O Super Nintendo indiscutivelmente destaca-se como um console que abriga uma das bibliotecas mais ricas de RPGs. Com títulos emblemáticos publicados por empresas como Square e Enix, que naquela época eram entidades distintas, o console solidificou sua reputação como um bastião incontestável do gênero.
Devido à crescente popularidade desse nicho, sobretudo no Japão, outras desenvolvedoras também se empenharam em conquistar uma fatia desse mercado. Foi assim que, em 1993, a Neverland produziu Lufia & the Fortress of Doom, um título que pode não figurar entre os mais populares da espécie, mas que carrega consigo qualidades notáveis e marca o início de uma curiosa franquia.
O eterno confronto contra os Sinistrals
A narrativa de Lufia começa de maneira intrigante, transportando-nos para a pele de quatro indivíduos com níveis altíssimos: Maxim, Guy, Selan e Artea. Eles são os guerreiros mais poderosos de sua época e estão no clímax de uma longa jornada para derrotar quatro seres terríveis que ameaçam a existência do mundo, os Sinistrals.
A batalha é vencida pelos mocinhos, mas uma tragédia se abate sobre eles quando a fortaleza onde o confronto ocorre começa a desmoronar, deixando o destino dos heróis em dúvida.
Décadas de paz reinam após a derrota dos Sinistrals. Contudo, quase um século depois, em um dia aparentemente comum, um descendente de Maxim, cujo nome é determinado pelo jogador, e sua grande amiga Lufia são surpreendidos com a notícia de que monstros surgiram e atacaram um reino vizinho.
Entretanto, o problema não se limita a isso; um a um, os antigos Sinistrals estão ressurgindo, desencadeando uma nova onda de desespero pelo mundo. Nesse contexto, o jogador assume o controle do casal de heróis e de dois personagens que se unem à equipe durante a jornada, Aguro e Jerin, a fim de investigar o motivo por trás do retorno desses seres malignos e colocar um ponto final na questão.
Um RPG divertido, mas com problemas
Lufia & the Fortress of Doom é bastante simples em termos de gameplay e compartilha muitos dos elementos básicos presentes nos RPGs mais conhecidos da época, como Breath of Fire, Dragon Quest e Final Fantasy.
O jogo oferece um vasto mapa externo que permite aos jogadores explorar livremente e acessar pontos de interesse, como cidades, cavernas e castelos. Tanto nas masmorras quanto no mundo aberto, encontros com inimigos acontecem de forma aleatória, com os combates sendo baseados em turnos e a ordem dos ataques influenciada pela velocidade dos personagens.
Juntos, os quatro heróis formam uma equipe equilibrada: o protagonista possui atributos dignos de um guerreiro, além de algumas habilidades mágicas; Aguro é notável por sua força e resistência, mas carece de técnicas especiais; Lufia e Jerin, as magas do grupo, contribuem com as opções ofensivas elementais e habilidades de cura.
Graças à singularidade de cada personagem e à diversidade de inimigos, especialmente os chefes, o sistema de combate em Lufia torna-se cativante e estratégico, demandando que o jogador conheça o que tem em mãos e o que enfrenta. No entanto, essa qualidade é extremamente prejudicada por uma estranha escolha dos desenvolvedores: a impossibilidade de selecionar alvos individuais em um grupo de inimigos.
O sistema funciona da seguinte maneira: se uma batalha começa contra três ratos e um pássaro, o jogador pode optar por atacar aleatoriamente um dos três bichos iguais ou o único diferente. Para agravar a situação, quando um adversário é eliminado, os ataques que já estavam direcionados a ele se perdem, em vez de serem transferidos automaticamente para os monstros remanescentes.
Essa característica peculiar torna os combates exaustivos e irritantes a longo prazo, especialmente porque os encontros aleatórios são frequentes, interrompendo constantemente a exploração. Embora existam itens que reduzem a taxa de encontros e permitam o teletransporte entre cidades, nada disso resolve o problema central, que mina o potencial dos embates.
No lado positivo, destacam-se os sprites 2D dos inimigos, em especial os de alguns chefes. Embora não alcancem o auge da estética do Super Nintendo, eles são detalhados e charmosos. O design das cidades e masmorras é igualmente competente, com algumas dungeons conectando diferentes regiões do mapa e contendo baús com itens raros em locais de difícil acesso.
Contudo, Lufia também apresenta um problema de falta de variedade na exploração. A maior parte das áreas internas nas quais nos aventuramos são cavernas ou torres, que, embora geograficamente distintas, são visualmente semelhantes. Vulcões, templos submersos, castelos em ruínas e montanhas congeladas são exemplos básicos que poderiam estar presentes para enriquecer o mundo do jogo.
Um aspecto curioso do título possui é que, após a conclusão, uma tela exibe as estatísticas do jogador, como a quantidade de baús encontrados e o número de vezes que cada personagem morreu. Além disso, é desbloqueado um modo denominado Try Again, que funciona como uma espécie de New Game+, no qual a quantidade de experiência e dinheiro obtidos em batalhas é consideravelmente aumentada.
Em suma, o primeiro Lufia é um RPG bastante simplificado e, por vezes, limitado em termos de jogabilidade. No entanto, sua trama é envolvente e apresenta uma reviravolta chocante no final, além de nos mostrar um conflito que continuaria sendo explorado em suas boas sequências.
Sequências que desbravam o passado e o futuro
Fortress of Doom deu origem a várias continuações, transformando Lufia em uma série com um enredo intrigante que explora um confronto que durou séculos. Apesar de ter sido o primeiro título lançado, ele se posiciona em segundo na cronologia dos eventos (ou terceiro, se considerarmos The Ruins of Lore).
Em 1995, Lufia II: Rise of the Sinistrals foi lançado para o Super Nintendo, sendo protagonizado por Maxim e revelando a origem do conflito com os Sinistrals. Embora este jogo mereça um texto próprio, o que pretendo fazer futuramente, adianto que, além de ser excelente, ele corrigiu a maior parte dos problemas de Fortress of Doom e introduziu inovações significativas, como um sistema de criação de monstrinhos e a interação física com elementos do cenário para a resolução de puzzles nas dungeons.
Em 2001, o Game Boy Color recebeu Lufia: The Legend Returns. Neste título, a trama se desenrola cerca de um século após os eventos da primeira obra e apresenta a última batalha contra os Sinistrals. Já em 2002, Lufia: The Ruins of Lore foi lançado para o Game Boy Advance. Funcionando mais como um spin-off, sua história se passa 20 anos após os acontecimentos de Lufia II e introduz um antagonista diferente. Vale destacar que ambos os games são divertidos, pois bebem bastante da fonte da ótima segunda produção.
Finalmente, temos Lufia: Curse of the Sinistrals, que chegou ao Nintendo DS em 2010. Desenvolvido pela Neverland em colaboração com a Square Enix, trata-se de uma reinterpretação de Rise of the Sinistrals, adaptando o enredo do jogo em um RPG de ação. Apesar de ter muita qualidade, não creio que ele substitua ou supere a experiência original.
O primeiro passo de uma boa série
Lufia & the Fortress of Doom pode não ter o mesmo brilho que alguns dos RPGs mais renomados da era de ouro do Super Nintendo, mas não deixa de ser um marco inicial fundamental para uma série que cresceu e amadureceu ao longo dos anos. Nesse sentido, trata-se de uma jornada que, com seus altos e baixos, vale a pena ser explorada pelos amantes do gênero.
Revisão: Davi Sousa