De volta a Timber Hills
Jala é uma moça cujo passado foi bem conturbado graças às suas paixões ardentes e a busca por algo mais em sua vida. Aos 25 anos, ela decide voltar à cidade de Timber Hills após mais um término complicado. Porém, o retorno às suas raízes implica em ter que encarar feridas do seu passado que ainda não cicatrizaram.
Jala ficou muito tempo sem nem entrar em contato com seus pais, quebrando totalmente os seus vínculos. Como resultado, quando ela chega em Timber Hills, tem algumas surpresas, como o fato de sua irmã estar bem perto de se casar com um pretendente que ela nem conhece.
Logo o retorno de Jala se torna uma jornada de reconciliação com sua família e com os ex-namorados que ela deixou para trás. Mágoas e expectativas vêm à tona em confrontos psicodélicos ou até mesmo em discussões mais veladas, conforme a mãe de Jala questiona as decisões da filha de forma passivo-agressiva em sessões de culinária juntas.
De forma geral, a trama é muito bem escrita, dando especial ênfase ao humor e à empatia com seus personagens. Não temos aqui uma história de heróis e vilões, mas de indivíduos profundamente humanos e falhos, que tateiam o mundo com seus próprios sistemas de valores e crenças. Embora possam parecer caricatos em um primeiro momento, as suas histórias fazem sentido, são críveis e demonstram complexidade.
Na prática, todo o tom exagerado de Thirsty Suitors é uma forma inteligente e clara de abrir uma discussão sobre a vida social. No palco da sociedade, estamos sempre em uma grande performance, tentando nos portar de forma a ser percebidos de uma forma específica. O excesso visual do jogo reforça a natureza teatral das interações com “o outro”, o indivíduo para o qual se mostra de forma nada sutil. Isso vale tanto para os NPCs quanto para a própria Jala e suas tentativas de escancarar os sentimentos de seus oponentes.
Três eixos
Para além do texto, Thirsty Suitors é um RPG e há várias atividades para fazer. Porém, destacam-se especialmente três pilares de gameplay: combate, andar de skate e cozinhar. Mesmo que o jogador tente fazer o mínimo necessário para terminar a história, terá que passar por esses três sistemas.
As batalhas seguem um formato baseado em turnos e são iniciadas apenas em trechos específicos da história ou se o jogador interagir com alguns objetos do cenário. Nelas, podemos enfrentar até três indivíduos por vez, tendo sempre a transição entre um turno de Jala e outro de algum dos oponentes.
Entre as ações que podemos executar temos: ataque, provocação, habilidade e itens. A ideia básica do combate envolve explorar as vulnerabilidades dos inimigos. Para isso, temos que usar provocações de tipos variados que causam condições de status no oponente. Apenas algumas delas podem funcionar, então o jogador deve testar as possibilidades.
Caso o inimigo seja atingido por uma provocação cruel, perderá vida por um número específico de turnos (que varia de acordo com a execução de QTE do jogador). Se passar a sentir desejo, seus golpes passam a atingir um alvo aleatório, sendo possível que seja ele ou um oponente em vez de Jala.
Algumas habilidades ficam mais fortes quando atingem inimigos afetados, então o jogador pode aproveitar essa condição para infligir ainda mais dano. Porém, elas também custam FV (força de vontade), uma barra finita de energia que pode ser recuperada com itens de cura e ataques básicos.
Skate e culinária tradicional
Um detalhe de Thirsty Suitors é que suas áreas mais abertas precisam ser exploradas usando skate. São duas localidades, o centro da cidade e um parque afastado tomado por cultistas a serviço de um líder que se fantasia de urso. Movimentar-se com o skate permite ao jogador realizar manobras variadas, subindo em corrimões, correndo em paredes e até executando “finalizações” em certos pontos dos mapas.
Em ambos os lugares, é possível realizar alguns desafios que testam as habilidades do jogador, exigindo que ele realize manobras específicas, pegue objetos dentro de um tempo limite, e tente seguir trajetos específicos. Ao final, dependendo do desempenho do jogador, ele receberá avaliação entre F e S e algumas recompensas como itens e dinheiro. Confesso que não curti muito o skate porque a movimentação é um pouco travada, mas considero satisfatório de forma geral.
A última parte do tripé principal da gameplay é a culinária. A mãe de Jala valoriza muito suas tradições e fazer comida juntas (com a mãe dando instruções) se torna uma atividade muito importante para conhecer mais a fundo a relação das duas. Também podemos fazer algumas receitas com o pai, que vem do Sri Lanka, e tem uma personalidade totalmente diferente, deixando escapar alguns detalhes curiosos do seu passado em algumas receitas opcionais.
As receitas seguem um sistema de QTE igual às ações em combate. Executá-las de forma precisa rende mais pontos de aprovação (necessários para melhorar a qualidade do item final) e picância. Com o segundo, podemos ativar habilidades especiais durante a elaboração da comida.
Podemos gastar um ponto de picância para fazer uma versão “super” da etapa atual, fazendo-a em algo mais elaborado que envolve apertar mais botões para tentar conseguir uma pontuação bem maior. A outra opção é elogiar a mãe, ativando uma roleta de reações que podem ser tanto positivas quanto negativas. Por fim, é possível invocar os espíritos ancestrais gastando quatro pontos de picância para aumentar os ganhos durante os próximos turnos, mas isso é pouco útil na maior parte das receitas.
No Switch, especificamente, gostaria de destacar que temos alguns momentos em que as animações podem ter um pequeno delay visual e que as transições de cena atrasam um pouco. Isso pode afetar especialmente os QTEs, fazendo com que o jogador tenha que prestar atenção apenas ao som e não ao visual para poder ter mais precisão.
Outro problema é que a tradução tem algumas raras ocasiões de termos traduzidos de forma equivocada, mantendo-se literais. Isso também leva a algumas ocasiões de inconsistência, como o enfrentamento do personagem não-binário, que acaba tendo falas no plural antes do confronto e depois usando expressões de gênero neutro. Felizmente, esses problemas são bem raros e o jogo como um todo tem uma tradução fantástica que oferece uma leitura fluida e respeita o tom original, o que é especialmente complexo tendo em vista a tendência ao humor, com algumas piadas que não funcionam em português.
Uma mistura excêntrica
Thirsty Suitors é um caldeirão de ideias que juntas conseguem representar muito bem a vivência de Jala. Com personagens vibrantes e uma história bem conduzida, o título é muito mais do que suas partes. Trata-se de uma celebração da vida em todos os seus tropeços e recomeços.
Prós
- Narrativa bem escrita com personagens complexos e de fácil empatia;
- O estilo extremamente exagerado é bem utilizado como ênfase à necessidade da performance social;
- As batalhas de turno e as sequências de culinária incluem momentos interessantes de discussão verbal entre os personagens;
- O sistema de combate possui boa variedade de habilidades e itens para utilizar, um sistema de fraquezas a status para explorar e QTEs para melhorar ataque e defesa;
- Tradução que respeita o tom da obra e é bem agradável de ler.
Contras
- Alguns raros momentos do jogo em português usa termos equivocados de tradução literal;
- Alguns casos de delay visual que podem inclusive atrapalhar as sequências de QTE.
Thirsty Suitors — Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Annapurna Interactive