Análise: Crymachina (Switch): uma boa história prejudicada por um sistema de combate falho e desbalanceado

O novo RPG da FuRyu tenta seguir os passos de Crystar, porém consegue piorar o que já havia sido criticado em seu antecessor.

em 25/10/2023

Quando eu analisei Crystar, no ano passado, elogiei vários aspectos do jogo, da trama com temática sombria e diversos significados profundos escondidos em suas entrelinhas à apresentação audiovisual como um todo, em especial a excelente trilha sonora, porém com um combate e sistema de exploração extremamente mornos e pouco apelativos. Crymachina chegou com o propósito de ser um sucessor espiritual de Crystar e, mesmo com uma abordagem diferente, segue a mesma linha de raciocínio de seu antecessor.


Infelizmente, "seguir a mesma linha de raciocínio" implica em dois pontos: para um otimista, isso quer dizer que temos uma boa narrativa que pode colocar os mais atentos para pensar sobre diversos assuntos relacionados à evolução do Homem; para um pessimista, contudo, apostar nos mesmos erros de Crystar passa a impressão de que a FuRyu não está tão empenhada em aprimorar a exploração e os combates de seus títulos.

Para piorar, embora eu estivesse bastante empolgada para experimentar Crymachina e sua abordagem baseada em um cenário de ficção científica sombria, foi justamente a falta de polimento na parte de ação deste novo RPG que me tirou o encanto de embarcar na aventura protagonizada por Leben Distel. Mas não se preocupe: abordarei minha experiência com o jogo a seguir.

Em uma galáxia um futuro distante

Em Crymachina, acompanhamos a protagonista Leben Distel, que morreu de uma doença misteriosa e foi ressuscitada 2.000 anos após sua morte. O único porém é que ela não foi trazida de volta à vida como ser humano, mas sim como uma E.V.E., uma espécie de identidade robótica que reteve suas memórias de quando era humana — traçando um paralelo, é como se a menina tivesse sido revivida como uma semi-humana.

Além da heroína, conhecemos a IA Enoa, que logo mais se revela uma dos oito Dei Ex Machina responsáveis pela Eden, uma espaçonave lançada no espaço como a última tentativa de preservar a humanidade após sua extinção, mas cujo objetivo maior é trazer o Homem de volta. Enoa explica a Leben que outras garotas também foram trazidas de volta à vida, pois os outros Dei Ex Machina saíram de controle desde o lançamento da Eden.


Agora, Leben e suas companheiras — Mikoto, Ai e a própria Enoa — precisam colocar um fim nessas entidades descontroladas. Para isso, elas precisam derrotar as outras máquinas e IAs que habitam a Eden, incluindo os Dei Ex Machina, a fim de ganhar ExP; uma vez que tiverem juntado uma quantidade suficiente desse recurso, as heroínas finalmente serão reconhecidas como humanas de verdade e poderão contribuir com o plano de trazer a humanidade de volta.

Dado esse contexto, é de se esperar vários termos provenientes da ficção científica, o que, às vezes, pode tornar os diálogos são um pouco complexos de entender. Isso não significa que, de fato, o que está sendo falado seja ininteligível: há um glossário no qual o jogador pode conferir os vocábulos conforme eles aparecem na história, inclusive aqueles relacionados ao combate.

No entanto, quero alertar que, em termos de construção de personagens, Crymachina conta com alguns estereótipos ainda mais presentes do que aqueles de Crystar, já que comecei a análise comparando esses dois jogos. Neste contexto, não consegui me apegar tanto às protagonistas, embora algumas situações, apesar de clichês, tenham me arrancado risos (momentâneos) aqui e ali, como na screenshot abaixo.

Um RPG de ação que falha na ação

O novo RPG da FuRyu traz um hub central, chamado de Jardim da Imitação (Imitation Garden), no qual podemos acessar todas as funcionalidades do jogo: customização de equipamentos e habilidades; interação entre as personagens principais; conferência de tutoriais e glossário, com a possibilidade de verificar até mesmo perfis de personagens — aliados e inimigos —, a trilha sonora e um sistema de conquistas (algumas delas nos rendem recompensas ao serem completadas, como habilidades e equipamentos). Inclusive, é do Jardim que Leben pode partir para as diversas seções da Eden.

É curioso notar que, assim como em seu antecessor, a espaçonave lembra muito a exploração do Purgatório, com cada capítulo focando em diversas seções dentro da dungeon, incluindo uma opcional. Cada setor tenta, inclusive, instigar o jogador a explorar rotas alternativas, levando à descoberta de itens escondidos, fragmentos de memórias de outros E.V.E., coordenadas para acessar os andares opcionais de cada capítulo e até mesmo de inimigos extras — aqui, quero exemplificar com um Demi-Cherubim de nível 75 que derrotou Leben em um único golpe.

O problema é que a exploração em si consegue ser bem mais monótona que a apresentada em Crystar. O antecessor até tentou personalizar as dungeons com as temáticas relacionadas aos problemas das protagonistas; porém, em Crymachina, os cenários usam e abusam de elementos robóticos/cibernéticos, sempre passando a impressão de “mais do mesmo”, ainda que sejam condizentes com a proposta do jogo em si.


Para além da exploração, temos o mesmo padrão de inimigos comuns ao longo das dungeons e um chefe específico para aquele andar da Eden. Este é o ponto sensível: enquanto o combate contra os oponentes mais fracos é ágil e, de certa forma, divertido — com a ressalva de bastar apertar botões aqui e ali para causar o máximo de dano possível —, as batalhas contra os bosses se tornam arrastadas e enfadonhas. Em um momento específico, demorei exatos 30 minutos (!) para derrotar uma antagonista e concluir aquela porção da dungeon.

Embora o sistema de batalha conte com ideias interessantes, como a possibilidade de usar Enoa para curar nossa personagem (Emergency Repair), ativar o modo Despertado (Awaken) ou até mesmo causar dano ao oponente de maneira remota (Remote Assault), tudo é mal inserido na ação. As heroínas que podemos controlar na Eden também possuem suas próprias performances em batalha: Leben, por exemplo, é mais ágil, enquanto Mikoto desfere golpes mais poderosos, porém mais lentos.

No entanto, o que mais me incomodou de fato nesse sistema desbalanceado foi o fato de os parâmetros das personagens serem extremamente mal-explicados, especialmente no que diz respeito às habilidades e aos equipamentos. Parece que essas características foram simplesmente incluídas para dar um ar de “veja só, este é um RPG”, mas, na prática, ainda não descobri se aumentar a agilidade de uma personagem acarreta na velocidade de movimentação durante as lutas ou na velocidade de ataque.


Isso se torna ainda mais problemático quando as heroínas não sobem de nível automaticamente. Em Crymachina, todos os pontos de ExP adquiridos são utilizados manualmente para potencializar as garotas de maneira individual. O mesmo vale para EGO, que é uma espécie de “moeda” obtida ao vermos a interação entre as garotas e outras ações específicas, que serve para aumentar não apenas os parâmetros secundários das heroínas, como também as habilidades de intervenção de Enoa — isso sem mencionar a possibilidade de usar EGO para comprar itens aleatórios da misteriosa NPC Noah.

Sendo assim, Crymachina acaba repetindo o ciclo de grinding visto em muitos RPGs e, mesmo que eu não me importe com esse famigerado artifício, o novo título da FuRyu ainda não me deu motivos para explorar mais a fundo todo o potencial das batalhas, dados os motivos supracitados. Porém, nem mesmo o procedimento de “enxágue e repita” acaba sendo benéfico, já que os recursos são relativamente escassos, de modo a induzir o jogador a erros se ele não souber como melhorar o potencial das personagens.

Ironicamente, se em Crystar eu precisei aumentar a dificuldade porque achei as lutas muito medíocres, em Crymachina estou cogitando optar pelo modo casual, que, segundo o jogo, diminui os desafios de batalha.

Mediano nos demais aspectos também

Dadas as limitações do Switch, era de se esperar que este RPG sci-fi fosse sofrer certo downgrade em seu visual. De fato, isso ocorre tanto no modo TV quanto no portátil do console com os modelos 3D, em especial de personagens, que apresentam borrões e serrilhados constantes.

Se servir de consolo para os mais exigentes, as artes 2D, a ótima trilha sonora e a boa dublagem integral em japonês ajudam a equilibrar a sensação de um produto que não foi bem-pensado para o Switch. Felizmente, o combate, mesmo cheio de falhas, consegue ser fluido e ágil como promovido pela desenvolvedora.


As dungeons, mesmo com suas vastas repetições visuais, também transmitem toda a atmosfera do jogo. De forma geral, pode-se dizer que Crymachina faz jus à proposta que apresenta, tanto em narrativa quanto em visuais, apelando para diversos elementos de ficção científica sombria e conceitos de mundo pós-apocalíptico, mesmo que com alguns defeitinhos aqui e ali — como o humor fora de hora e alguns estereótipos apontados no primeiro tópico desta análise.

Contudo, fica o alerta: ele não possui legendas em português, então pode ser um pouco custoso acompanhar e compreender a história se você não tiver tanto domínio do idioma.

Talvez fosse melhor como uma visual novel

Crymachina fica em cima do muro em diversos aspectos, mas não chega a ser tão ruim quanto aparenta, desde que se leve em consideração seus pontos fracos. No entanto, é um equívoco considerá-lo um sucessor espiritual de Crystar, em especial no quesito dos combates, mas a narrativa e a ambientação, que carregam em si a proposta do jogo, conseguem sustentar a árdua (e desbalanceada) tarefa que é explorar as diversas seções da espaçonave Eden.

Na minha opinião, acredito que este “RPG de ação sem ação” conseguiria cativar mais os fãs de um cenário pós-apocalíptico se a FuRyu tivesse apostado em uma visual novel. No mais, Crymachina tenta inovar em alguns aspectos, porém, no fim das contas, cai na categoria “ame-o ou odeie-o”.

Prós

  • Mesmo com seus inúmeros defeitos, o combate é ágil e fluido;
  • Boa ambientação, tanto em narrativa quanto em visuais, de uma proposta de ficção científica sombria;
  • A trilha sonora e a dublagem integral em japonês ajudam a compor e enriquecer a atmosfera do jogo;
  • A interação entre as garotas é interessante;
  • As artes 2D são bem-feitas.

Contras

  • A trama, mesmo com alguns clichês e momentos de humor inadequados, bem como estereótipos, seria melhor aproveitada como visual novel;
  • O combate, mesmo com boas ideias, falha em aproveitá-las satisfatoriamente, tornando-se enfadonho e desbalanceado;
  • O grinding é um recurso artificial que leva à repetição desnecessária, já que os recursos são escassos;
  • Falta de explicação satisfatória de alguns elementos, em especial os parâmetros das personagens e como eles afetam sua performance em batalha;
  • A má administração de recursos pode induzir o jogador a erros na hora de potencializar as heroínas;
  • Falta de polimento gráfico nos modelos 3D e nas dungeons;
  • Dungeons extremamente repetitivas visualmente, deixando a exploração pouco interessante;
  • Muitos termos técnicos, podendo dificultar o entendimento de quem não está acostumado com o gênero ficção científica;
  • Sem textos em português.

Crymachina — PC/PS5/PS4/Switch — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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