nova coletânea.

Prós

  • Boa variedade de mecânicas exploradas nos casos;
  • Tramas curiosas cheias de reviravoltas rocambolescas e humor;
  • Sistemas de qualidade de vida que fazem com que o pacote seja a melhor forma de aproveitar os jogos;
  • A galeria de ilustrações, vídeos e músicas conta com um acervo incrível de conteúdo perfeito para os fãs e é possível usá-las para customizar o menu dos jogos.

Contras

  • A exploração dos cenários em Dual Destinies é bastante limitada;
  • Em Apollo Justice e em um trecho de Spirit of Justice, é impossível salvar quando o juiz te pressiona a apresentar evidência;
  • Como um conjunto, a trilogia acaba tendo tramas com ar de “retcon” e o desenvolvimento do Apollo fica um pouco de lado especialmente em Dual Destinies;
  • O Animation Studio poderia oferecer mais recursos para simular um trecho do tribunal de fato.

Apollo Justice: Ace Attorney Trilogy — Switch/PC/PS4/XBO — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Capcom


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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