Crymachina (Switch) e os problemas que o impedem de ser um bom jogo

Com diversos problemas nos âmbitos de narrativa e jogabilidade, o título pode decepcionar fãs de RPG.

em 11/11/2023

Apesar de ter boas ideias, Crymachina é, infelizmente, um jogo que deixa a desejar em diversos aspectos, sobretudo ao se apresentar como um RPG. Como comentei na análise, eu estava verdadeiramente empolgada para experimentar o “sucessor espiritual” de Crystar em sua proposta de trazer mais questionamentos sobre o que é o Homem e os impactos que as emoções têm sobre nós enquanto indivíduos.

No entanto, existem alguns aspectos que afetam Crymachina de forma significativa, impedindo-o de ser um bom jogo, na minha opinião. Esses pontos eu discuto abaixo, a fim de complementar a experiência que tive com este "RPG".

Uma visual novel disfarçada de RPG

O primeiro ponto que quero abordar é talvez o mais crucial para o aproveitamento do jogo em si: Crymachina se vende como um RPG, porém, na prática, a maior parte do tempo se resume no jogador lendo os diálogos entre as personagens. Isoladamente, isso não caracteriza um problema propriamente dito, até porque outras franquias consagradas, como Persona e até mesmo Tales of, possuem grande porção textual que fazem parte do andamento da história.

No entanto, no caso deste novo RPG da FuRyu, as conversas são obrigatórias para o prosseguimento na campanha, não um elemento que faz parte da progressão em si, organicamente falando, como se estivesse apresentando uma nova camada da trama. Isso significa que, a cada nova interação desbloqueada, o jogador é obrigado a parar a exploração das camadas da Eden para que Leben possa trocar algumas linhas de diálogos com Enoa, Mikoto e Ami no Imitation Garden; é como se as garotas vivessem em uma eterna "hora do chá", filosofando sobre os conceitos de emoções, o que significa ser humano e tópicos afins.


Em outras palavras, há um tedioso e repetitivo ciclo que se resume a gastar alguns minutos em dungeons pouquíssimo elaboradas, destravar diálogos obrigatórios que não acrescentam tanto assim na porção macro da trama, ir para a próxima dungeon. Não ajuda o fato de que, antes da ação propriamente dita, há mais uma porção textual — que, agora, sim, serve para dar continuidade à história — com a qual o jogador precisa lidar antes de assumir o controle de uma das garotas.

Isso não significa que Crymachina não traga assuntos interessantes ou pouco relevantes, mesmo que às vezes se apoie em lugares-comuns, estereótipos e clichês narrativos; no entanto, a tentativa de misturar diferentes gêneros em um produto resultante de um orçamento mais modesto faz com que o jogador seja bombardeado com informações em excesso e tenha poucos recursos para assimilar o que acaba sendo realmente importante para o entendimento da história do jogo como um todo.

Dessa forma, eu ainda acredito que este jogo teria conseguido se expressar muito mais, figurativa e literalmente falando, se tivesse sido concebido como uma visual novel. Pelo menos, o jogador não precisaria dividir sua atenção entre narrativa e elementos de RPG mal-planejados e poderia extrair, de maneira mais satisfatória, todas as nuances que Crymachina procura abordar.

Ação de menos, elementos demais e aproveitamento ínfimo

Todo o sistema de combate de Crymachina é falho. Sendo sincera, o de Crystar também não era um primor, porém dava ao jogador a oportunidade de experimentar diferentes estilos ao alternar entre as quatro heroínas dentro de uma dungeon.

Entretanto, nem isso seu "sucessor espiritual" consegue fazer: cada parte da aventura é dedicada a uma das meninas — Leben, Mikoto e Ami —, com as outras sendo largadas de escanteio até sua vez de brilhar chegar. Ou seja, por mais que elas possuam uma jogabilidade ligeiramente (ênfase importante aqui) diferente entre si, o jogador não tem a oportunidade de escolher a heroína que traz um estilo mais agradável ao seu gosto, sendo obrigado a se acostumar com cada estilo individualmente se não quiser levar constantes game overs.

Até existe a possibilidade de usar Enoa para interferir no combate, seja ativando o modo Awaken e conferindo buffs à personagem controlada, seja causando dano ao inimigo, porém essas ações extras são extremamente limitadas. No fim do dia, as lutas se resumem apenas a apertar botões repetidas vezes até que os oponentes sejam aniquilados, mesmo que as garotas possam equipar armas secundárias, como lasers e mísseis, e ainda contem com uma pistola.


A exploração também deixa a desejar: em Crymachina, visitar as dungeons se resume a ver e rever as mesmas paisagens, porém com cores e músicas diferentes de tempos em tempos, em trajetos que se resumem a, basicamente, ir do ponto A ao B. Não existem inimigos em uma quantidade satisfatória para classificar o jogo como um RPG de ação e há uma discrepância no nível de dificuldade entre embates contra inimigos comuns e chefes.

Para além do combate e da exploração, temos elementos de RPG que parecem ter sido inseridos no jogo, pegando emprestadas as palavras do meu colega Ivanir, porque parece ser moda tê-los em um jogo. Aqui, falo de parâmetros principais, como vitalidade, fortitude e agilidade, e subparâmetros extremamente específicos, mas que, na prática, são mal-explicados e até mesmo aproveitados.

Isso porque o sistema de níveis se resume a usar os pontos de ExP e EGO para fortalecer as heroínas individualmente, porém o jogador não pode simplesmente priorizar sua favorita em detrimento das demais dado o protagonismo fragmentado da história. Para agravar ainda mais neste quesito, Crymachina possui um fator de rejogabilidade baixíssimo; além disso, por mais que o jogo tente incentivar o grinding, os recursos acabam sendo escassos, então essa prática é contraprodutiva no fim das contas.

Em suma, a falta de explicação acerca dos elementos "de RPG" e as poucas oportunidades de experimentar estilos de luta e equipamentos diferentes fazem com que o jogador se sinta constantemente no escuro, sem saber em quais habilidades e personagens investir, quando e por quê.

Boas ideias desperdiçadas

Sem se aprofundar em nenhum dos gêneros que Crymachina tenta abraçar, a experiência deixa a desejar em todos os aspectos. Ao não ser nem isto e nem aquilo, o jogo acaba reforçando que, no mundo em que vivemos, produtos não são capazes de se sustentar no mercado se dependerem apenas de boas ideias.


Revisão: Vitor Tibério
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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