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Análise: Another Code: Recollection (Switch) é uma jornada para além das memórias perdidas

A coletânea traz dois jogos de difícil digestão, mas com mensagens importantes para o dia a dia.


Quando escrevi meu texto de impressões, pontuei que nunca tive contato com a franquia Another Code, composta por dois jogos: Trace Memory (DS) e Another Code R: A Journey into Memories (Wii). No entanto, Another Code: Recollection, revitalização desses dois títulos em um só pacote, é um prato cheio para fãs de longa data da série da extinta Cing e também para pessoas que caíram de paraquedas no primeiro exclusivo do Switch em 2024.

“Memórias/Não são só memórias”

Em Two Memories, o título original de Trace Memory, conhecemos Ashley Mizuki Robins, que, desde a morte de sua mãe quando tinha três anos, é criada pela tia paterna, Jessica. Isso levou a protagonista a acreditar que seu pai, Richard Robins, também estava morto, pois foi essa a história que Ashley ouviu sua vida toda.

Porém, na véspera do seu 14º aniversário, a garota recebe uma carta e um dispositivo chamado DAS de seu “falecido” pai, alegando estar vivo e trabalhando em um projeto secreto na Blood Edward Island. Não só isso: o homem a convida para encontrá-lo na ilha, a fim de explicar tudo o que aconteceu na vida de Ashley nesses anos de ausência paterna.


Mesmo relutante, a pré-adolescente embarca nessa jornada com Jessica rumo à ilha. No entanto, as duas acabam se separando assim que pisam em terra firme. Preocupada com o que pode ter acontecido com a irmã de seu pai e contrariando as instruções de sua tia, Ashley decide ir à procura de Jessica por conta própria.

Enquanto procura por um meio de entrar na mansão da família Edward, a protagonista acaba fazendo uma amizade de outro mundo: ela encontra o fantasma D, que está preso no plano terrestre há quase seis décadas por não se lembrar de sua vida passada. O garoto etéreo, então, pede a ajuda de Ashley para resgatar suas memórias perdidas enquanto ela busca pistas sobre seu pai.


Já em A Journey into Memories, acompanhamos Ashley, agora com 16 anos, que é convidada para passar um fim de semana com seu pai no resort de Lake Juliet. Para piorar seu desgosto de ter ido a um local remoto, a jovem tem seus pertences furtados por um garoto e, quando finalmente encontra o pai, ela é obrigada a se enturmar com os colegas de Richard — um bando de cientistas que Ashley nem conhece.

Contudo, um imprevisto na J.C. Valley, a companhia em que Richard trabalha, acaba separando pai e filha mais uma vez. Vagando pelo resort em Lake Juliet atrás de sua mochila furtada, Ashley topa com o meliante Matthew, que pede ajuda para sair do poço em que se escondeu para não ser pego pelo guarda florestal do resort.

Devidamente apresentados, Ashley e Matthew acabam criando um forte vínculo. O menino de 13 anos está atrás de pistas sobre seu pai, que desapareceu há cinco anos. Movida pela empatia, a protagonista decide embarcar em mais uma jornada por trás de lembranças perdidas — e que, curiosamente, acabam entrelaçadas com as memórias referentes à busca de Ashley sobre a verdade acerca de sua mãe.

“Tem lugares que me lembram/Minha vida, por onde andei”

Os dois jogos de Recollection seguem o modelo de aventura narrativa, com várias porções de cutscenes e diálogos que emulam histórias em quadrinhos, inclusive com direito a texto automático e log para rever mensagens passadas. No entanto, os momentos de exploração são inteiramente baseados na resolução de puzzles e um pouco de backtracking aqui e ali.

Embora não muito complexos a ponto de fazer com que precisemos reiniciar toda uma porção da história para desfazer um possível softlock devido a um errinho bobo na execução, os quebra-cabeças são bem-elaborados o suficiente para agradar a entusiastas do gênero, sendo pautados em especial na nossa capacidade de observação. Particularmente, gostei bastante de usar o DAS e o RAS (apetrechos tecnológicos que Ashley recebe na segunda aventura) para desvendar alguns enigmas — e também quero dizer que os poucos (e tímidos) puzzles do primeiro título são compensados em quantidade e qualidade no segundo.


Ainda, ambos os jogos contam com a possibilidade de ligar a navegação automática, que indica aonde devemos ir, e dicas para as soluções dos quebra-cabeças. O ponto positivo é que essas ferramentas de acessibilidade podem ser ligadas e desligadas a qualquer momento, facilitando a vida de quem não souber como avançar na campanha.

Só preciso pontuar dois contras, que, embora não muito prejudiciais à jogatina em si, incomodam um pouco. O primeiro é a câmera, que pode atrapalhar não apenas na exploração, como também na interação com objetos e personagens essenciais para o prosseguimento nas histórias; o segundo é que a resolução de puzzles que dependem do giroscópio e da física é meio desengonçada, às vezes requerendo várias tentativas.


Contudo, o que me motivou mais a explorar os cenários de ambos os jogos foi procurar por mensagens deixadas por Richard. Essas 23 “entradas de diário” (14 para Two Memories e nove para A Journey into Memories), por assim dizer, estão escondidas em origamis que podem ser escaneados pelo DAS e, além de funcionar como colecionáveis, nos contam mais sobre os perrengues na vida do pai de Ashley e acrescentam mais camadas à história dos jogos.

Infelizmente, dada a progressão linear (A Journey into Memories começa assim que terminamos Two Memories) e a impossibilidade de revisitar os capítulos separadamente, quem não tiver paciência de ficar explorando cada cenário pode acabar perdendo essas mensagens escondidas. A única saída para isso é iniciar uma nova campanha — mas, pelo lado bom, finalizar a coletânea pela primeira vez libera a roupa original de Ashley dos tempos de Trace Memory, estimulando uma segunda jogatina com aquele quê de “estou jogando o jogo original”.


Uma pena, na minha opinião, é Recollection não possuir uma galeria para rever as cutscenes (e até mesmo o encerramento da coletânea) e um tocador de músicas. A qualidade audiovisual é tão linda, com uma excelente dublagem tanto em japonês quanto em inglês, que nem parece um jogo para um console de praticamente sete anos de vida.

É verdade que faltou uma localização de legendas para o português brasileiro, algo em que a Nintendo tem apostado em seus exclusivos recentemente, mas a coletânea traz várias opções de idiomas, sendo o espanhol um deles. De todo modo, a linguagem é majoritariamente acessível, então quem não tem muita familiaridade com o inglês pode aproveitar a aventura de Ashley sem problema algum — talvez apenas os termos mais científicos se provem dificultosos em determinados momentos, mas nada muito agravante.

"Memórias que não morrem/Que não se apagam/Que não se perdem"

Deixando puzzles e exploração de lado, quero dizer que Recollection, mesmo para quem nunca teve contato com os títulos originais, é um prato cheio para quem curte muito, mas muito drama. Embora contem com alguns momentos de comédia aqui e ali, ambas as tramas são pautadas em temas pesados, como perda, luto, autoaceitação e, de certa forma, abandono parental, que podem tocar em feridas pessoais — como foi no meu caso, mas isso pretendo abordar em um texto futuro, se meu emocional me permitir fazê-lo.

Essa escolha narrativa não é demérito algum, uma vez que tanto Two Memories quanto A Journey into Memories são capazes de tratá-los sem leviandade e conseguem criar empatia com o público-alvo. No entanto, não acredito que a coletânea seja de fácil digestão, então as aproximadas 20 horas de gameplay podem se transformar em 30 ou 40, a depender de quem está jogando.

Também quero elogiar o elenco de personagens para além de Ashley. Todos os deuteragonistas, personagens secundários e antagonistas com quem a garota se encontra acabam contribuindo para o crescimento pessoal da protagonista, sem falar que eles são cheios de personalidade e carisma próprios.

“Mesmo que encarar a verdade seja difícil, no fim das contas, é sempre o melhor”

Another Code: Recollection é a revitalização de duas obras pouco conhecidas, mas que trazem mensagens importantes para nossa vida como um todo. É verdade que as aventuras de Ashley não são fáceis em vários sentidos e os temas abordados tocam em feridas profundas para quem sofre de certos traumas, mas são um prato cheio para quem curte narrativas bem-elaboradas com aquele quê de solução de puzzles. 

Prós

  • Ambos os jogos trazem narrativas bem-elaboradas;
  • Os temas apresentados nas aventuras são pesados, mas não tratados com leviandade;
  • O elenco de personagens é vasto e possui carisma e personalidade próprios, impactando significativamente no crescimento pessoal de Ashley;
  • Ótima apresentação audiovisual, especialmente em questões de performance no Switch;
  • A dublagem dos personagens, tanto em inglês quanto em japonês, é excelente;
  • Completar a coletânea pela primeira vez nos recompensa com a roupa original de Ashley em Trace Memory;
  • Opção de ativar e desativar o navegador automático e as dicas de soluções de puzzles a qualquer momento;
  • Os quebra-cabeças proporcionam um desafio justo. 

Contras

  • Sem galeria para rever cutscenes e ouvir as músicas;
  • Sem possibilidade de jogar capítulos individualmente, acarretando a perda de algumas mensagens de Richard;
  • Problemas pontuais de câmera;
  • Sem localização para o português brasileiro;
  • Alguns puzzles envolvendo o sensor giroscópico e elementos de física são desengonçados, requerendo mais de uma tentativa para serem solucionados.
Another Code: Recollection — Switch — Nota: 8.5
Revisão: Davi Sousa
Capa: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida por Nintendo

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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