Resenha

The Legend of Zelda: Twilight Princess em mangá: a queda do Herói e a Linha do Tempo de Hyrule (Vol. 6 e 7)

Link passa por provações enfrentando sua própria Sombra, enquanto Zelda e Ganondorf têm uma merecida conversa cara a cara.


Existia um tema poético na cultura grega antiga chamado húbris: é a queda que vem do orgulho e da arrogância, a humilhação imposta pelo destino para aquele que o desafiou e ousou se achar livre de limites. Esse tema permanece muito recorrente no imaginário moderno, marcando a origem de muitos anti-heróis e vilões, também presente no arco de queda e redenção de muitos heróis. É isso que Akira Himekawa faz com Link no mangá The Legend of Zelda: Twilight Princess.

Já vimos um panorama geral do histórico do mangá e, depois, passamos pelos volumes 1 a 5 dessa saga (links no final do texto). Hoje, vamos ver o que os volumes 6 e 7 têm em suas páginas e, para mim, é aqui que as coisas ficam ainda melhores, e a dupla de autoras lança suas maiores cartadas na construção de Link como personagem muito mais complexo que o camarada silencioso que vemos nos jogos há quase 30 anos.




Nesses dois tomos, elas chegam a dedicar mais de 200 páginas a acontecimentos, encontros e dramas que não estão no jogo nem em qualquer outro lugar da franquia. Ao mesmo tempo, usam esse espaço para expandir as mínimas informações que temos sobre a Linha do Tempo de Hyrule, aproveitando a margem criativa para encaixar as peças em um quadro narrativo que acho (muito) superior ao cânone.

Volume 6

Este é um volume totalmente atípico para o padrão de mangás em geral, porque tem apenas dois capítulos: um de 60 páginas e outro de 90. Como Twilight Princess foi publicado digitalmente, a quantidade de páginas por capítulo flutuou ao longo da série, mas este foi o caso mais diferenciado.

Os Juízes, o Espelho da Sombra e Ashei

O começo pega diretamente de onde o outro volume parou: após obter a Master Sword, Link e Midna estão diantes das misteriosas entidades chamadas de Juízes e ouvem a história de como, um século atrás, Ganondorf foi enviado através do Espelho da Sombra para outro mundo. Eles desconfiam que é dele que vem o poder inesperado de Zant para usurpar o trono do Crepúsculo e fazer guerra ao mundo da luz de Hyrule.

Link fica atônito em como a mera menção daquele nome, que ele nunca havia ouvido antes, faz seu sangue ferver, mas fica ainda mais espantado por esse tal de ladrão-demônio Ganondorf ser um dos portadores da Triforce. Por que um homem maligno carregaria o símbolo das deusas? Os Juízes explicam que a Triforce é puro poder, sem distinguir entre bem ou mal. A escolha é sempre do portador, algo que Link só entenderá mais tarde.




Assim, a dupla parte em busca dos fragmentos do Espelho da Sombra, que foi destruído por Zant e espalhou-se pelo reino. O primeiro deles está no Pico Nevado, onde entram na história os ietis apaixonados, Yeto e Yeta, e também a guerreira Ashei. Ela é parte dos cavaleiros de Hyrule e o local onde estão é um antigo quartel onde ela viveu.

A jovem ajuda Link na luta pelo fragmento do espelho e o herói quase o pega, sendo impedido por Midna. Aquele é um espelho terrível capaz de seduzir e corromper ao mínimo toque. Apenas a princesa do Crepúsculo tem os meios seguros para lidar com o artefato.



Link das trevas

Sabendo que o castelo de Hyrule sofrerá um ataque, Midna, Ashei e Link partem para lá e, no caminho, Link destrói todos que se atrevem a entrar em seu caminho. O poder da Master Sword flui por meio dele e, a cada golpe devastador, a fome de força aumenta. Sendo o escolhido para usar a espada sagrada, ele acha que a força dela lhe pertence e que finalmente conseguiu se tornar o herói infalível que salvará a todos. Apenas alguém especial como ele poderia cumprir a missão divina.

Midna nota a mudança no comportamento, o excesso de confiança e o egocentrismo de sua postura e o repreende ferozmente, mas Link acha que essa foi uma mudança natural de uma pessoa que era fraca e lutava para não se afogar na maré do destino, mas que cresceu em sua jornada e finalmente despertou para o poder que só ele pode empunhar.




É nesse momento que Midna vai embora, deixando-o sozinho para refletir sobre sua mudança. Sem entender, Link segue lutando contra as criaturas nos campos ao redor da capital, sob o olhar assombrado de Ashei diante de toda a determinação e o poder do herói de verde.

Eis que ressurge o rei Bulblin, mas Link o humilha, parte seu segundo chifre e está prestes a executá-lo quando vê uma versão sombria de si mesmo, como um espelho reverso. Ele acha tratar-se de feitiçaria para confundi-lo e trava um longo duelo com seu nêmesis até conseguir encravar a Master Sword no peito do oponente, só para perceber que, na verdade, a lâmina estava fincada em seu próprio corpo.




Desesperado, ele finalmente percebe que aquela havia sido uma luta interna contra uma faceta maligna de si mesmo. Maligna, porém verdadeira: o que ele viu foi a encarnação de seus próprios sentimentos.

O problema é que Zant estava ao lado, divertindo-se com a angústia do suposto herói. Link, que perdeu a batalha psicológica, tenta atacá-lo, mas não consegue erguer a Master Sword, como se tivesse perdido a prerrogativa de usá-la. Se a espada repele o mal, o que isso diz sobre ele? À mercê dos ataques de Zant, Link fica à beira da morte, mas o lobo dourado surge de repente quebrando a barreira entre os mundos e resgata o ferido, fugindo em seguida.



A aparição de Dark Link foi uma escolha muito apropriada. A sombra de Link já havia surgido simbolicamente no final do volume 2, mas aqui ganha forma própria em momento oportuno: quando o herói é tomado pela húbris, o destino coloca diante dele sua nêmesis, o reflexo invertido que o derrubará, simbolizando que é herói quem derruba a si mesmo.

Desde Ocarina of Time Link teve seu reflexo sombrio, um oponente que surge em vários outros títulos da série. Em Twilight Princess, a ideia é representada apenas em uma visão que o protagonista tem no Lago Hylia, ao libertar o espírito da luz Lanaryu. A visão diz que ele tenha cuidado, pois “aquele que não conhece o perigo de empunhar o poder, logo será governado por ele.”


Volume 7

Este é um dos meus volumes favoritos na saga. É o ponto que mais se distancia do jogo e metade das páginas isolam Link, completamente vulnerável e na companhia de uma personagem nova.

Logo em seguida vemos algo que funciona como uma cena de bastidores com Zelda, que poderia muito bem acontecer em paralelo aos eventos originais. Para fechar, temos o Templo do Tempo e uma conexão direta com Ocarina of Time, como dita a Linha do Tempo oficializada no volume Hyrule Historia, de 2011.

“O poder não habita uma lâmina se não houver bravura.”

Link desperta sozinho em um celeiro, tão ferido que não tem forças nem para se levantar. Ele vem sendo cuidado por uma garota fechada, de nome Anika, e passará ali os dias seguintes se recuperando e escavando a alma para entender o que lhe passa. Após fracassar como herói, o jovem entende o que os Juízes disseram sobre a Triforce representar apenas poder, sem distinguir entre o bem e o mal: a escolha é um fardo do portador.



Enquanto suas feridas são tratadas por Anika, ele é confrontado pelo Link das Trevas e reprime seus sentimentos mesquinhos, que sempre estiveram ali. Desde a época em que treinava em sua cidade natal, seu maior desejo era ser reconhecido como herói e admirado por todos, e foi por esse motivo que ele cedeu à provocação de tentar tirar a Espada de Gaurof de seu lacre, o que teve as consequências que já conhecemos.

Ele confundiu heroísmo com ambição e, agora, fraco e vulnerável, consegue entender a diferença, mas não sem ajuda. Ele é visitado pelo mesmo lobo dourado que o salvou diante de Zant (como também havia feito quando Midna estava à beira da morte).



O mesmo lobo dourado que, na verdade, é o guerreiro esqueleto e que, em uma verdade mais profunda, é um antigo herói que usou a mesma túnica verde do portador da Triforce da coragem. Na condição de um espírito à deriva, ele assume forma de fera para proteger o novo escolhido até que este cumpra a missão que é o fardo de ambos.

O guerreiro deixa com ele a Master Sword e Link percebe que consegue erguê-la novamente. Recuperando as forças e munido de nova determinação, Link vê Midna na porta do celeiro, e fica emocionado por ela ter retornado. A princesa do Crepúsculo diz a ele que nunca o deixou; era ele que não conseguia vê-la até aquele momento.




Só então ele descobre onde está: é o local por onde Zant iniciou a invasão ao mundo da luz e, por isso, só restam os túmulos escavados pela jovem Anika, a única sobrevivente.

Link, que conhece o sentimento implacável de perder todos à sua volta, se conecta a Anika. Ele tentou fugir do passado quando sua cidade foi tragada pela escuridão, mas ela assumiu a responsabilidade de honrar seu vilarejo arruinado. Ela, apenas uma criança, foi a mais forte e o manteve vivo. Agora é Link quem deve retomar seu verdadeiro papel de cuidar dela e de cada pessoa em Hyrule, enquanto tiver vida em seu corpo. A conclusão do herói é que todos são fracos e encontram a força ao proteger uns aos outros.



A princesa e o ladrão

A cena seguinte se passa no castelo de Hyrule, coberto pelas trevas, e uma voz desperta Zelda do limbo onde se encontrava. É Ganondorf em pessoa, que a convida para o chá.

A conversa que se segue é muito interessante. Os dois portadores da Triforce despertaram para seu destino milenar, lembraram de suas vidas passadas e entenderam que estão presos no jogo de forças opositoras que sempre os reúne novamente. Eles falam um do outro sem rodeios.
Aqui entra em cena a Linha do Tempo de Hyrule Historia e uma entrevista anterior de Aonuma à revista japonesa Nintendo Dream em que ele falou da conexão entre Ocarina of Time e Twilight Princess. É claro que essas são breves menções, e Akira Himekawa teve o prazer de elaborar o conflito a partir delas.


Mais de cem anos antes, um outro Link derrotou Ganondorf na história que ficou conhecida como Ocarina do Tempo. A princesa Zelda daquela época usou o instrumento mágico para fazer o herói retornar à infância, para o momento em que tudo começou, mas ele lembrava de tudo o que aconteceu e procurou a própria princesa mais uma vez para contar do perigo que se aproxima (O reencontro dos dois é a cena final daquele jogo).

Sabendo das intenções de Ganondorf, Zelda aconselhou o pai a executar o homem gerudo quando ele visitou o castelo (o que acontece durante o primeiro encontro entre Link e Zelda), mas, como não conseguiram matá-lo, a solução foi bani-lo para o Crepúsculo por meio do Espelho da Sombra, como já vimos.




Sem o corpo físico que tinha no mundo da luz, Ganondorf vagou pelo Crepúsculo na forma de espírito, ciente de quem é e do que sua existência representa para a balança dos poderes do mundo. Ele nutriu seu ódio pelos que o baniram e pelo inimigo que o derrotou daquela e de outras vezes. Acima de tudo, ele odiou o destino que sempre coloca sua força contra a sabedoria e a bravura, unidas contra sua ganância destrutiva.

Finalmente, viu em Zant um vetor para seus propósitos. Deu ao feiticeiro a força para quebrar a barreira que separa o Crepúsculo e Hyrule. Em troca, Ganondorf é seu deus a ser venerado, servido e libertado. Ele quer quebrar a roda e impedir os ciclos eternos ao inverter o fluxo e esmagar o herói que deveria derrotá-lo. Para isso, o vilão planeja que Zelda se una a ele, voluntariamente ou não. Resta apenas esperar pelo último ator desse épico encontro de forças.
O diálogo entre Zelda e Ganondorf serve para pôr em prática a tal Linha do Tempo da série, mas também é um momento solene para os dois brilharem com personalidades altivas e confiantes. No jogo, eles só apareceriam no confronto final, então é bom ver no mangá os dois terem seu momento de preparação antes do clímax.


O Templo do Tempo

O segundo fragmento do Espelho do Crepúsculo se encontra em um local secreto na própria Floresta Sagrada, nas profundezas do Bosque Faron, onde Link obteve a Master Sword. É com a espada que ele consegue abrir a passagem mágica para o templo onde o tempo dorme eternamente e, uma vez dentro, a dupla avança em direção ao passado até chegar ao antigo pedestal conhecido por quem acompanha a série: aquele é, de fato, o mesmo Templo do Tempo de Ocarina of Time.

Essa referência faz parte de Twilight Princess, mas o mangá aproveita a deixa para dar um passo além. Quando Link adentra a câmara sagrada, ele ouve alguém se aproximar e vê um menino correr para o altar, retirar uma antiga manifestação da Master Sword e, de repente, tornar-se adulto. Dentro daquele Templo, Link vê toda a saga do herói do passado se desenrolar, até o momento em que ele enfrenta a fera Ganon.




No clímax de uma batalha impressionante, a visão some e tudo o que resta é o guerreiro esqueleto, o verdadeiro Herói do Tempo, diante de Link. Como a antiga Zelda reverteu o tempo, a luta que o novo herói viu não aconteceu naquela realidade, ela é apenas uma ramificação para uma linha do tempo que se separou e tomou seu rumo. O antigo Link, portanto, nunca se tornou um herói e não salvou Hyrule. Ele foi privado de seu destino e o cumprirá por meio de seu sucessor. 

Apenas os três portadores da Triforce sabem do passado que foi desfeito e do conflito sagrado que agora tomará o palco da história mais uma vez. Vendo a batalha do passado, Link entende quem é o oponente e qual é o seu papel em enfrentá-lo. Ao presenciar a força do herói que veio antes dele, o jovem se enche de coragem para cumprir sua responsabilidade e pede que o Herói do Tempo o ensine a lutar como naquela visão.
A intenção era manter três volumes por texto, mas, se você leu até aqui, percebeu que eu me empolguei na contação da história e dois volumes bastaram para render um longo relato! Portanto, na próxima semana veremos mais dois volumes e, na primeira semana de 2024, a conclusão da história épica do herói e suas duas princesas.
Revisão: Cristiane Amarante

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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